Cerca de 5,8 bilhões de pessoas no mundo se identificam como religiosas, o que representa cerca de 84% da população mundial. Na esteira do número de indivíduos que se autodeclaram como religiosos, segundo estudo publicado na Current Biology, esconde-se a associação entre bons valores, bondade humana, bom convívio social e religião.
Mas, para esses mesmos pesquisadores da Universidade de Chicago (Estados Unidos), esse senso comum de uma relação positiva entre valores morais e religião não corresponde à realidade. Testes revelam que princípios religiosos nem sempre estão ligados à ideia de bom convívio social -pelo menos, no que tange à infância.
Segundo o levantamento, embora os pais de famílias religiosas afirmem que seus filhos tenham mais empatia e são mais sensíveis à justiça que as demais, não foi o que ficou demonstrado. Na pesquisa, quanto mais religiosa a criança, menos altruísta e mais punitiva foi considerada; enquanto que na outra ponta, filhos de pais ateus e declaradamente não-religiosos foram considerados mais generosos.
“O senso comum diz que a religiosidade tem uma ligação causal e positiva com comportamentos morais. Essa visão é tão profundamente enraizada que indivíduos que não são religiosos podem ser considerados moralmente suspeitos”, escreveram os pesquisadores no estudo.
Como foi feito o estudo
A pesquisa foi liderada pelo professor Jean Decety, da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e envolveu a percepção do comportamento de 1.170 crianças entre 5 e 12 anos em seis países (Canadá, China, Jordânia, Turquia, Estados Unidos e África do Sul). A escolha de diferentes países, segundo os pesquisadores, foi feita para evitar qualquer viés exclusivo de valores culturais de alguma sociedade.
Para medir o altruísmo, as crianças participaram de uma versão do “Jogo do Ditador”. Cada uma recebeu cerca de dez adesivos. Os pesquisadores cuidaram de dar uma oportunidade para que os adesivos fossem compartilhados. O altruísmo foi medido pelo número médio de etiquetas dividas.
“O compartilhamento de recursos foi feito entre crianças anônimas, do mesmo grupo étnico. Por isso, o nosso resultado exclui o viés de compartilhamento dentro e fora do grupo, um tipo de variável que conhecidamente muda o comportamento da criança.”
Já para avaliar a sensibilidade à justiça, as crianças assistiram animações curtas em que um personagem empurra ou esbarra em outro, acidentalmente ou propositalmente. Depois de ver cada situação, as crianças foram questionadas sobre a quantidade de punição que o personagem merecia.
Secularização não diminui bondade humana
Também os pais de cada participante responderam questionários sobre suas crenças religiosas e a percepção do nível de empatia ou de sensibilidade à justiça de seus filhos. Das respostas, três grandes grupos foram definidos: cristãos, muçulmanos e não-religiosos. As crianças de outros grupos religiosos não atingiram amostragem suficiente para serem incluídas nas análises.
Nos resultados, e de modo consistente com estudos anteriores, quanto mais velha a criança, maior a sua probabilidade de compartilhar. No entanto, na mesma faixa etária, filhos de famílias que se identificam como cristãos e muçulmanos foram significativamente menos propensos do que as crianças de famílias não-religiosas a dividir suas etiquetas.
Ainda, a relação negativa entre a religiosidade o altruísmo ficou mais forte com a idade; crianças com uma longa experiência da religião no lar foram os menos propensos a compartilhar.
Também as crianças de famílias religiosas, ao assistirem à animação, foram mais severas em relação às punições. Esse dado também foi consistente com estudos anteriores que mostraram a mesma tendência em adultos que se declararam religiosos.
“No geral, nossos resultados contradizem o senso comum e a suposição popular de que crianças de famílias religiosas são mais altruístas e gentis com os outros. O estudo põe em xeque se a religião é vital para o desenvolvimento moral, apoiando a ideia de que a secularização do discurso não vai reduzir a bondade humana”, concluem os pesquisadores.
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