A prisão do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), no início desta semana, chacoalhou mais ainda o cenário político nacional. Não só pela consolidação da Operação Lava Jato como bicho-papão dos parlamentares, mas pela alta probabilidade, nunca antes vista no País, de políticos em atividade, como Delcídio, serem encarcerados nas dependências da Polícia Federal. Nunca é demais falar que a detenção do petista é a primeira de um senador em atividade desde a redemocratização do País.
Delcídio foi preso em função de um grande esquema de corrupção armado juntamente ao ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, e que envolveria até a fuga do antigo dirigente da estatal para a Espanha. Segundo o ministro Teori Zavascki, o senador ofereceu uma mesada de R$ 50 mil para que Cerveró não aceitasse o acordo de delação premiada na Lava Jato. O esquema foi revelado em uma gravação feita por Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor.
Logo após a detenção de Delcídio pela Polícia Federal, o Senado julgou o mérito da prisão, encomendada pelo Supremo Tribunal Federal, e decidiu, por 59 votos a favor, 13 contra e uma abstenção, manter a decisão do órgão máximo do Judiciário. A votação na Casa mostrou um Partido dos Trabalhadores dividido. Enquanto o diretório nacional do partido publicou uma nota oficial dizendo que não deve solidariedade nenhuma a Delcídio, o líder da bancada no Senado, Humberto Costa (PE), orientou os parlamentares a votarem contra a decisão do STF. Sendo assim, nove senadores acabaram votando contra a prisão de Delcídio e apenas dois contrariaram as ordens da bancada: Paulo Paim (RS) e Walter Pinheiro (BA).
“O clima no Senado é de velório”, disse Paim, em entrevista exclusiva à Brasileiros. “É um clima de desconforto, de insegurança jurídica. Notei aqui que os senadores estão indo embora, a maioria não ficou nem aqui na parte da tarde, quando tem uma sessão de debates mais acalorada”. O senador ainda falou sobre o atual momento do Partido dos Trabalhadores, o qual, em sua opinião, deve voltar às origens e dialogar mais com os trabalhadores e movimentos sociais. “Nestes doze anos, o PT dialogou mais com o empresariado do que com o trabalhador. Quando elegemos um metalúrgico para a presidência, passamos a ideia de que estava tudo resolvido, e não estava”, argumenta.
Paim ainda revelou que estuda, desde o começo de 2015, deixar a legenda em função da política econômica adotada pelo governo de Dilma Rousseff. Para o senador, o ajuste fiscal atinge de forma brutal as classes mais pobres e não ajuda na recuperação da economia. “Para sanar esta crise temos de adotar uma tática de combater a alta dos juros, a sonegação, que é enorme no País, e taxar as grandes fortunas. Todo mundo está fazendo isso, e nós não discutimos e não aprovamos”, diz Paim. Leia a entrevista completa:
Como está o clima no Senado?
O clima aqui é de velório. Ainda estamos absorvendo tudo que aconteceu, que foi muito rápido durante a noite. Um clima de desconforto, de insegurança jurídica.Eu notei aqui que os senadores estão indo embora, a maioria não ficou nem aqui na parte da tarde, quando tem uma sessão de debates mais acalorada. Foi muito ruim o fato [prisão de Delcídio] ter acontecido, mas já que aconteceu, tinha que ter uma solução.
Por que o senhor não acompanhou a orientação da bancada do PT no Senado, que pediu para votar contra a prisão de Delcídio?
Veja bem, foram duas orientações diferentes que recebemos. Uma foi do diretório nacional do partido, que informou que não tem absolutamente nada a ver com as atividades de Delcídio. Então foi uma orientação que veio de cima, e outra que veio de dentro do Plenário. Eu sou o autor de uma lei que pretende acabar com o voto secreto. Desde que era deputado bato nessa tecla. Então conseguimos aprovar que o voto seja aberto na análise desta questão. E esta foi a nossa decisão, eu votei pelo voto aberto, para ser coerente com a minha história de trinta anos no Parlamento. Em segundo lugar, o dossiê que chegou ao PT e ao Senado, e que eu tive acesso, não existe a menor dúvida de que é de uma enorme gravidade. A gravação é delicada, grave, deixou todo mundo perplexo e constrangido. Mediante a isso, decidimos votar para manter a decisão do STF, que é o órgão competente para julgar um indivíduo. Eu acredito que o Senado não tem competência para julgar uma pessoa nesse mérito, não temos nenhum poder para julgar, até porque não conhecemos os autos do processo. Sendo assim decidimos não criar obstáculos para que o Supremo avance nas investigações relacionadas ao caso exposto. Ele até pode ter sua prisão relaxada e conseguir uma licença do Senado para preparar sua defesa, mas, com a prosseguimento das investigações, culpado é culpado e inocente é inocente. Cada um responde pelos seus atos.
Como o senhor enxerga a posição do partido em relação à prisão do senador?
Grande parte do partido quer que tudo seja esclarecido, para podermos voltar às nossas origens. Isso é o que a grande maioria quer, pelo menos falando de baixo para cima.
E a situação de Eduardo Cunha? Ele também não deveria estar preso?
Isso é algo que quem tem de te responder é a Polícia Federal. Nós tivemos uma situação concreta que aqui chegou e o Senado decidiu por continuar a investigação proposta pelo Supremo Tribunal Federal. Agora quem tem de responder pela situação de Cunha na Câmara é o próprio Supremo e a Polícia Federal. Eu não prejulgo ninguém, nem o Delcídio e nem Eduardo Cunha. Acho que nos fatos denunciados e ocorridos, temos de apoiar a investigação proposta pelo Supremo. Agora a Câmara tem que tomar a decisão que ache mais adequada. O Senado já tomou a sua, e foi uma das decisões mais difíceis de nossas vidas.
A crise política vem influenciando na economia do País?
Sem dúvida estamos passando por uma crise política, social, econômica, ética e moral. Enquanto essa crise não passar, a economia também não vai responder. É uma questão de confiabilidade dos investidores, por isso temos de fazer de tudo para, no máximo, na metade do ano que vem, retomar o crescimento do Brasil.
Dá pra levar algo de positivo da prisão de Delcídio?
Nunca antes a Polícia Federal havia investigado tantos políticos. Eu acho isso mais que positivo. O PT sempre teve esse compromisso, de combate a impunidade e à corrupção, e abrir tudo o que o que for possível para que a Polícia Federal e o Ministério Público possam fazer seu trabalho. A instituições estão mais consolidadas, e, nestes momentos de crise, a história mostra que é hora de abrir novas portas e crescer de forma mais sólida, inclusive não permitindo desvios de conduta dos servidores públicos.
Na sua opinião, esse é o pior momento do Partido dos Trabalhadores?
O partido passa por um momento difícil, mas nada é impossível. Temos que tratar efetivamente de uma caminhada que volte àquilo que foi nosso sonho lá atrás. No meio do caminho, algumas posições foram distorcidas e nos colocaram em uma situação como a que vemos atualmente. Tem uma frase que diz: “quer conhecer melhor o homem, dê poder a ele”. É isso que contamina as pessoas ao longo da história da humanidade. O poder é algo assustador, se não tivermos todos muito preparados para viver, conviver e estar no poder, podemos não fazer a diferença que é aquilo que propusemos fazer quando entramos na disputa para dirigir o País.
No que consiste essa volta às origens?
Com certeza o PT se aproximou, nesses últimos anos, mais do empresariado do que do trabalhador. Eu mantive minhas ideologias, sempre próximo aos movimentos sociais. Mas, a partir do momento em que elegemos um metalúrgico como presidente da República, a imagem que passamos para a base do partido, que é de trabalhadores da área urbana e rural, é de que tudo estaria resolvido, e não estava. O partido perdeu o vínculo com as mobilizações sociais, com o clamor popular vindo das ruas, deixou de ouvir as pessoas. Esse deslocamento entre base e quem estava no poder contribuiu para a transformação do partido. A pressão popular não continuou por que também parte dos movimentos sociais acatou essa ideia de que estava tudo bem.
E os rumores de que o senhor pensa em deixar o partido?
Acredito que até o fim do ano vou tomar minha decisão. É algo que tenho dito para a imprensa, e neste momento estou com a mesma posição. E não é por causa desse caso do Delcídio. Eu já venho fazendo uma análise da política econômica desde dezembro do ano passado, percebi para onde isso estava indo e estou me preocupando cada vez mais. Desde lá, a partir de fevereiro deste ano, estou dizendo que é muito difícil eu continuar no partido. A maioria dos projetos que eu aprovo, e não são poucos, e que abordam causas que sempre defendi, são vetados pela presidenta Dilma, e isso me deixa muito chateado.
Qual sua visão sobre a política econômica de Joaquim Levy ?
Minha posição é que esse ajuste fiscal promovido pelo governo é muito mais um arrocho salarial que afeta principalmente os mais pobres, isso não vai resolver os problemas do País. Não é tirando dinheiro de pescadores, de aposentados e pensionistas, arrochando a política salarial que vai resolver essa questão. Não é por aí. Se não houver uma tática e uma proposta que vai na linha de combate à taxa de juros, que vai na linha de combate à sonegação que é enorme neste País, à fraude, ao desvio de dinheiro dos órgãos públicos, isso não vai mudar. São algumas coisas que precisam ser levantadas. Inclusive, a própria questão da taxação das grande fortunas. O mundo inteiro está discutindo isso, e nós não discutimos, não aprovamos, não regulamos. Nós achamos que arrochar o trabalhador vai resolver, e não vai. A política econômica adotada por essa equipe de governo ta longe daquilo que pretendemos para nossas vidas.
Esse é o Congresso mais conservador da história?
Até acredito que a Câmara possa ser das mais conservadoras da história, mas no Senado não é bem assim. O Senado tem tido posições aqui inclusive de segurar muitas propostas que vão na linha de retirar direitos do trabalhador. Então, entendo que não é o Congresso inteiro, acho que a Câmara é mais conservadora e o Senado está mantendo uma linha mais progressista.
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