Três semanas depois do rompimento da barragem de rejeitos de mineração da empresa Samarco, em Mariana (MG), ainda restam dúvidas sobre os riscos que as mais de 50 toneladas de lama representam para a saúde das populações atingidas e o meio ambiente ao longo de 850 quilômetros do Rio Doce, de Minas Gerais ao Espírito Santo.
Moradores de cidades banhadas pelo rio manifestam preocupação com o fato de, passados 21 dias, não conseguirem observar melhorias no cenário devastado. A lama continua descendo e a água permanece grossa e barrenta.
As três prefeituras mineiras procuradas pela reportagem nesta semana, dos primeiros municípios atingidos pela onda de lama, informaram que até agora não receberam nenhuma informação formal da Samarco, empresa da Vale e da BHP responsável pela tragédia, sobre a composição dos rejeitos que mudaram a paisagem da região.
Uma dessas localidades é Belo Oriente, a cerca de 270 quilômetros (km) de Mariana. A cidade, de 10 mil habitantes, foi atingida pela lama em 8 de novembro, três dias após o rompimento da barragem. Desde então, a captação de água para abastecimento da população deixou de ser feita no Rio Doce. “Tivemos que interromper a captação no dia 8 e transferimos a captação para o Rio Santo Antônio”, contou Joel Souto, porta-voz da prefeitura.
Souto disse que há uma desconfiança muito grande da população em relação à água do Rio Doce, e que o prefeito da cidade também achou prudente esperar até “ter certeza” de que não há elementos tóxicos na água antes de retomar a captação. “Não obstante a Copasa [Companhia de Saneamento de Minas Gerais], responsável pelo tratamento da água na região, e outros órgãos dizerem que não há metais pesados na água, há muita desconfiança. A Samarco não informou a ninguém quais os elementos químicos que estavam nos rejeitos. Queremos saber o que de fato estava lá. Ainda mais agora que sabemos que a Vale também estava enviando rejeitos para a barragem que se rompeu, fica essa incógnita no ar”.
A secretária de Administração da prefeitura de Tumiritinga – município com cerca de 6.600 habitantes a 370 km de Mariana -, Janine Vicente, disse que passa todos os dias pelo rio e que ainda não vê melhorias na aparência da água desde o dia em que a lama começou a chegar. Ela conta que a primeira água suja chegou à cidade no dia 8 por volta das 23h, a lama grossa começou a chegar no dia 9 à tarde e ainda continua descendo.
O que melhorou, segundo ela, foi o mau-cheiro que havia tomado conta da cidade com a enxurrada de lama. “O cheiro de podre era por causa dos peixes mortos”, relatou. “Antes de morrer, para tentar escapar da lama, os peixes nadavam para a margem do rio e morriam.” Segundo ela, milhares de peixes morreram. Muitos foram retirados pela própria comunidade.
Janine disse que outro transtorno causado pela lama foi a destruição do principal ponto turístico da cidade, uma praia de rio chamada Prainha do Jaó. “É nosso cartão de visita. É um ponto turístico na cidade, movimenta a economia, tem quiosques, pessoas da cidade e de fora frequentam a prainha nos fins de semana. Agora está cheia de lama”, lamenta.
De acordo com a secretária, a prefeitura ainda não tomou nenhuma medida para limpar a praia porque não está segura de quanto a lama é poluente e se precisa receber algum tratamento específico após ser retirada do local. “Falta informação, nenhum documento da Samarco foi enviado à prefeitura da cidade até o momento, dizendo como proceder.”
Governador Valadares: plano emergencial
A primeira grande cidade atingida pela enxurrada de lama foi Governador Valadares. A lama de rejeitos chegou ao município de 280 mil habitantes no dia 9 de novembro, quatro dias após a catástrofe, causando transtorno à população que depende totalmente da água do rio para o abastecimento.
Para a secretária de Comunicação da prefeitura de Governador Valadares, Nagel Medeiros, a primeira semana após a chegada da lama foi caótica porque a cidade não estava preparada para lidar com o problema. “Não fomos avisados sobre como seria e nunca havíamos vivido uma situação parecida”. Segundo a assessora, a Samarco não apresentou um plano emergencial para a cidade. “Quem fez o plano emergencial de um dia para o outro fomos nós. Fomos atrás deles para implementar a solução, que no primeiro momento foi feita por meio de caminhões-pipa custeados pela mineradora.”
A secretária lembrou que o abastecimento foi precário na primeira semana. “A cidade é muito grande para ser atendida dessa forma. Foram dias muito difíceis”. Ela contou que alguns dias após a tragédia autoridades como a presidenta Dilma Rousseff e o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, foram à cidade e criaram um Comitê de Gerenciamento de Crise, envolvendo a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil das esferas municipais, estaduais e federal e o Exército, organizando a distribuição de água na cidade.
No dia 16 de novembro, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto, autarquia da prefeitura que faz o tratamento de recursos hídricos na cidade, voltou a captar água da Rio Doce. “Conseguimos um produto usado no Sul do país chamado “polímero de acácia negra”, que consegue separar a lama da água, fazendo a lama decantar com uma rapidez imensa. Foi por meio dessa tecnologia que voltamos a captar e tratar a água do Rio Doce.”
Nagel disse ainda que o sistema levou cinco dias para voltar a funcionar e agora o abastecimento está normal, mas garrafas de água mineral ainda estão sendo distribuída em diversos pontos da cidade.
Testes da água
Na quarta-feira (25), dois especialistas das Nações Unidas em direitos humanos – John Knox, relator especial na área de meio ambiente, e Baskut Tuncak, em substâncias e resíduos perigosos –, pediram ao governo brasileiro e às empresas envolvidas no rompimento da barragem em Mariana que tomem medidas imediatas para proteger o meio ambiente e as comunidades, que estariam em risco de exposição a substâncias que declaram ser “tóxicas”, apesar da mineradora Samarco garantir que o rejeito liberado é inerte.
Os relatores também sugeriram que as autoridades avaliem se as leis do Brasil para a mineração são consistentes com os padrões internacionais. “Incluindo o direito à informação”, destacou Baskut Tuncak. Nessa quinta-feira (26), o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e a Agência Nacional de Águas divulgaram que nos testes com amostras de água e sedimentos, coletadas no Rio Doce entre os dias 14 e 18 de novembro, não há indicações de que a lama seja tóxica em relação a metais pesados.
De acordo com o CPRM, os resultados obtidos em mais de 40 coletas mostram alta turbidez, ou seja, grande quantidade de material em suspensão, muito acima dos valores observados na região na última medição, em 2010. As análises do Serviço Geológico do Brasil também mostram redução significativa na quantidade de oxigênio dissolvido na água, o que pode explicar a morte de nove toneladas de peixes, retirados ao longo do Rio Doce, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Um dia após o rompimento da barragem, a Samarco disse, em nota, que a lama era composta “basicamente por sílica e água”. O presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, afirmou que os rejeitos liberados pela barragem não eram tóxicos e não teriam nenhuma consequência, além da destruição física causada pela onda de lama.
Procurada nessa quinta-feira (26), a mineradora informou que os resultados de análises feitas pela SGSGeosol Laboratórios a seu pedido também atestam que a lama não apresenta periculosidade às pessoas e ao meio ambiente e que não deixa contaminantes para a água, mesmo em condições de chuva. Segundo a empresa, as amostras foram coletadas no dia 8 de novembro próximo ao local do acidente e analisadas conforme a norma brasileira.
A Samarco não respondeu à pergunta sobre qual é a composição exata da lama de rejeitos da Barragem de Fundão. A empresa informou que os testes mostraram que o rejeito coletado em Bento Rodrigues tem ferro e manganês “acima dos valores de referência da norma, mas abaixo dos valores considerados perigosos”, mas não disse a quantidade registrada desses elementos.
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