Inter de Milão. Aliás, de São Paulo…

Viajar o mundo inteiro

O Inter Campus atende  220 crianças em  São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo. Foto: Douglas Mansur
O Inter Campus atende 220 crianças em São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo. Foto: Douglas Mansur

durante o ano para treinar e preparar crianças das escolinhas de futebol de um time de sucesso e prestígio internacional. Um trabalho de dar inveja a muita gente. É essa a dura rotina de três jovens italianos: Stefano Capellini, Alberto Giacomini e Juri Monzani.

Capellini, 28, é o responsável no Brasil pelo projeto Inter Campus, da Inter de Milão, que mantém, desde 2012, escolinhas de futebol no bairro de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo. Duas unidades passaram a funcionar ali no ano passado. Outras foram instaladas na favela da Maré, no subúrbio do Rio; no Recife, Pernambuco, e na praia de Pititinga, no município de Rio de Fogo, no Rio Grande do Norte.

Capellini e os amigos Giacomini, 36, e Monzani, 27 – estes dois últimos, técnicos de futebol das equipes amadoras da Inter –, vieram ao Brasil no finalzinho de maio ensinar modernas técnicas de treinamento aos garotos dos cursos e aos profissionais brasileiros envolvidos no projeto. Duas vezes por ano, eles circulam por essas bandas. No restante do tempo, tampouco ficam em Milão. O Inter Campus, afinal, está hoje em 29 países. É um tal de fazer e desfazer malas o tempo todo. “Vamos ao Rio, por exemplo, mas nunca aproveitamos o Leblon, Ipanema ou Copacabana. A gente só fica na Maré. Não dá tempo para nada”, lamenta o fotógrafo italiano Franco Origlia, também integrante do grupo na última viagem.

Ao menos uma vez por mês, saem em viagem. Rodam por países como Paraguai, Nicarágua, Marrocos, Congo, Camarões, Bósnia, Líbano, Irã, Camboja e Estados Unidos, entre outros. “Na África, crianças vinham jogar e diziam não ter nome. Um menino contou que, em cada lugar, o chamavam de um jeito diferente e ele não sabia seu nome. Na Bulgária, Romênia e Polônia, o problema é outro: são muitas crianças sem pai”, conta Capellini, emocionado. Ver a felicidade nos olhos dessas crianças, em uma partida de futebol, compensa o distanciamento forçado da família na maior parte do ano, garantem os rapazes.

Giacomini vive em Milão. Mas não gosta do frio da cidade. É fã do clima tropical e, propositadamente, procura fugir do gélido inverno europeu nesse período. Não por acaso, tem laços familiares com o Brasil. Uma de suas avós vivia na Mooca, na zona leste paulistana. Ela mudou-se para a Itália e casou lá. A avó de Giacomini tem o sobrenome Crespi, o mesmo de Alfredo Crespi, nome do estádio do Juventus, o tradicional clube do bairro italiano. Giacomini, no entanto, não se empolgou em conhecer o clube de seus patrícios em São Paulo. O motivo: por ter o mesmo nome de um arquirrival da Inter, a Juventus de Turim.

Crianças recebem uniformes e usam  depois até em  casa ou na escola.  Foto: Douglas Mansur
Crianças recebem uniformes e usam depois até em casa ou na escola. Foto: Douglas Mansur

Em outras comunidades
Crianças com a camisa da Inter jogam hoje em campos de terra batida e favelas pelo Brasil e em zonas de conflitos e áreas de refugiados ao redor do mundo. Nos 29 países, são cerca de dez mil alunos. No Brasil, dois mil. Somente nos três núcleos em São Miguel Paulista – Vila Curuçá, comunidade Água Vermelha e Jardim Santo Antonio –, são 220 crianças e adolescentes, com idades entre 6 e 14 anos.

Há um exigência básica: todos precisam estudar e ter boas notas na escola. A intenção não é formar atletas para jogar na Itália, ao contrário do que muitos pais esperançosos imaginam. O Inter Campus é um projeto social, voltado principalmente para crianças de baixa renda, e a finalidade é ajudar no desenvolvimento e formação, esclarece Capellini. “É uma coisa lúdica. Junta a técnica com o divertimento”, acrescenta o responsável pelo programa. “O objetivo é social e cultural. E visa também garantir o direito das crianças ao lazer”, explica o padre Vicente Frisullo, responsável pelo Centro Nossa Senhora de Fátima, na Vila Curuçá, entidade parceira da Inter de Milão.

O padre Frisullo é italiano e conheceu Carlota Moratti, diretora do Inter Campus e filha do ex-presidente da Inter Massimo Moratti. Assim, ele conseguiu trazer o projeto para a zona leste paulistana. No início, o Inter Campus tinha o apoio da Pirelli do Brasil. Mas a patrocinadora do time milanês deixou de colaborar.

A Inter, hoje, oferece uma modesta ajuda de custo no valor de 7,4 mil euros, ao ano, para o pagamento de professores nos três núcleos em São Miguel. Fornece ainda o uniforme. “No treino, as crianças fazem alongamento, aprendem fundamentos, recepção, toques, chutes e outras situações de jogo. Na sequência, vem o coletivo”, explica Marcelo de Mello, professor de futebol do núcleo Vila Curuçá.

Quando os italianos vêm ao Brasil fazer entregas dos novos uniformes – camisas, calções e meias –, é uma festa. “As crianças vestem e não tiram mais. Vão para a escola e para qualquer outro lugar com a camisa”, conta Alexandre Mauricio de Lima, 30, eletricista e professor voluntário do time de garotos de Água Vermelha.

No campo local, as cores azul e preta da Inter contrastam com a terra vermelha. Daí, veio o nome da comunidade. Em meio às sessões de alongamento, chutes a gol e corridas, os treinadores tentam satisfazer a curiosidade das crianças. Os meninos dali se dizem fãs de Neymar, mas demonstram interesse, principalmente, por um outro ídolo: Cristiano Ronaldo, do Real Madrid.

“Você já viu ele na rua? Já falou com ele”, perguntava Alan Santana, 11, aluno da 5a série do Ensino Fundamental, para o surpreso Giacomini. “Já o vi. Mas ele é português e joga na Espanha. Nós estamos na Itália”, explicava o treinador. Minutos depois, Alan repetiu a mesma pergunta para os outros italianos.

Algumas crianças chegam a perder o sono em dias de jogos. “O treino do meu filho começa às oito da manhã no sábado, mas às seis horas ele já está em pé, vestido com o uniforme, pedindo para levá-lo logo ao campo”, diz a balconista Mariliza Regina do Nascimento, mãe do pequeno Vinicius Barros, de 8 anos.

O fotógrafo Franco Origlia lançou livro com fotos de pequenos jogadores da Inter  em vários países,  entre eles a Colômbia.  Foto: Reprodução
O fotógrafo Franco Origlia lançou livro com fotos de pequenos jogadores da Inter em vários países, entre eles a Colômbia.
Foto: Reprodução

“Eu queria jogar na Itália e levar minha avó comigo pra lá”, sonha Rafael Barbosa, 10. O irmão Gabriel, 12, quer se mudar, mas para outra cidade dentro do próprio Brasil. Gostaria de jogar e morar na cidade de Santos, no litoral paulista. E também está preocupado com a avó. “Ela sempre quis viver lá. Se eu puder, levarei todos da família”, afirma.

O jogo corria e, minutos depois, o fotógrafo Franco Origlia desaparecia pelas ruelas simples da comunidade Água Vermelha. Ele retratava, ali, o cotidiano e a realidade dessas crianças. Origlia é autor de um admirável livro de fotografias – Inter Campus, Esporte, Paixão e Compromisso (Editora Skira, 253 páginas) –, publicado em 2012.

O fotógrafo mostrou nesse trabalho o encantamento e a paixão de crianças nicaraguenses, russas, africanas, palestinas ou israelenses pelo futebol. Todas, sempre, correndo alegres e felizes atrás de uma bola, mesmo diante de situações adversas, como a miséria, a violência, a guerra, os tanques, as metralhadoras e as cercas e os muros que separam as pessoas. O mundo e os sonhos dessas crianças – entre elas, as da comunidade Água Vermelha –, serão mostrados em um novo livro, a ser lançado em breve por Origlia. 

O fotógrafo Franco Origlia lançou livro com fotos de pequenos jogadores da Inter  em vários países,  entre eles a Colômbia.  Foto: Reprodução
O fotógrafo Franco Origlia lançou livro com fotos de pequenos jogadores da Inter em vários países, entre eles a Colômbia.
Foto: Reprodução

 


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