A letra Y não sai da minha cabeça

Coluna_Adriana Komives
No domingo à noite, na hora do resultado das eleições do primeiro turno para os Conselhos Regionais franceses (13 regiões ao todo, recém-fusionadas, eram 22 até então), quando vi na tela do computador a França vestida de azul marinho, um arrepio transcorreu todo o meu corpo. A cor do Front National, o partido de extrema direita que vem ganhando terreno pouco a pouco na paisagem política nestes últimos quinze anos, realmente não cai bem a este belo país. Impensável, apesar de anunciado, este resultado é de gelar o coração. Os atentados, a urgência climática sendo dificilmente negociada, o panorama político sombrio compõem um final de ano cansativo.

Na manhã daquele mesmo domingo, vi nas ruas pessoas carregando seus pinheirinhos nos ombros, indo para casa enfeitar com cores e luzes seus lares, conjurando dentro deles este clima de fim de mundo. Apocalypse ? No bar em que costumo parar para tomar um café, converso com o garçom, velho conhecido, e pergunto se ele já foi votar. Ele me explica que não tem a nacionalidade francesa, é argelino, e portanto não pode votar. “Bem que eu gostaria”, me diz ele, “principalmente desta vez”. Claro. O que pode significar para a população muçulmana da França, cujos pais e avós eram habitantes das antigas colônias, Argélia, Marrocos, Tunísia, a eleição de um partido que considera que um cidadão não pode hoje ser muçulmano e francês?

Na segunda-feira, a sensação é de ressaca.

Foto: Adriana Komives
Foto: Adriana Komives

A semana promete ser agitadíssima, o Partido Socialista pleiteando a retirada de suas listas nas regiões em que a direita republicana pode ainda ganhar do Front National, a direita republicana dizendo que não vai se retirar em favor dos socialistas, o socialista que não está querendo se retirar da região chamada Grande Leste, possíveis cisões internas nos grandes partidos, os comunistas definitivamente enterrados, os ecologistas que não conseguem se impor. Enfim, o barulho é ensurdecedor.

Para acalmar a alma, resolvo participar de uma conferência batizada de Soirée Climat d’ Espoir (Noite do Clima de Esperança). No salão enfeitado de rosas brancas, dou novamente de cara com a letra Y. A humanidade diante de uma bifurcação. De um lado a guerra, das palavras, dos partidos, das nações, dos credos, das riquezas naturais e sintéticas, do ouro em pó, das moedas únicas, das bolsas de valores, da lavagem de dinheiro, da cara d pau, do custo sem benefício, das barragens mal construídas, enfim, do cada um por si. Do outro, um planeta, único e indivisível, azul brilhante na escuridão do cosmos, pedindo para os homens se unirem por uma causa comum, para que inventem soluções em todos os níveis, econômico, social, cientifico, espiritual. Uma oportunidade única de evolução se apresenta à humanidade. De mãos dadas, 12 mil pessoas participam do plantio de árvores em Indaiatuba, quinze mil outras colocam seus passos simbólicos na Praça da República de Paris, onde ardem ainda as velas para os mortos do Bataclan. E são tantos e tão lindos os exemplos que poderiam caber aqui.

Na conferência Clima de Esperança, estava presente a líder espiritual do Brahma Kumaris, uma ONG consultora do Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc).

Foto: Adriana Komives
Foto: Adriana Komives

Ela nos explicou que em 2003, os lideres espirituais foram chamados pelas Nações Unidas para auxiliar na resolução de problemas para os quais a ajuda financeira e material não estava bastando. A partir daí, a dimensão espiritual começou a ser levada em conta como força motora na busca de soluções para os imensos desafios que a humanidade, como um todo, está tendo que enfrentar. Como pequenas sementes a serem regadas para que floresça uma nova era no planeta Terra, Sister Jayanti propõe que passemos a refletir naquilo de que realmente precisamos em vez de sempre buscarmos aquilo que queremos. E propõe também que possamos cada dia reservar pelo menos um minuto a um encontro de si consigo mesmo. Que seja um minuto de silêncio, de respiro, onde estejamos atentos ao nosso mundo interior, nossa alegria de viver, nossa confiança na vida. Diz ela que se uma minoria de pessoas se engajar nesta mudança, o mundo todo poderá mudar, pois foram sempre as minorias que trouxeram para a humanidade suas mais importantes conquistas.

Reservo então aqui um espaço do meu texto para este silêncio. Se quiser, feche os olhos e pare um minuto para sentir o que se passa dentro do seu peito, consciência, pele, pulmão.

 

 

 

Viu? Não é impossível! Apocalipse (em Frances, Apocalypse com Y) vem do grego, literalmente, ação de descobrir, e por desdobramento, Revelação. E se a humanidade estiver agora diante da bifurcação entre o velho esquema e o novo, totalmente novo, que caminho você vai escolher?

*Adriana Komives, brasileira de origem húngara, 51 anos, 31 em Paris onde estudou cinema e exerce desde então as profissões de montadora e roteirista. Consultora em montagem de documentários nos Ateliers Varan, la Femis, DocNomads, ensina o ofício de montagem no Institut National de l’Audiovisuel e roda o mundo trabalhando em oficinas de realização documentária.


Comentários

Uma resposta para “A letra Y não sai da minha cabeça”

  1. Avatar de Simone Mendes
    Simone Mendes

    Parabens por esse cuidadoso olhar que dedicastes ao mundo em seu artigo querida Adriana!Obrigada por compartilha-lo e pelo convite ao questionamento, ao posicionamento e ao convergir com esses que acreditam em Clima de Esperanca!Encantadora e bem vinda iniciativa!

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