Após os ataques que resultaram em 130 mortes e 350 feridos em Paris, ficou difícil encontrar alguém que não tenha ouvido falar do Estado Islâmico (EI). Seja pelos terríveis vídeos divulgados em redes, em que mostram o grupo terrorista matando seus opositores, seja por seu poderio militar, que vem culminando no domínio de grandes faixas de terra no Iraque, na Síria e na Líbia. No entanto, a real influência dos países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, na formação e desenvolvimento do EI ainda é pouco discutida.
Escrito pelo jornalista irlandês Patrick Cockburn, o livro A Origem do Estado Islâmico – O Fracasso da “Guerra ao Terror” e a Ascensão Jihadista esclarece o embrião desse movimento e os motivos pelos quais o grupo obteve êxito militar em regiões do Iraque e da Síria. O título marca a estreia da recém-fundada editora Autonomia Literária.
O livro é resultado de uma exaustiva pesquisa do jornalista, que atua como correspondente para o Oriente Médio há mais de 35 anos, primeiro pelo jornal Financial Times e atualmente pelo britânico The Independent, e viu de perto a ascensão política do Estado Islâmico. “Tive certa facilidade em escrever o livro, por um lado, pois já estava produzindo um material sobre como, paralelamente, o grupo estava ficando mais forte e o governo do Iraque, mais fraco.”, disse Cockburn, em entrevista à Brasileiros.
O EI, ou Isis (Islamic State of Iraq and Syria), como é conhecido internacionalmente, começou como uma espécie de “filial” da Al-Qaeda no Iraque. Liderado por Abu Bakr al-Baghdadi, que se tornou o grande nome da organização depois de ver antecessores serem mortos em ataques dos Estados Unidos, o grupo de princípios sunitas ganhou força a partir de 2011 e logo se viu com sustentação suficiente para ser independente da Al-Qaeda.
Cockburn mostra como a intervenção militar norte-americana no Iraque em 2003 propiciou a formação de um terreno fértil para o desenvolvimento de grupos jihadistas. A guerra protagonizada pelos Estados Unidos no Oriente Médio também aumentou a tensão entre xiitas e sunitas, já que a queda de Saddan Hussein (1979-2003), de origem sunita, e a escalada ao poder do primeiro-ministro Nouri al-Maliki (2006-2014), xiita, levou a uma marginalização dos sunitas no Iraque.
Cockburn relata como os Estados Unidos foram fundamentais para a revivência da Al-Qaeda, que vinha esfacelada após a guerra de 2003, e as revoltas sunitas em 2006 e 2007 no Iraque. Desde o período em que ocupavam o Iraque até os dias atuais, os norte-americanos consentiram com uma perseguição institucionalizada aos sunitas, que foram caçados e marginalizados, levando a uma insurreição dessa que é a mais populosa corrente do Islã.
“Não acredito que exista muito entendimento real, nem da população nem das autoridades dos Estados Unidos, quanto à ascensão do Isis”, diz o autor. Ele também relata que Obama foi criticado quando ordenou a retirada das tropas americanas do Iraque, principalmente pelos adversários republicanos.
A perseguição aos sunitas se acirrou quando Nouri al-Maliki, de ascendência xiita e apoiado pelos Estados Unidos, subiu ao poder em 2006 no Iraque e intensificou as políticas sectárias para com os sunitas. A explosão da revolta dos sunitas contra Bashar al-Assad na Síria, em 2011, afetou diretamente o Iraque, que começou a presenciar rebeliões da vertente islâmica marginalizada. O EI ganha força nesse terreno, onde a maioria dos sunitas do Iraque se via desamparada.
O ápice do grupo veio em junho de 2014, quando “tomou” a segunda maior cidade do país, Mosul, de maioria sunita. Na verdade, o EI já estava na região há anos, desde quando era vertente da Al-Qaeda, e enchia seus cofres com propinas cobradas de comerciantes por meio de seus líderes. A cidade caiu nas garras do grupo jihadista quando uma série de ataques destruíram bases governamentais. “A queda de Mosul foi uma evidência forte de que minha teoria estava correta, mas, curiosamente, as pessoas continuam subestimando o Isis”, disse o autor.
Um fato levantado por Cockburn no livro é a passividade das populações da cidade que são tomadas pelo EI. Em função de políticas discriminatórias e de perseguição religiosa que assolaram o país entre 2006 e 2014, sob o comando de al-Maliki, os cidadãos sunitas preferiram ser governados, mesmo que de forma desumana e autoritária, pelos jihadistas do que pelo governo.
Outro país importante para o crescimento do Estado Islâmico é a Arábia Saudita. Os sauditas, que são de origem wahabista, vertente sunita ultrafundamentalista do Islã, viram no fanatismo religioso dos jihadistas do EI uma forma de propagar sua ideologia. Mais do que isso, a Arábia Saudita enxerga no grupo terrorista uma possibilidade de aniquilar os xiitas, considerados hereges pela família Saud.
O apoio dos sauditas aos grupos terroristas de origem sunita wahabista não é de hoje. Relatórios da CIA de 2002, divulgados por Cockburn no livro, mostram que a inteligência norte-americana já sabia que a principal nação patrocinadora do terrorismo no Oriente Médio era a Arábia Saudita. Em 2009, em um despacho da então secretária de Estado Hillary Clinton havia a queixa de que doadores sauditas eram financiadores de grupos terroristas. “Muitos norte-americanos já acreditam na tese de que é absurdo o país, após o 11 de setembro, ter ido atrás de Saddam Hussein, e não da Arábia Saudita e das monarquias do Golfo Pérsico”, afirma Cockburn.
Os novos capítulos desse conflito não são animadores. Apesar da vitória em janeiro deste ano dos curdos sírios em Kobane, cidade na fronteira da Turquia com a Síria, a maior imposta ao Isis desde o começo dos conflitos, os jihadistas conquistaram em maio dois pontos estratégicos: as cidades Ramadi, no Iraque, e Palmira, na Síria. Contudo, para Cockburn o EI já está atingindo o limiar das suas conquistas: “Provavelmente o Isis já atingiu seu limite de dominação no Iraque, pois todas as terras de maioria sunita já estão dominadas”.
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