O Brasil fechará, em setembro de 2016, um ciclo em que o esporte foi protagonista como poucas vezes se viu na história em qualquer ponto do mundo. Foram nove anos intensos. Em 2007, o Rio de Janeiro realizou uma edição dos Jogos Pan e Parapan-americanos com infraestrutura pretensiosa, o “Pan Olímpico”. Em seguida, vieram os Jogos Mundiais Militares de 2011, também na Cidade Maravilhosa. Pouco tempo depois, com reformas ou obras tocadas desde o início, o País colocou 12 arenas no padrão Fifa para realizar uma Copa do Mundo bem executada, segura, tecnicamente perfeita, mas da qual o brasileiro tem pelo menos sete terríveis motivos para esquecer – se os alemães deixarem. Daqui a uns 300 dias, esse ciclo de alegrias, tristezas e grandes realizações, marcas registradas de grandes eventos em qualquer ponto do mundo, será fechado também no Rio de Janeiro com a 31ª edição da Olimpíada, entre 5 e 21 de agosto de 2016, e a 15ª das Paralimpíadas, entre 7 e 18 de setembro do mesmo ano. Será a primeira disputa desses Jogos na América do Sul. Eles custaram R$ 38,67 bilhões – oficialmente R$ 22,2 bilhões, ou 57%, de dinheiro privado, e os 43% restantes, ou R$ 16,47 bilhões, de origem pública, numa conta dividida entre os governos federal, estadual e a prefeitura do Rio. Além disso, o Comitê Organizador (CO-Rio) arrecadou mais R$ 7,4 bilhões na iniciativa privada para tocar os Jogos.
Em plena porta de entrada do ano olímpico e paralímpico, Brasileiros foi saber em que estágio estão as obras e que legados começam efetivamente a se concretizar. E, diante da recente barbárie cometida por terroristas em Paris, como estão as preocupações com segurança para um evento que deverá atrair mais de cem chefes de Estado e governo para a festa de abertura e abrigar grandes grupos de estrangeiros
Os atentados em Paris tocaram o alarme e acenderam o sinal amarelo nos responsáveis pela segurança da Rio 2016. Os cuidados, que já eram grandes, precisavam ser ainda mais reforçados. “Teremos 85 mil homens cuidando da segurança dos Jogos no Rio de Janeiro e nas outras cinco cidades onde haverá jogos do futebol olímpico: Manaus, Belo Horizonte, São Paulo, Brasília e Salvador”, afirma o general Luiz Felipe Linhares, chefe da assessoria de grandes eventos do Ministério da Defesa. “Destes, 35 mil serão militares e o restante virá das forças públicas tradicionais de segurança. Além disso, estamos preparando os 70 mil voluntários para colaborarem com o sistema. Usaremos fartamente o Sistema Nacional de Inteligência, formado pelas Forças Armadas, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e a Polícia Federal. E teremos a colaboração da Interpol, que instalará aqui 200 policiais do seu centro de cooperação internacional. Além disso, tenho feito contato com unidades das Forças Armadas em todo o País e também com militares no exterior”, acrescenta.
Um recente trabalho realizado pelo Sistema Nacional de Inteligência revelou não haver qualquer sinal de terroristas se instalando no País. De qualquer forma, é praticamente impossível, mesmo para especialistas refinados, garantir que não existe um lobo solitário em uma quitinete de Copacabana ou em qualquer outro ponto do País. E muito menos que eles não poderão chegar em algum momento daqui para a frente. Entre os profissionais a serem enviados pela Interpol estarão integrantes da Major Events Support Team, a divisão de feras cascudas da organização especializada no apoio a grandes eventos. Outro objetivo de Linhares é reforçar a segurança nos 17 mil quilômetros de fronteira do País. Para facilitar a atração de turistas internacionais para os Jogos, o Ministério do Turismo propôs a liberação de visto de entrada e outras barreiras burocráticas para o estrangeiro que comprove a compra de ingresso e a reserva de hospedagem. Os atentados em Paris certamente contribuirão para o enterro definitivo da ideia, por sinal rejeitada e condenada pelo Ministério da Defesa desde o seu lançamento.
No plano esportivo, a ambição é compatível com a inegável megatonagem dos valores e a dimensão das obras. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB), responsável pela formação da delegação dos atletas nacionais, o Time Brasil, evita a casca de banana de prever um número de medalhas. Mas, “provocado” no bom sentido pelo Ministério do Esporte (ME), traça uma meta de terminar os Jogos entre os dez primeiros. Os paralímpicos são ainda mais ousados: querem pelo menos o quinto lugar.
Escaldados pelos efeitos negativos de alguns projetos relacionados ao Pan, com os graves defeitos de projeto e execução que paralisaram o Estádio Engenhão, atual Nilton Santos, à frente, os organizadores basearam o projeto olímpico da Rio 2016 em três mandamentos “pé no chão”: legados para a sociedade, economia de recursos públicos e obras no prazo sem elefantes brancos. Além disso, a parceria entre o CO-Rio, a Autoridade Pública Olímpica e os três níveis de governo – federal, estadual e municipal – foi mais bem definida e respeitada no cumprimento da Matriz de Responsabilidades, o documento que define o que cada ente deve fazer – e acima de tudo pagar – na realização dos Jogos.
No plano dos legados, se tudo correr como o que se promete hoje, os resultados poderão ser bem mais animadores do que os verificados após o Pan e o Parapan. Um exemplo é o Parque Olímpico da Barra da Tijuca, o coração da Rio 2016. Nessa área de 1,18 milhão de metros quadrados serão disputadas 16 modalidades olímpicas (basquete, ciclismo de pista, ginástica artística, ginástica de trampolim, ginástica rítmica, handebol, judô, luta greco-romana, luta livre, nado sincronizado, natação, polo aquático, saltos ornamentais, tae kwon do, esgrima e tênis) e nove paralímpicas (basquete em cadeira de rodas, bocha, ciclismo, futebol de 5, golbol, judô, natação, rúgbi em cadeira de rodas e tênis em cadeira de rodas). O governo federal investiu mais de R$ 300 milhões na instalação.
O Parque está praticamente pronto: 92% das obras foram concluídas até agora. Após os Jogos, como legado, ele se tornará um complexo esportivo e educacional na região para estudantes da rede municipal e atletas de alto rendimento, que abrigará também projetos sociais e eventos. Suas arenas serão transformadas em um ginásio experimental olímpico (GEO) para 850 alunos, com educação fundamental em horário integral e dez modalidades esportivas.
Para a Via Olímpica, principal caminho de acesso ao Parque Olímpico, o projeto pós-Jogos é transformar o espaço em um parque público com passeios, praças, ciclovia, áreas de convivência e quadras, com acesso livre para quem quiser praticar esportes. Dividida em quatro setores, a Via Olímpica começará na Praça de Chegada, na avenida Abelardo Bueno, que vai oferecer vasta área verde, com espécies nativas, parque infantil, mesas para piquenique, quiosques, local de convivência com assentos e equipamentos para exercícios.
O Centro de Tênis (80% das obras concluídas) terá reduzida a sua capacidade de 19.750 lugares, com 16 quadras, mas vai manter estrutura suficiente para receber torneios internacionais, projetos sociais de tênis e outros projetos. Serão mantidos a arena principal, com seus dez mil lugares, e mais oito quadras. O velódromo está 70% pronto. Encerrada a Paralimpíada, ele será aberto aos maiores ciclistas do Brasil para treinamentos e competições. Além disso, o centro da pista receberá equipamentos para a prática de tae kwon do, esgrima, boxe e levantamento de peso e aulas com 740 alunos por mês em projetos sociais.
De forma indireta, a Rio 2016 acelerou a decisão de realizar obras importantes como a linha 4 do metrô, os corredores de ônibus BRTs e a reforma de várias ruas e vias da cidade. E funcionou como catalizadora do ótimo projeto de revitalização do histórico bairro da Gamboa, reduto de ex-escravos depois da Lei Áurea, na região portuária central da cidade. Entre outras obras, foi demolido o horrendo viaduto Perimetral, uma espécie de versão carioca do igualmente tétrico Minhocão paulistano, que destruía o belo conjunto visual formado pelos armazéns do porto e parte da Baía de Guanabara. Se fosse apenas pela recuperação da simpática Gamboa e da região portuária, os Jogos teriam valido.
Por estar situado em uma área de baixa renda e algumas favelas do bairro de Deodoro, na zona norte da cidade, o Complexo Esportivo de Deodoro, montado em uma área militar, talvez seja o mais interessante projeto de legado social a ser deixado pelos Jogos. Ele abrigará 11 modalidades olímpicas e quatro paralímpicas. Como fez parte do Pan Rio 2007 e dos Jogos Mundiais Militares de 2011, tinha 60% das áreas de competição permanentes construídas. As obras de conclusão são coordenadas pela prefeitura e realizadas com R$ 846,3 milhões bancados pelo governo federal. Após os Jogos, o Parque Radical de Deodoro, sede das disputas de canoagem slalom, ciclismo BMX e mountain bike, ficará aberto ao público com todos os seus equipamentos de esportes extremos. Será a segunda maior área pública de lazer do Rio. Os centros de tiro, hipismo, hóquei sobre grama e aquático do pentatlo moderno permanecerão sob a administração do Exército, mas receberão equipes brasileiras de alto rendimento e competições nacionais e internacionais.
O Brasil conquistou o direito de abrigar a Rio 2016 em outubro de 2009. Desde então, o governo federal investiu R$ 3 bilhões adicionais em instalações e mais R$ 1 bilhão em projetos para espalhar ao menos parte do legado dos Jogos para todo o País. Esse dinheiro permitiu a criação da Rede Nacional de Treinamento para formação de novos atletas. Atualmente a Rede conta com 12 centros de treinamento de diversas modalidades, 261 Centros de Iniciação ao Esporte (CIEs), 46 pistas oficiais de atletismo e dez instalações olímpicas no País, além de outros centros de treinamento e disputas construídos ou reformados para a Rio 2016.
Além disso, foram reformadas instalações esportivas militares e da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Todas essas peças vão compor a Rede Nacional de Treinamento, estruturada pelo Ministério do Esporte para interligar as instalações esportivas e oferecer espaço para detecção de talentos, formação de categorias de base e treinamento de atletas e equipes olímpicas e paralímpicas.
Diante de tantas perspectivas e promessas, resta trabalhar e torcer para que esses legados efetivamente se tornem realidade. Mesmo porque, a pouco mais de 200 dias da cerimônia de abertura da Rio 2016, a questão “ser ou não ser” a favor dos Jogos do Rio perde relevância ou, no mínimo, efeito prático. O dinheiro está todo investido e colocado. O caminho, agora, é vigiar e cobrar para que o cidadão possa se beneficiar dos frutos desse investimento da maneira mais ampla possível. No Rio e em todo o Brasil.
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