Hoje é um grande dia. Abertura da vigésima primeira Conferência sobre o Clima em Paris. Vigésima primeira como é vigésimo primeiro o século em que vivemos, desde que Cristo veio à Terra tentando fazer com que cessasse a corrupção. Desço para a rua, hora de ir trabalhar. Na frente da prefeitura do bairro, homens de colete amarelo fluorescente manejam uma grande árvore de Natal que servirá de decoração para as festas. Desarraigado, o pinheirão me parece incongruente com o ensejo de mudança que paira no ar. Talvez pudéssemos fazer campanha para árvores de Natal replantáveis.
No café, a TV ligada deixa ver o balé das limusines no Bourget, de onde descem os dirigentes dos 150 países que vieram participar da COP, um numero inédito. François Hollande aperta a mão de cada um deles e sem largá-la, vira-se para a câmera e espera o clic para a eternidade. Uma presidente africana, (não consigo localizar de que país), mostra-se particularmente calorosa em seu aperto de mão, mas Hollande não se abre para o carinho daquela mulher e vira-se protocolarmente para o fotógrafo, sem perceber que a eternidade encontra-se naquele momento único de troca entre dois seres humanos e não na fotografia que vai restar dele. Os nossos chefes de Estado têm ainda muito o que aprender.
Um pouco farta dessa humanidade lenta, surda e cega, decido fazer um texto sobre os outros seres vivos com que convivo. Começo pelas rosas brancas que comprei no florista há quase uma semana. Dez delas. Uma diferente da outra, sendo da mesma espécie. Cada uma em seu processo, mais ou menos avançado, de abertura das pétalas. Uma delas é perfeita no equilíbrio das partes no seu desabrochar, formando uma rosácea de imensa delicadeza. Reparo que algumas ainda estão bem fechadas e talvez nem desabrochem, pois certos seres não chegam a exalar todo o perfume que contêm. A cor branca e translúcida das pétalas é levemente tingida de verde, o que lhes dá ainda mais frescor. Seus caules estão entrelaçados dentro do vaso transparente em que as acolhi. A água que alimenta as rosas provém do ventre da cidade em que corre uma nascente, alimentada pela chuva que caiu ontem e antes de ontem também.
Olho depois para a minha gata, rajada de cinza e preto, elegante em seus movimentos, e doce em seu olhar. Seus miados significam necessidades que ela tem, mas às vezes também conversa, responde às minhas invectivas, quando não dá a sua opinião. Passo em seguida a observar os legumes que preparo. O cheiro verde que usamos aqui é de um tipo pixaim, todo enroladinho e com aquele gosto mentolado que tempera tão saborosamente os nossos pratos. O verde do brócolis, com seu jeito de bonsai, a cor de laranja da abóbora e sua forma arredondada em gomos, com a casca dura contrastando com a maciez de sua carne. Aprendo pelo Wikipédia que é um vegetal dióico (cada planta só dá flores de um sexo), e que os Cucurbitaceae (assim se chama a família), possuem 750 espécies diferentes, entre as quais o melão, o pepino, a melancia, a bucha, a cabaça e a abobrinha, a nossa querida abobrinha… Setecentos e cinquenta espécies! Em uma família só, de um vegetal comestível entre tantos outros, com suas características específicas, seu modo de crescimento, sua engenharia, sua programação sacrifical ou seja, morrem depois de se reproduzirem.
Como pode o homem continuar a ignorar que faz parte de algo muito maior do que si, e que este algo está pedindo socorro? A ecologia é hoje uma questão de Vida ou Morte, um imperativo mundial.
*Adriana Komives, brasileira de origem húngara, 51 anos, 31 em Paris onde estudou cinema e exerce desde então as profissões de montadora e roteirista. Consultora em montagem de documentários nos Ateliers Varan, la Femis, DocNomads, ensina o ofício de montagem no Institut National de l’Audiovisuel e roda o mundo trabalhando em oficinas de realização documentária.
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