Polarizações

Durante o governo de Bill Clinton, os Estados Unidos foram invadidos por hordas de milicianos armados até os dentes. Um deles demoliu um prédio em Oklahoma City matando homens, mulheres e crianças. Outros não foram tão eficientes e ficaram nos pequenos assassinatos: um carteiro filipino na Califórnia abatido a tiros, um judeu ortodoxo esfaqueado até a morte, em Nova York, um negro arrastado na rabeira de uma pick-up, no Texas, e por aí foi.

Depois disso, durante o império de George W. Bush, não se ouviu um único pio dos soldadinhos medonhos. E olha que aquele presidente envolveu o país em duas guerras que ainda não terminaram. Além, é claro, de ter levado a economia global à bancarrota. Não foram vistos nem mesmo escoteiros raivosos nas ruas.

Foi só entrar outro presidente democrata, Barack Obama, e os Estados Unidos viraram o Iraque. Tem milícia até em Beverly Hills, onde a experiência militar dos habitantes resume-se a ver as paradas do Dia da Independência pela televisão. Qualquer guarda noturno arma-se de carabina automática, junta uns amigos, coloca uma fantasia de assassino de videogame e sai buscando um matinho para “treinar”.

Justifica-se a pergunta: “Estão treinando para quê?”. Dizem que se preparam para lutar contra uma tirania. Uns acham que a administração Obama é uma malta de muçulmanos buscando formar um califado nas Américas. Outros juram que o homem é o anticristo, já adiantado em sua busca por domínio da Terra e prestes a provocar o Armagedom. Há quem só dê como justificativa um certo enfezamento indefinido, mas causado por gente do Partido Democrata.

Mas pouco importam as explicações do belicismo: é a gente entrar em um terreno baldio, um matagal ou mesmo em certos quintais e lá estarão estacionadas tropas de choque paramilitares. A maioria deles, na “vida civil”, pertence ao chamado Tea Party, um aglomerado de pessoas nervosas, desgostosas com o governo, a vida, o time de beisebol ou o cardápio oferecido pela patroa. Juntaram-se para bufar e adotaram o nome em homenagem a uma revolta ocorrida em Boston, no final do período colonial inglês. Conta-se que um grupo de americanos, furiosos com os impostos cobrados pela coroa, fantasiou-se com costumes indígenas, foi ao porto e, à força, deitou ao mar vários carregamentos de chá que se destinavam aos paladares europeus. A esse evento, prenunciando a revolução independentista, chamou-se “Boston Tea Party”.

Os novos “Tea Parties” procuram ganhar, no grito e no voto, cargos eletivos. Prometem mudar as leis do país – da abolição do imposto de rendas, passando por várias das emendas de direitos civis, até os hábitos alimentares de seus conterrâneos. Tem nego pregando (ou melhor, tem branco pregando) a mudança das leis de cidadania, para que seja negada a nacionalidade a quem nasce no país, mas é filho de estrangeiros. Pode? Claro que pode: é só mudar a Constituição. E pelo andar da carruagem, os malucos vão eleger uma divisão blindada para a Câmara. Vão gritar muito para passar a borracha na Carta. E durma-se com um barulho desses.

O que me chamou a atenção em agosto/setembro, quando estive no Brasil, foi a qualidade dos berros ouvidos aí. Tinha muito dos timbres dos urros escutados aqui. Nunca vi o Brasil tão polarizado como antes dessas últimas eleições. Meu medo é que o “Tea Party Way of Life” – o pesadelo americano – entre em fase de globalização.

Vocês aí, agora felizmente fora dos vapores emocionais sufragistas, pelo amor de Deus (já que se falou tanto dEle ultimamente), não caiam nessa. Basta a violência da bandidagem nas ruas. Não vai agora a classe média votante sentar praça em milícias.


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