O homem, esse deslocado

Tudo começou com a pílula anticoncepcional e a mulher dizendo: “Olha, nem vou ter filhos, quero trabalhar”. No momento em que ela virou dona da decisão de procriar e de sair ou não de casa, começou a confusão de papéis. Muito tempo depois, quando a mulher saiu de fato de casa e pôde inclusive morrer solteira, o homem não soube mais qual o seu lugar. Hoje, não sabe mais se deve abrir a porta para a moça ou a lata de cerveja enquanto coça o cofrinho vendo reprise de jogo em uma terça à tarde.

Detesto generalizar dessa forma, mas, para falar sobre todo um gênero, é preciso ou generalizar ou escrever o Novo Tratado Sobre a Masculinidade – longe de mim querer carimbar alguém, mas como fazer diferente?

Desde que a mulher passou a cuidar de seu próprio nariz, óvulos e conta bancária, existe um conflito do homem com o masculino. O homem de hoje, criado essencialmente por uma geração de mulheres frustradas, parece não ter uma identidade e ir apenas se encaixando no que é esperado. Isso, obviamente, não para por aí.

Quem não tem identidade nunca cessa de procurar. Isso acaba virando uma catástrofe: insatisfação causa uma busca perdidinha que pode levar à passividade, ao isolamento, traição, mentira, até confusão sobre a própria preferência sexual em busca da autoafirmação que só pode causar sofrimento – a ele e às pessoas com quem se relaciona, se é que consegue se relacionar com alguém.

Há um certo desconforto do homem com a mulher que é protagonista da própria vida. As mulheres evoluíram, tiraram o avental, aprenderam a dirigir, votam e fazem terapia. Parece que o homem ficou olhando e agora está semiparalisado em total despreparo para lidar com elas e com ele mesmo. O homem que lhe foi retratado não serve mais, e o novo homem é uma incógnita. Cabe ao próprio se realocar. A mulher não vai ajudar, pois está um tanto perdida também – sabe o que não quer, sabe algumas coisas que quer, mas quando se trata de relacionamentos o papel de homem-mulher também se confunde. Ela quer um ombro para chorar, um ombro estável e forte – mas quando o homem demonstra essa fragilidade é tachado de maricas. A questão não é mais “quem é o homem hoje” e sim “como as pessoas se relacionam hoje”. Conheço homens que, digamos, progrediram, gostam de mulheres independentes, inteligentes, cheias de iniciativa, são educados, estáveis, maduros… e estão sozinhos. Por outro lado, conheço mulheres independentes, inteligentes, cheias de iniciativa e com carreira sólida que escolhem homens que não são exatamente um desafio intelectual e ficam muito atrás em vários quesitos. Quer dizer, alguém realmente escolhe de quem gostar? Eu adoraria que tudo fosse uma escolha racional. O mundo seria perfeito.

Enfim, não é disso que estamos falando. Como diz um amigo meu, coração não tem cabeça. Não era do coração que falava, e sim de comportamentos sociais. Não sou nenhuma socióloga com teorias a defender, como já disse antes. Sou uma pessoa que acha muitas coisas. Uma das coisas que acho é que o homem deveria tardiamente deixar de ver a mulher como um objeto – mas como, se algumas se colocam como um? Mais confusão. Será que algumas mulheres são objetos, outras, cérebros e os homens idem? Porque alguns homens, perante essa nova mulher independente, também se colocaram como objetos. Alguém que se põe nesse papel não pode reclamar de nada.

O fato é que a maioria dos homens ainda tem medo de assumir um papel diferente do tradicional, provavelmente por medo de falhar. O novo sempre assusta. É difícil conviver com alguém que guia o relacionamento – não necessariamente um relacionamento de casal, pode ser o fato de estar abaixo de uma mulher no trabalho ou à sombra de uma irmã mais bem-sucedida na carreira – sem sentir-se lesado ou apontar dedos. Sim, ainda existe gente que usa o termo “mal comida” para a moça focada em sua carreira – assim como existem mulheres que não procuram nada além de um bom casamento em que possam fazer compras e se preocupar apenas com a celulite. O homem e a mulher devem saber o lugar que desejam ocupar no mundo e em suas próprias vidas. Alguns nasceram para ser coadjuvantes mesmo e não se importam com quem se impõe, afinal. Quem sou eu para determinar o que é certo? Desde que o sujeito esteja confortável em seu papel, está valendo. Sem críticas à vida alheia, já tenho a minha que é complicada o suficiente para resolver. Pelo menos, o meu papel eu já defini.


A gaúcha Clarah Averbuck, 31 anos, é escritora, autora de Máquina de Pinball (Editora Conrad) e Das Coisas Esquecidas Atrás da Estante (Editora 7 Letras), entre outros. Também é vocalista da banda Clarah Averbuck and the Oneyedcats.

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