A Rua Mariana Correia, no Jardim Paulistano, é desconhecida até mesmo por quem habita as suas redondezas. Porém, é uma de suas muitas casas, discreta, simples, que abriga um verdadeiro tesouro, em sua maior parte inexplorado, da cultura artística recente: o Projeto Fernando Zarif.
Quase imperceptível para quem passa da rua, a casa do projeto surpreende assim que o visitante entra na sala. Além de os desenhos que consagraram Zarif como artista povoarem as paredes da sala, destacam-se uma enorme cruz de madeira no chão da sala e um suporte coberto com folhas de ouro e uma bolsa de água quente pendurada sobre o mesmo. “Este ficava em cima da lareira”, explica Ivan Zarif, irmão do falecido artista, sobre a última peça.
Fernando Zarif foi não apenas um artista, mas um personagem. O estilo de vida notívago, a personalidade forte, as roupas excêntricas e a paixão pelo dry martini fizeram dele um ícone das artes e da cultura a partir da década de 80. “A vestimenta sempre foi característica. Quando éramos mais novos, ele se vestia com roupas de marca, sempre elegantes, parecia um janotinha”, relembra a cunhada Adriana Zarif, fazendo em seguida questão de lembrar que o próprio Fernando, posteriormente, viria a criar repulsa pelos mesmos “janotinhas” com que um dia parecera. Passada a juventude, Zarif adotou as roupas ora pretas, ora brancas (e sempre dessas mesmas cores) que usou até o fim da vida.
A morte em 2010 deixou saudosos amigos e familiares, mas ficou um verdadeiro mundo para ser explorado. Ao longo de sua vida, o artista fez valer o rótulo de multimídia: com trabalhos que vão desde desenhos até capa de discos, passando por peças de teatro e esculturas, Zarif deixou cerca (o número ainda é impreciso) de 4.000 trabalhos, sendo mais de 90% dessa robusta produção completamente desconhecida do público. Os motivos são inúmeros. “Ele sempre foi muito reservado quanto ao fato de expor seus trabalhos. Para nós, da família, às vezes ficava a impressão de que ele não fazia nada. Nunca mostrava nada e tinha uma relação complicada com os galeristas. Depois da morte descobrimos alguns escritos dele em que falava do medo de não ser reconhecido”, explica Ivan Zarif.
A fim de explorar, catalogar e trazer a público o que o artista sempre ocultou, a família, aliada a uma competente equipe especializada, criou o Projeto Fernando Zarif: instalada na já citada casa, a empreitada vem, desde 201, catalogando a obra do artista e promovendo eventos e palestras no local.
“Não se pode dizer que Zarif estava fora de seu contexto”, problematiza Margot Crescenti, uma das responsáveis pelo projeto. “O fato de ele ter relutância em apresentar sua obra, e isso consequentemente o colocar fora do mercado da arte, fez com que tivesse maior liberdade criativa, o que o permitiu ir além de muitos de seus contemporâneos. Mesmo assim, seus desenhos têm muita influência de artistas da mesma época, como o Tunga”, conclui.
O projeto, que pode ser visitado com hora marcada, bem como a exposição Antes de Começar Termino, realizada na Luciana Brito no último outubro, são iniciativas que finalmente vêm procurando tornar o trabalho de Zarif tão conhecido quanto ele próprio.
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