O grande Forlán, pai do Forlán

Pablo Justo Forlán La-marque, campeão da liga uruguaia de 1964, 65, 67 e 68 (Peñarol); 78 (Nacional); 80 e 82 (Defensor). Pelo Peñarol, foi campeão da Copa Libertadores e do Mundial Interclubes de 1966. Jogou pela seleção do seu país em 1966, 70 e 74, sendo campeão da Copa América em 1967. Pelo São Paulo, foi campeão em 1970, 71 e 75. Em breve currículo da vida do lateral-direito Forlán, esses números são obrigatórios.

Aos 65 anos, o jogador, que marcou história no Peñarol e no São Paulo, como um talismã que chegou em 1970 para contribuir com o fim do jejum de 13 anos sem vitória, recebeu a reportagem da Brasileiros em sua ampla casa no bairro Carrasco, em Montevidéu, para um gostoso papo. Também pediu informações sobre como anda a vida dos jogadores brasileiros de sua época.
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Ao saber que o repórter participou da criação de uma cooperativa de jogadores do passado, a Craques de Sempre, que pontua ídolos como Dorval, Mengálvio, Coutinho, Leivinha, Félix, Dudu, Badeco, Gilberto Sorriso e tantos outros, já foi questionando: “Leivinha, como está? Zito vive? E Pepe? E Coutinho? Parece que emagraceu. Badeco está bem? Gilmar, como passa? E Nilton Santos, tem notícias dele? E Rildo? E o Mauro?”.

Para seu alívio, informamos que Leivinha, Zito, Pepe, Coutinho, Rildo e Badeco estão todos bem. Por outro lado, fica triste ao saber que Gilmar sofreu um derrame, que Nilton Santos vive em uma clínica de saúde e que Mauro morreu.

“Coisas da vida”, suspira Forlán, que cita a filha Alejandra, que sofreu acidente automobilístico aos 17 anos, em 1991, ficando paraplégica, e que hoje, aos 36, mantém uma fundação voltada para a conscientização de jovens em relação à direção perigosa. O sorriso, que nunca foi muito aberto, se prenuncia quando fala da felicidade de ver a filha trabalhando e sendo referência em responsabilidade social no país.

O mesmo sorriso surge quando fala dos filhos Pablo, que também jogou, Adriana e Diego, que ganhou o título de melhor jogador da Copa do Mundo na África do Sul, e dos netos Andréa, filha de Pablo, e Thiago, filho de Adriana. Dos quatro filhos, apenas Diego não conseguiu completar a faculdade (Administração Internacional) por causa do futebol.

Quando questionado se gostaria de ver o neto jogando bola, Forlán responde no jargão futebolês: “Iiii, tudo depende, quem sabe… Mas eu gostaria sim, como não. Seria muito bom ter mais um do futebol na família”. Ele sabe o que diz, pois seu pai foi jogador na década de 1930 e seu sogro, Juan Carlos Corazzo, foi um grande craque e técnico de renome no Uruguai e na Argentina.

Forlán presenteou o repórter com um livro escrito pelo filho Diego. No livro, Diego dedica vários capítulos à família.

Sobre o pai, lembra de uma passagem quanto tinha uns oito anos, estava em uma rua de Montevidéu quando alguém parou o pai e o abraçou efusivamente. Ficaram ali, conversando por quase dez minutos. Depois, Diego perguntou ao pai quem era aquele seu amigo e ele respondeu que não o conhecia. Era um torcedor do Peñarol, que o cumprimentou educadamente e ele retribuiu. Deste dia em diante, Diego diz que nunca se esqueceu do dever de um homem público, de atender bem as pessoas, mesmo desconhecidas.

Depois da entrevista, digo que gostaria de voltar à casa de Forlán para trazer camisas a serem autografadas. Nesse momento, o pai se esquece do extenso currículo de conquistas e pergunta: “Quem vai autografar, eu ou o Diego? Ele está na Índia e não sei se vai dar tempo de voltar para assinar”. Respondemos: “Não, Forlán, queremos o seu autógrafo. Se o Diego chegar a tempo, tudo bem, mas nós viemos aqui por causa do grande Pablo Forlán”. Uma lenda do futebol.

Brasileiros – Forlán, você começou no Peñarol?
Pablo Forlán –
Sim. Sou do interior, de Soriano, há uns 280 km de Montevidéu. Vim com 17 anos, em 1962, jogar no juvenil e depois de um ano e meio passei a profissional.

Brasileiros – Os torcedores do Peñarol falam muito de uma jogada que você fazia com o Abbadie.
P.F. –
É verdade. Era um ponta-direita muito habilidoso e já veterano quando joguei com ele. Depois de ganhar muitos títulos para o Peñarol, foi para o Genoa e depois para o Lecce, na Itália. Quando eu comecei no Peñarol, ele estava de volta e contribuiu para que ganhássemos outros títulos, principalmente a Libertadores e o Mundial Interclubes de 1966. Ele jogava um pouquinho atrás e lançava para mim, que jogava mais à frente. Trouxemos muitos bons resultados para o Peñarol. Depois, no São Paulo, fazia mais ou menos o mesmo com o Benê e depois com o Terto. Peguei uma fase muito boa no Peñarol. Recordo com carinho de todos os títulos da década de 1960, quando fomos campeões da Libertadores, do Mundial de Clubes e da Recopa de Mundial de Clubes, em 1969. O Peñarol estava entre os melhores times do mundo, assim como o Santos do Pelé e o Palmeiras da Academia…

Brasileiros – Foi no Brasil que ficou conhecido como “raçudo”?
P.F. –
Eu já tinha o perfil de um cara de raça, mas também gostava de jogar. Eu pegava bem na bola, em curta e longa distâncias. Fazia gols de fora da área. Uma vez, um jornalista afirmou que eu batia muito, mas o Gerson complementou, dizendo que eu era raçudo, que brigava pela boa, mas que sabia o que fazer com ela depois que a ganhava. Foi uma honra saber que o Gerson pensava assim de mim.

Brasileiros – Você também é lembrado pelos são-paulinos por ter feito um gol e depois ter corrido e mostrado o símbolo do clube para a torcida do Palmeiras.
P.F. –
É verdade. Nos anos 1970, o Palmeiras e o São Paulo disputaram vários títulos, ficou uma rivalidade muito grande. Tenho grandes amigos em São Paulo, para onde viajo sempre. Cheguei com 24 anos e me adaptei como jogador, mas a parte pessoal demorou um pouquinho. Estranhei um pouco ficar longe da família, mesmo estando com minha mulher e nosso primeiro filho, o Pablo, que estava com quatro meses de idade, quando chegamos.

Brasileiros – No Brasil, qual foi seu melhor jogo?
P.F. –
Foi a penúltima partida do Paulista de 1970 contra o Guarani, quando fomos campeões depois de 13 anos. Foi no ano em que cheguei ao São Paulo. Essa é outra ótima recordação. Quando fui apresentado no Morumbi ao presidente Henri Aydar, ele me falou que fazia 13 anos que estavam na fila. Eu perguntei o que era estar na fila e ele disse que era esperar para ser campeão. Eu respondi: “Fique tranquilo, vamos ser campeões”. E fomos. Nessa partida, contra o Guarani, apagaram as luzes durante dez minutos e terminamos ganhando mesmo assim, por 2 a 1. Foi uma grande festa: entrou todo mundo no gramado e fomos para o vestiário. Lá, o presidente Aydar entrou fumando um charuto e me pediu a camisa. Outros pediram as outras peças e fiquei só de sunga. Para mim, foi muito emocionante e uma honra o depoimento que ele deu à imprensa de todo o País, quando disse: “O São Paulo foi uma coisa até a chegada de Forlán e outra, depois”. A partir daí, ele gostou muito de mim. Grande pessoa… A família dele também. Há alguns dias, me ligou para felicitar pelo Diego.

Brasileiros – Com o São Paulo campeão em pontos corridos, qual foi a última partida?
P.F. –
O último jogo foi com o Corinthians, no Morumbi. Da torcida corintiana não foi ninguém, mas da nossa lotou tudo. Ficou gente de fora e olha que naquela época cabiam 145 mil pessoas no estádio. Hoje não, só 60 ou 70 mil… Quando nós entramos em campo, foi impressionante a quantidade de bandeiras. Lembrando agora, parece que estou entrando no “Morumba”, olhando as bandeiras, o povo… Ganhamos do Corinthians por 1 a 0, o gol foi do Paraná. Jogamos com Sérgio, eu, Jurandir, Roberto Dias, Gilberto, Édson, Nenê, Paulo, Terto, Toninho e Paraná. O Gerson estava machucado e o técnico era o Zezé Moreira. Ganhei ainda no São Paulo os campeonatos de 1971 e 1975.

Brasileiros – Você saiu do São Paulo em 1976?
P.F. –
Sim, depois fiquei um ano no Cruzeiro e voltei para cá. Veio um período muito especial. Voltei para o Peñarol e depois fui para o Defensor. Joguei até quase os 39 anos. Tinha um bom físico. Não tive lesões graves. Só uma distensão em 20 anos. Graças a Deus.

Brasileiros – Você era um jogador que entrava na maioria dos jogos. O reserva passava fome.
P.F. –
Jogava a grande maioria das partidas. Não era fácil para eles. Tive vários reservas que eram bons jogadores. Quando cheguei em 1970, estava o Tenente, ele jogava bem na direita e na esquerda.

Brasileiros – Que comparação você faz do futebol de hoje com o daquela época?
P.F. –
Primeiro, que um bom jogador joga bem em qualquer época. Hoje, o que melhorou foi o campo, que é um tapete, e a bola, que não encharca como a da nossa época, além de correr mais. A bola melhorou muito. Antes, era de couro e, quando molhava, pesava. O jogo é de pouco passe, pois a bola corre bem. Ela tem mais precisão, é leve e plastificada. O jogo fica mais rápido. Outra coisa: me lembro das chuteiras de meu pai e as do meu sogro, que eram muito pesadas. Hoje, meu filho Diego usa uma chuteira que não pesa nada. O jogador de futebol tem mais facilidade em jogar futebol por causa da bola.

Brasileiros – Você acha que naquela época existiam melhores jogadores de futebol do que hoje?
P.F. –
Eu acho que existem bons jogadores de futebol tanto naquela época quanto hoje. O problema é que, por exemplo, os jogadores dos anos 1970, não falo nem dos atletas dos anos 1950, queriam passar do juvenil para jogar nos clubes de origem e depois ir para a seleção. Hoje, os garotos de 16 anos já querem ir direto para a Europa. Às vezes, jornalistas do Brasil me ligam para entrevistas e fazem comparação do número de revelações de jogadores do Brasil com os do Uruguai. Não tem comparação, o Uruguai é do tamanho de um bairro de São Paulo, cidade que hoje tem 19 milhões de habitantes, enquanto nós temos três milhões de habitantes.

Brasileiros – Eu fico imaginando o teu orgulho de ter um filho como o Diego, que foi considerado o melhor jogador da Copa do Mundo, com todas as dificuldades do Uruguai.
P.F. –
Sem dúvida. É um orgulho para mim, para a família e para todo o povo do Uruguai. Pablo, meu filho mais velho deixou de jogar para acompanhar o irmão Diego. Jogou durante 14 anos, mas, para ele, é muito importante a carreira do irmão. É um conselheiro. Tem uma diferença de idade de 10 anos do Diego, pois vai fazer 40 agora.

Brasileiros – Sua filha é um grande exemplo de trabalho pela conscientização em relação a acidentes automobilísticos.
P.F. –
Infelizmente, Alejandra sofreu um acidente de carro quando tinha 17 anos e ficou paraplégica. Mas ela está fazendo um belo trabalho na Fundação Alejandra Forlán, em defesa das pessoas acidentadas no trânsito e de orientação para que acidentes deixem de acontecer.

Brasileiros – Na imprensa, disseram que ela influenciou o Diego a jogar futebol.
P.F. –
Não, não. Isso foi de um repórter da Inglaterra que interpretou errado, dizendo que Diego foi jogar futebol por causa do acidente, mas não foi. Ele jogava muito bem futebol e tênis e, aos 12 ou 13 anos, teve dúvida em relação a qual seguir. Mas optou pelo futebol.

Brasileiros – Você enriqueceu com o futebol?
P.F. –
Não. A vida é muito longa e tem picos. O jogador tem de ir pensando no que pode fazer depois de parar. Pode ficar perto do futebol como treinador, que também é uma coisa linda. Foi o que fiz: ficar perto dos jogadores como treinador, mas é necessário saber que já não é a mesma figura de antes. Não é mais a figura principal. Depois que o jogador para, já não pedem autógrafo, o telefone já não toca como antes, não aparece na imprensa. É preciso ter cabeça forte. Pensar no que pode fazer, o que o incentiva a ser criativo e realizar. Terminou o futebol, mas a vida, não. Os jogadores com 34, 35 anos são muito jovens. Podem ter negócios e podem ser felizes também. A vida são momentos. A questão é que não pode gastar da mesma maneira que gastava quando jogava. E isso, sem dúvida, não passa na cabeça de muitos jogadores. As pessoas vencem por sacrifício e trabalho, não é só técnica. Um grande pianista, por melhor que seja, tem de ensaiar. O atleta tem de dormir bem, acordar cedo, dormir à tarde para descansar, tem de comer na hora, tem de tomar vitaminas. A noite não é para sair, tem de dormir. Dormir de manhã não é o mesmo que dormir à noite. Todos somos seres humanos, alguma noite tem de sair para se divertir, mas não pode sair todas as noites. Se quer jogar futebol, jogar tênis, ser um bom esportista, tem de ter disciplina. Pela vida desregrada, alguns têm vida curta no futebol.

Brasileiros – O Paulo Cézar Caju, que na época dele tinha fama de irreverente e playboy, fala que só foi beber e usar drogas depois que parou de jogar. Hoje, recuperado, ele dá palestras contra drogas.
P.F. –
Li uma reportagem em que ele comentou que, pelo meu estilo de jogo, eu me drogava para jogar. Ele se equivocou, nunca me dopei. As pessoas têm o direito de errar. Ele deve ser boa pessoa. Se encontrá-lo, mande um abraço.

Brasileiros – Muitos acreditam que se um jogador ganhou muito dinheiro durante a carreira, quando parar, vai ficar bem. Mas, sem motivação, dinheiro é suficiente?
P.F. –
A gente é rico quando está dentro de casa, feliz com a família. Minha filha saiu às oito da manhã para ir trabalhar na Fundação. E ela, graças a Deus, hoje tem possibilidade de estar bem, tranquila, sem problemas financeiros. Ela teve uma mudança brusca na vida, mas trabalha com as mãos no computador. E está feliz. O Zidane parou aos 34 anos e se preparou para isso. Hoje, aos 37 anos, está fazendo outra coisa. Vejo muitos jogadores que se preparam e partem para outras atividades. O jogador tem de saber que vai parar de jogar, tem de ter motivação para viver. Motivação e cabeça forte.

Brasileiros – Quando você está assistindo a um jogo, sentado na sala, instintivamente, você chuta uma bola imaginária?
P.F. –
Ah sim, quando joga o Peñarol, às vezes, chuto. Quando vou ao estádio e vejo a bola correndo, penso como seria bom estar jogando ali.

Brasileiros – No ano passado, estive aqui, mas não vi pessoas usando camisas da celeste olímpica. Agora, com a Copa do Mundo, as camisas oficiais se esgotaram nas lojas.
P.F. –
Nesta seleção, houve um entrosamento entre o povo e o time. Nas ruas, se veem bandeiras nas casas, nos carros, vemos as pessoas vestindo a camisa da seleção. E, desde o início dos jogos, a seleção ganhava ou empatava, e o povo saia às ruas. Isso é muito lindo. Eu sempre pedi isso. Quando faziam alguma reportagem, eu dizia para fazer uma corrente positiva como os brasileiros. O campeonato começa e as pessoas já estão usando a camisa, portando a bandeira. E foi muito impressionante no primeiro jogo, todo o estádio estava de camisa azul-celeste, muito bonito.

Brasileiros – E a seleção do Uruguai saiu desacreditada?
P.F. –
Não é verdade. O Uruguai saiu com muita esperança e todos dissemos que o resultado das eliminatórias foi injusto para o Uruguai. Uma pena. Por um pelo, por um fio de cabelo não nos classificamos. Mas vencemos a Costa Rica e fizemos esse lindo papel.

Brasileiros – Aí você teve esse prêmio do menino, Diego, como o melhor jogador da Copa…
P.F. –
(Risos) Foi, graças a Deus. Os primeiros que me telefonaram foram do Brasil, incrível.

Brasileiros – E o seu sonho de ver o Diego jogar no São Paulo?
P.F. –
Seria bom, seria lindo! Porém, ele tem mais dois anos de contrato no Atlético de Madrid, vamos ver o que acontece. Ele está bem, se cuida muito. Em sete temporadas, faz quase dez anos que está no grupo, desde 2001. Quando termina a temporada, ele trabalha em casa com um preparador físico. Ele é muito profissional. Eu sempre digo que o problema para o esportista está fora da competição. O Diego é atlético, se levanta às sete da manhã e já faz exercícios na garagem, toma o café da manhã e depois vai treinar.

Brasileiros – Por falar em atleta bem preparado, você enfrentou o Pelé. Como foi?
P.F. –
Muito difícil, um jogador fora de série e muito manhoso, também. Mas sabe uma coisa que a FIFA faz mal e eu sempre digo? A FIFA promove todo ano o prêmio de melhor jogador do mundo, mas acho que deveria selecionar por posição. Pelé e Maradona foram os melhores atacantes que já vi jogar. Depois, vem Di Stefano. Mas como Pelé e Maradona não conheço, foram os melhores nas posições deles. Outros se destacaram como goleiro, zagueiro, lateral. Então, pergunto: “Por que não premiar de acordo com a posição?”.

Brasileiros – Escale os melhores, por posição.
P.F. –
Goleiro, para mim, é o Mazurkiewicz, mas o Gilmar também foi sensacional. Lateral há muitos, o próprio Nilton Santos, o Carlos Alberto. Zagueiro? Eu joguei no Peñarol com um que foi muito grande, o chileno Figueroa, depois, ele foi para o Internacional de Porto Alegre. Luís Pereira também foi maravilhoso. Volante é o Pedro Rocha e o Gerson, também. Como atacantes, para mim, como já disse, são Pelé e Maradona. O Garrincha também foi formidável. Na ponta esquerda, um grande jogador foi o Edu do Santos. Ah, o Nei do Palmeiras, também.

Brasileiros – Você foi treinador da garotada no São Paulo?
P.F. –
Primeiro da garotada e, em 1990, fui treinador do profissional. Depois, veio o Telê Santana. Trabalhei com Telê também como jogador. Aprendi muito com ele. Era muito sério, honesto trabalhador. Dava muito conselho. Ele falou que parte de seu triunfo, depois que foi campeão nacional, campeão da América, Libertadores e do Mundo, se deu graças a mim. Fui eu que preparei o Ricardo Rocha, o Antônio Carlos Zago e o Cafu, além de indicar a aquisição do Leonardo para o Flamengo.

Brasileiros – O time caiu para segunda divisão com você?
P.F. –
Não. Quando cheguei, a coisa já estava ruim. Muita gente fala isso, mas não dava mais para recuperar. Eu cheguei ao São Paulo quando faltava um ou dois jogos.

Brasileiros – Por que você não quis continuar como técnico?
P.F. –
Não, eu quis, mas em 1991 houve o acidente da minha filha daí parei. Ela ficou oito meses no hospital, cinco meses no respirador. Eu quis ficar perto da família e tudo mais.

Brasileiros – O que é necessário para ser um bom treinador?
P.F. –
Para ser um grande treinador, primeiro tem de saber que 75% ou 80% são os jogadores do time, depois o tempo, o preparador físico, o auxiliar técnico, a equipe, o médico, todo este grupo e mais a vivência. Se você não tem jogador com qualidade, personalidade e que forme um grande grupo, você está ralado. É muito difícil. Então, a seleção uruguaia ganhou porque formou um grande grupo. Explico para você: o técnico Oscar Tabarez formou um grande grupo porque, nas eliminatórias que duraram uns dois anos, ele foi conhecendo e integrando os jogadores importantes, formando um grande grupo na parte tática, física, na responsabilidade que cabe a cada um. Se você tem isso, se não for campeão, vai estar perto.

Brasileiros – Qual a sua opinião sobre o que houve com o Brasil na Copa do Mundo?
P.F. –
Ao contrário do que diz a maioria, eu penso que Dunga é um grande treinador, é trabalhador, honesto, sério e é um tipo que tem grande personalidade e que juntou um grande grupo. O melhor goleiro. Eu estava lá e vi. Se o Brasil ganhasse de 3 no primeiro tempo, ninguém podia falar nada. Aqui, no Uruguai, se diz que duas cabeçadas na área é gol. A primeira desacomoda todos e, se chega mais uma, é “pimba”, gol. O que acontece, em geral, é que o jornalista esportivo se deixa levar pelo triunfo ou pela derrota. O Brasil jogou muito bem e merecia ganhar o jogo. Eu falo como treinador. Eu vi o Brasil jogar bem. Você escuta rádio, vê televisão, vê jogo e lê jornal. Hoje, principalmente na rádio e na televisão, se o time está ganhando e termina perdendo, o repórter comenta: “Bem, eles não estavam jogando tudo isso…”. Hoje, querem matar o Dunga, mas, para mim, ele fez um bom trabalho.

Brasileiros – Em 1950, falam que o Brasil já entrou com a vitória garantida. Não combinamos com vocês…
P.F. –
Tem de haver motivação, mas não em excesso. Muitas vezes, os jogadores estão na concentração e comentam: “Amanhã ganharemos de cinco”. Note que isso vai penetrando no seu subconsciente, vai se preparando para, a qualquer momento, ganhar. Não pode ficar convencido demais.

Brasileiros – O que é essa figura do Maradona para você?
P.F. –
Para mim, é uma pessoa de um coração imenso. Uma vez ele chegou para mim e disse: “Pablo, se você precisar fazer um jogo para levantar renda para o tratamento de sua filha, pode me avisar que eu vou”. Marcamos a data e olha que data, dia 29 de dezembro. E ele veio. O estádio ficou lotado, 65 mil pessoas. Veio Francescoli, Recoba… O Nelinho e o Branco só não vieram porque o avião teve problemas e não pôde decolar. Pessoas de coração grande, sem dúvida nenhuma. Diego Maradona é uma pessoa especial, mas é preciso entender, ele tem seus problemas. Todos nós temos, mas seu coração é enorme.

Brasileiros – Dizem que os custos médicos de sua filha ficaram em torno de 250 mil dólares?
P.F. –
Não, não me lembro. Sem dúvida, naquele momento, o dinheiro ajudou, não sei se 120 ou 130 mil dólares. Isso foi um ano ou dois após o acidente, que foi em 1991.

Brasileiros – Como foi seu jogo de despedida do São Paulo?
P.F. –
Foi muito lindo, contra o Flamengo. Ganhamos de 2 a 0. Incrível quando aconteceu isso. Antes do jogo, ocorreu algo interessante. Estava voltando para o Uruguai, mas o presidente do Corinthians, Vicente Matheus, mandou me buscar. Fez uma reunião e, por educação, fui. Ele me fez uma proposta para ir ao Corinthians, pois eu era pé-quente. Era muito dinheiro que ele oferecia. No outro dia, saiu no jornal.

Brasileiros – Era mais do que você ganhava no São Paulo?
P.F. –
Era o dobro. Ele tinha contato com os dirigentes do São Paulo, se inteirou e sabia quanto eu ganhava. Eu falei que o único time que eu jogaria, se resolvesse continuar em São Paulo, era o do São Paulo. No outro dia, me ligaram do Morumbi querendo saber o que era aquilo que estava sendo noticiado e se haveria o jogo de despedida. Eu expliquei o que aconteceu e disse que por mais dinheiro que me oferecessem, eu não iria para o Corinthians. Quinze dias depois houve o jogo e foi muito lindo. Inesquecível. No Morumbi. No “Morumba”, umas 80 mil pessoas…

Maradona – Por que a gente tem que gostar dele


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