E o Brasil se curva às agências de rating

Standard & Poor's rebaixa nota de crédito do Brasil  Leia aqui
Standard & Poor’s rebaixa nota de crédito do Brasil Leia aqui

Centenárias e onipotentes. Banqueiros, economistas e empresários se curvam à santíssima trindade do mercado financeiro, de volta à moda aqui no Brasil. Esquecidas nos últimos anos, as agências de risco Fitch, Moody’s e Standard & Poor’s – especializadas em avaliar a saúde financeira de bolsas, títulos e nações – voltaram ao noticiário no mês passado, quando a última retirou o grau de investimento do País, agora considerado um canto do mundo sem credibilidade para receber investimento estrangeiro. Imediatamente afiançado por economistas brasileiros, o rebaixamento da nota (de BBB- para BB+, segundo sua metodologia) provocou uma correria no Palácio do Planalto. A presidenta Dilma Rousseff se trancou com sua equipe econômica e saiu de lá com um pacotaço que inclui os cortes sociais há meses reivindicados pela oposição. O que ninguém discutiu por aqui é se a credibilidade da S&P e suas congêneres é, de fato, inquestionável.

Embora existam muitas empresas do gênero pelo mundo, as três agências – todas americanas – dominam 60% do mercado. Primeira e mais influente delas, a S&P nasceu em 1860 com a publicação de um livro avaliando a saúde financeira de companhias ferroviárias americanas. Só na década de 1940 é que ela ganhou o perfil de hoje, bem depois das já nascidas Moody’s (1909) e Fitch (1914).

No Brasil, elas ficaram mais conhecidas na década de 1990, período em que o País se manteve longe do grau de investimento. A melhor nota atribuída pela S&P foi em 1997, um BB-, dois degraus abaixo da atual avaliação.

O Brasil só conquistou o investment grade pela S&P em abril de 2008, resultando em recorde na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que fechou em alta de 6,33%. A Fitch anunciou o mesmo no mês seguinte, enquanto a Moody’s só tomou essa decisão em setembro de 2009.

60% é a fatia do mercado de rating nas mãos de apenas três agências, as americanas S&P, Fitch e Moody’s. Centenárias, a primeira nasceu em 1860 com a publicação de um livro sobre a saúde financeira de companhias ferroviárias. Já no século 20 surgiram a Moody’s (1909) e a Fitch (1914)

Na prática, perder o grau de investimento provoca fuga de dólares porque alguns fundos de investimentos são obrigados por contrato a deixar de apostar em países sem a nota mínima. O recado é que, nessas ocasiões, o potencial de consumo do país rebaixado cai, puxando para baixo o retorno do investidor.

Crítico da “obediência cega” às agências, o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowski, acredita que essas notas contaminam o debate. “Todo mundo se rendeu a elas. Por que as agências não calculam o desemprego que aumentou? A conta que elas fazem é se o Brasil tem dinheiro para pagar especuladores. Elas são avaliadores do cassino global.”

Embora o mercado no Brasil raramente questione essas agências, a credibilidade delas já não é a mesma na Europa e nos Estados Unidos. “Elas saíram bem chamuscadas em 2008 por não anteciparem a crise. Mais sério: deram um rating AAA para um conjunto de papéis com percentual de elevadíssimo risco”, explica Alessandra Ribeiro, analista da Tendências Consultoria.
Em resposta, a União Europeia criou seu próprio órgão fiscalizador para a indústria de serviços financeiros, a Esma (European Securities and Markets Authority), em 2009. Ela virou notícia há três anos, quando não poupou crítica às três agências. No ano passado, seu relatório anual bateu forte. Ela coloca em dúvida a metodologia das empresas e acusa até “conflitos de interesse e independência”, sugerindo que alguns avaliadores teriam ligação mais do que suspeita com alguns de seus clientes.

Apuros mesmo passou a Standard & Poor’s na terra natal, em 2011, logo depois de rebaixar a nota dos Estados Unidos de AAA para AA+, a primeira vez na história. A resposta veio em um artigo do Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, que classificou a S&P de “a pior instituição à qual alguém deveria recorrer para receber opiniões sobre as perspectivas dos Estados Unidos”.

Ao contrário do governo brasileiro, que correu para preparar um pacote que reduzisse os danos causados pelo rebaixamento, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos levou a agência para o banco dos réus, ao acusá-la de maquiar o risco de algumas empresas sem saúde financeira em meio à depressão de 2008. O resultado foi divulgado no dia 3 de fevereiro deste ano, quando a S&P assinou um acordo extrajudicial concordando em pagar US$ 1,4 bilhão ao Tesouro americano, o equivalente a R$ 5,5 bilhões em valores atuais.

A fim de diminuir essa dependência, os Brics, grupo de cooperação econômica formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, planejam a criação de sua própria agência de rating. Professor do Instituto de Economia da Unicamp, Bruno De Conti acredita que a ideia pode ajudar a romper com a hegemonia americana, responsável por reações “exageradas” do mercado a cada rebaixamento de nota. “Apesar dos cálculos complexos, joga-se uma nota, uma coisa pegajosa para o imaginário das pessoas. É como se a Dilma, aluna, recebesse uma nota baixa no colégio”, compara.

R$ 5,5 bilhões foi o valor, em moeda nacional, pago pela Standard & Poor’s ao Tesouro dos Estados Unidos, que processou a agência por supostamente maquiar o risco de algumas empresas sem saúde financeira em meio à depressão de 2008

Para Alessandra, da Tendências, a reação é natural porque perder o grau de investimento é traumático: “É a sensação de ficar rico e voltar a ser pobre.” Ela elege o descontrole das contas de 2014 como crucial para o rebaixamento da nota. Naquele ano de baixa arrecadação, o governo ampliou os gastos em razão da campanha eleitoral, elevando a dívida de 53% para 58,9% do PIB (Produto Interno Bruto). Além disso, a Operação Lava Jato comprometeu a imagem das maiores construtoras do País. “O Brasil depende muito delas. Por estarem envolvidas nos escândalos da Petrobras, o mercado cobra um prêmio maior para financiar essas empresas, causando um efeito dramático sobre os investimentos.”

Conti acredita que, no fundo, a discussão é outra: “O que está por trás é o papel do Estado. Essas agências são a expressão dos chamados ‘humores do mercado’. O que se busca é reduzir o papel do Estado na economia reivindicando cortes sociais. O pacote anunciado pelo governo é prova disso.”


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.