O mundo vive a pior crise humanitária desde a 2ª Guerra Mundial, em termos de pessoas deslocadas. O Brasil hoje acolhe mais de 8 mil refugiados, número que quase dobrou desde 2011, ano em que começou a guerra síria. Apesar de não oferecer auxílio financeiro, como os países europeus, o Brasil tem tido um papel de destaque ao abrir as portas para os migrantes. Os afetados pela guerra síria, por exemplo, são beneficiados por uma resolução especial que agiliza o processo de expedição de vistos – e que foi prorrogada por mais dois anos em setembro de 2015.
Para João Amorim, professor de Direito Internacional da Unifesp e ex-advogado do convênio entre a Caritas e a Acnur, agência de refugiados da ONU, ainda é muito pouco o que se faz em termos de ajuda humanitária: “O Brasil faz o seu papel e de uma forma que, mesmo não sendo o suficiente, mesmo não sendo o ideal, mesmo podendo fazer mais do que faz, com todos os senões, ainda tem uma situação que torna as posições europeia e estadounidense patéticas e vergonhosas”.
Leia mais sobre o assunto na edição de outubro da Revista Brasileiros, que chega às bancas com três reportagens sobre refugiados e migrantes.
Revista Brasileiros – Qual a sua avaliação sobre a política de refúgio no Brasil?
João Amorim – Em termos de ajuda humanitária, em termos gerais, o que tem sido feito no mundo é muito pouco. Você precisa inserir os refugiados na sociedade, ter políticas públicas mais abrangentes, inclusivas, ter mais educação na sociedade, instruir a sociedade. Desde a estrutura governamental até a sociedade civil. No caso do Brasil, é um dos pouquíssimos países que possui uma lei específica para refúgio, que determina critérios objetivos, estabelece o reconhecimento de direitos e cria um órgão administrativo especificamente vocacionado para lidar com questões de pedido de refúgio. Isso, em termos mundiais, é uma exceção e é uma coisa muito boa que torna o País uma referência internacional no acolhimento de refugiados. O Brasil não pré-determina quem vai chegar, recebe todos, reconhece direitos e depois vai analisar a situação de cada um. Mas primeiro ele cuida dessas pessoas. Porém temos um déficit histórico com assistência social, de exclusão. Temos políticas públicas de educação, saúde e segurança muito deficitárias. Nesse ponto, o Estado poderia fazer mais, e não faz. Os refugiados se integram nessa parcela da sociedade excluída dos benefícios econômicos. Sofrem as mesmas limitações e preconceitos que todos os brasileiros excluídos, pobres e afrodescendentes, com o agravante da xenofobia latente de algumas parcelas da sociedade brasileira.
Mas diferentemente dos países europeus, o Brasil não fornece uma ajuda financeira, né?
O Brasil optou por, ao invés de dar dinheiro, reconhecer direitos e inserir essas pessoas nos seus serviços públicos e com condições para que aquelas pessoas se desenvolvam por si mesmas. O problema é que temos uma estrutura sucateada. A Polícia Federal tem poucos funcionários para atender a essa demanda enorme, o que gera um atraso no processamento dos pedidos de solicitação de refúgio e na expedição da documentação. Nós temos uma barreira muito grande para as pessoas do refúgio que é o idioma. Muitas vezes eles têm oportunidade de emprego, mas não falam o idioma ainda. E essa questão é feita de forma voluntária só pela sociedade civil, o Estado não auxilia em nada com relação a isso. O grande gargalo são as estruturas de assistência social e acolhimento, o que acaba quase que exclusivamente na mão de entidades religiosas. Fazem um trabalho fantástico, mas pequeno diante do volume de refugiados que têm chegado no Brasil.
O governo repassa fundos para algumas entidades fazerem o serviço de assistência e acolhimento. O que o senhor acha disso?
A Caritas do Rio de Janeiro e de São Paulo são as entidades que cuidam da maioria esmagadora doas refugiados e migrantes que chegam ao Brasil. Elas recebem uma subvenção do governo. Pode soar como exoneração de responsabilidade o Ministério da Justiça dar uma subvenção anual para algumas entidades. Mas tem de questionar se a subvenção é suficiente para que as entidades atendam às demandas, perguntar se a subvenção tem aumentando ou não. Eu fui advogado do Acnur na Caritas e vi isso acontecer anualmente. Existe a subvenção, mas diminui de um ano para outro. De 2013 para 2014, o número de pedidos de refúgio no Brasil subiu em mais de 3000%. É impossível que você tenha isso dentro de uma programação orçamentária. É uma irresponsabilidade dizer que a situação esta sob controle pelo fato de o governo dar um dinheiro para essas entidades. O volume de trabalho é gigantesco. A própria Caritas coordena uma rede de entidades de assistência que não recebem essa subvenção, que trabalham em regime de voluntariado mesmo. Não é só dar uma aula de português de graça, distribui kits de higiene pessoal, precisa arrecadar fraldas descartáveis. A realidade enfrentada por essas entidades assistências é muito dura. Elas lutam de um lado contra todo o sentimento refratário da sociedade, e de outro lutam contra a questão da escassez de recursos. É um trabalho heroico.
Na opinião do senhor, o Brasil cumpre o seu papel em meio a essa crise humanitária?
Sim, o Brasil faz o seu papel e de uma forma que, mesmo não sendo o suficiente, mesmo não sendo o ideal, mesmo podendo fazer mais do que faz, com todos os senões, ainda tem uma situação que torna a posição europeia e estadounidense patética e vergonhosa. Em relação ao que os países europeus estão fazendo, que têm muito mais recursos financeiros e sociais, o Brasil tem feito um trabalho louvável. Poderia se fazer campanhas na mídia sobre a importância do acolhimento e contra a xenofobia, o racismo, o trabalho escravo. Mas a gente vê o contrário: a mídia reverberando comentários patéticos e imbecis de parlamentares que querem aproveitar um tempo de holofote em cima dessa questão humanitária.
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