“Brasil protege as investigações”, lamenta especialista em barragens

"O plano emergencial não funcionou. Ter ou não ter sirene não era obrigação legal, mas agora vai ser", diz Sayão - Foto: EBC
“O plano emergencial não funcionou. Ter ou não ter sirene não era obrigação legal, mas agora vai ser”, diz Sayão – Foto: EBC

No Brasil a cultura ainda é proteger da população as investigações sobre desastres ambientais. Mas a tragédia que se abateu sobre Marina, em Minas, pode mudar esse costume, aposta o professor da PUC-Rio, Alberto Sayão, presidente da Comissão Técnica de Barragens da AMBS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica).

Um dos maiores especialistas em barragens de rejeitos no Brasil, Sayão quer emplacar uma comissão de especialistas independentes da Samarco, como acontece fora do Brasil em acidentes como esse. Não deve ser a única mudança. Para aprimorar o alerta de emergência, a mineradora vai instalar sensores com GPS capazes de averiguar movimentações milimétricas nas barragens.

Para o especialista, construir sobre a lama para aumentar a capacidade de armazenamento é um risco que todo o mundo conhece, mas pratica. Sayão não descarta a possibilidade de uma possível falha de engenharia ter sido agravada pelo tremor sentido na região horas antes.  “A engenharia não é projetada para acidente. A falha foi no monitoramento, fiscalização ou construção?”

Brasileiros – As nossas barragens seguem o mesmo padrão mundial ou existem outras opções para armazenar detritos de minérios?

Alberto Sayão – As nossas barragens são as maiores do mundo. O sistema de todas varia pouco, o que muda mais é o tipo de alteamento, a forma escolhida para ampliar as barragens. O ‘alteamento de barragem para montante’ pode ser responsável pelo o que aconteceu em Fundão. Para começar a produção do minério precisa ter um local de despejo dos rejeitos. Então, eles fazem uma pequena barragem de rejeito inicial de pequeno porte, com uns 5 metros de altura. À medida que vai acabando esse volume, eles vão alteando, aumentando o tamanho das barragens para cima. O problema é que se construiu sobre a própria lama, que não tem sustentação. Sabe-se que isso é perigoso no mundo inteiro. É uma técnica sujeita a deslizamento.

Não era melhor construir mineradoras com grande capacidade de armazenamento?

A alternativa é essa. Eles podem prever a altura necessária e construir. O Brasil tem capacidade para projetar barragem de qualquer altura. Uma hidrelétrica, por exemplo, chega a quase 300 metros, mas aí o investimento é muito grande. Com pequenos reservatórios já é possível explorar o minério.

Qual a sua impressão sobre as causas do acidente?

O próprio fato de a nova estrutura estar sobe um material mole, a lama, é um eventual problema, que pode ter sido aumentado por outras causas, como o tremor que aconteceu na região duas horas antes, segundo a Universidade de Brasília. Em geral, essas estruturas não são preparadas para terremotos no Brasil. O Chile e Peru levam isso em conta durante a formulação de seus projetos. Agora, sempre que acontece um colapso desse em engenharia é porque alguma coisa saiu errada. A engenharia não é projetada para acidente. A falha foi no monitoramento, fiscalização ou construção? É preciso identificar o motivo para evitar novos acidentes.

O Brasil tem know-how para cuidar do assunto agora?

A Samarco trouxe do Canadá dois especialistas em barragens de rejeitos. Homens reconhecidos na área. Mas o Brasil tem especialistas muito bons, não sei por que não foram chamados, talvez por envolvimento no projeto.

O que o senhor achou do plano emergencial?

O plano emergencial não funcionou. Ter ou não ter sirene não era obrigação legal, mas agora vai ser. A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) já estava projetando novas normas para barragens de rejeitos quando o acidente aconteceu. A entidade, então, suspendeu as discussões. A ideia é formular as novas normas de acordo com as lições desse episódio porque, depois de aprovadas, essas normas têm valor de lei. Uma comissão com cerca de oito pessoas, formada por projetistas, executores e mineradoras, chega a um texto preliminar, que é colocado para consulta pública por dois meses. Todos podem dar opiniões, sugestões. Então é marcada uma reunião para a última avaliação e mudanças do texto antes da aprovação e implementação. 

Qual a lição que se tira da tragédia?

Uma das tendências será o monitoramento das barragens. A Samarco vai instalar radares que apontam para elas e emitem ondas que permitem ao GPS identificar movimentos milimétricos das barragens. Será suficiente para dar tempo de colocar em prática o plano de emergência, avisar a população. Todas as barragens com alto risco de ruptura passarão a ter. 

Não falta transparência por parte das empresas?

No Brasil, a cultura é proteger as investigações. Assim, não se aprende com os acidentes. Na Europa e Estados Unidos, monta-se uma comissão independente e rapidamente o relatório é divulgado para a comunidade técnica. Essa é a intenção da ABMS: criar uma comissão de especialistas independentes para avaliar o projeto em paralelo com os consultores que a Samarco contratou. Essa é uma cultura internacional.

O resultado foi irresponsabilidade da Samarco?

Eu sou reticente quanto às acusações. Não sei se foi irresponsabilidade da Samarco. Às vezes acontece o inesperado. Foi um acidente da engenharia. Por azar, não tinha um sistema de alarme eficiente.


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