Até o dia 6 de janeiro, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), organismo com representantes da sociedade civil que é vinculado ao Ministério da Saúde, organiza uma enquete pública para criar diretrizes para o tratamento de indivíduos expostos a agrotóxicos.
Essas diretrizes deverão estabelecer métodos para ajudar em um sistema mais eficiente de notificação dos casos (não há dados confiáveis sobre a exposição crônica), protocolos de assistência a populações mais vulneráveis e métodos de prevenção para a população em geral.
É a primeira vez que o Brasil tenta criar uma força-tarefa para definir um protocolo sólido de terapia e prevenção em relação a esses compostos. A medida é urgente. O País é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, e movimenta 19% do mercado mundial, segundo dados de 2012 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O esboço do documento inicial do Conitec, que está aberto para comentários, sugestões de bibliografia e outros apontamentos trata o agrotóxico como caso de saúde pública no Brasil, com casos crônicos de adoecimento e mortes.
“As intoxicações por agrotóxicos são um problema de saúde pública, principalmente em Países em desenvolvimento, em que agrotóxicos altamente tóxicos estão facilmente disponíveis, sendo responsáveis por intoxicações agudas e adoecimentos crônicos decorrentes da exposição ocupacional e acidental quando do seu uso agrícola, industrial, doméstico e veterinário, também são utilizados em tentativas de suicídio por milhares de pessoas a cada ano.”
O documento cita que entre 2007 e 2014, houve aumento de 87% dos casos notificados de intoxicação,, com 70% dos casos na faixa etária entre 15 e 49 anos. Cerca de 4% dos casos evoluem para óbito.
Desse número, 16% dos intoxicados são trabalhadores agropecuários em geral e no tocante a circunstância de exposição, 54% correspondeu à tentativa de suicídio, em sequência da acidental (27%).
Um desafio para a saúde pública, no entanto, é avaliar a exposição crônica de agrotóxicos pela população em geral que consome alimentos contaminados. Não há dados capazes de mapear a extensão. Nos dados disponíveis, ela corresponde somente a 1% dos casos, mas como não há protocolos estabelecidos (justamente o que esse documento tenta implantar), esse dado certamente corresponde a um cenário de subnotificação. “A intoxicação crônica se apresenta clinicamente de maneira ainda mais inespecífica que a intoxicação aguda.” diz o texto do Conitec.
Já era tempo. A lentidão do Ministério da Saúde
Um dossiê feito esse ano pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) diz que há “omissão do SUS” em relação ao tema. O documento cita que há uma lei (Lei n. 7.802). que define as diretrizes para a avaliação de agrotóxicos. Lá, estão proibidos os produtos que apresentem a possibilidade de provocar teratogênese, carcinogênese, mutagênese (formas de câncer) e distúrbios hormonais ou danos ao aparelho reprodutor.
No entanto, apesar disso, o documento cita que o Ministério da Saúde não tem priorizado a implantação de serviços que possibilitem a vigilância de agrotóxicos. Também, segundo a Abrasco, as práticas de vigilância ainda não se apoiam em conhecimento atualizado sobre a avaliação do risco acumulado que dê suporte para a tomada de decisão.
“O SUS não tem contado com estímulos políticos, técnicos e financeiros para implantar a vigilância da saúde de populações expostas aos agrotóxicos. O MS discute há cinco anos um Plano de Vigilância e Atenção à Saúde para Populações Expostas a Agrotóxicos, mas não conseguiu, até o momento, pactuar com estados e municípios sua forma e os recursos a serem direcionados para implementá-lo”, diz o texto.
Escolha de um modelo de desenvolvimento agrícola
A partir da década de 1960, segundo o documento do Conitec, o modelo de desenvolvimento agrícola adotado vem gerando impactos a saúde da população com intoxicações agudas e crônicas por agrotóxicos, afastamentos e aposentadorias por invalidez de trabalhadores rurais e mortes por utilização dessas substâncias.
O documento diz também que há um descaso sobre o perigo dessas formulações. As mortes e doenças, muitas vezes são creditadas ao “uso incorreto” por parte dos produtores, “desconsiderando a toxicidade das formulações e a imposição generalizada do modelo agroquímico de produção no País.”
Já no dossiê da Abrasco, a questão do modelo de desenvolvimento adotado está explicitamente relacionado à influência que a bancada ruralista exerce no Legislativo, no Judiciário, no Executivo, na mídia, e na Embrapa. O documento cita que o agronegócio possui, inclusive, canais de televisão.
“Hoje, vigora no Brasil um pacto político-econômico em que predominam os interesses da bancada ruralista, entre os quais a liberalização no trato da questão do uso de agrotóxicos no âmbito do Legislativo (mais de quarenta projetos de lei nessa direção), do Executivo (pressões sobre órgãos reguladores como a Anvisa), do Judiciário (impunidade nas mortes no campo), da pesquisa (mais de 95% dos recursos da Embrapa estão voltados para o agronegócio) e da mídia (o agronegócio possui até canais de televisão).”
Números alarmantes indicam alto consumo no Brasil
Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 2012 indicam que o consumo de agrotóxicos cresceu 190% no Brasil, entre 2000 e 2010, enquanto o crescimento mundial no mesmo período foi de 93%. Também o País é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, movimentando 7,3 bilhões de dólares e 19% do mercado mundial. Os EUA fica em segundo lugar, com 17% do mercado global.
No documento emitido em 2012, a Anvisa também encontrava diversas alterações não autorizadas nas formulações e utilização de produtos vencidos. O estudo mostrou também que, entre 2005 e 2013, a taxa de utilização de agrotóxicos dobrou. Passou de 7,56 quilogramas por hectare de área plantada (Kg/ha) para 16,44 Kg/ha.
“Diante do intenso crescimento do uso dos agrotóxicos no País, considera-se que a maior parte da população está exposta aos agrotóxicos de alguma maneira, como os trabalhadores rurais, as comunidades situadas próximo às lavouras, e os consumidores de alimentos possivelmente contaminados (onde se insere praticamente toda a população)”, diz o esboço do documento público.
O que o documento do SUS precisa estabelecer?
Diagnóstico: Considerando a importância da identificação e tratamento oportuno do indivíduo intoxicado, serão definidas as características de uma anamnese (avaliação) adequada e as características clínicas e ocupacionais que permitem suspeitar de exposições e intoxicações por agrotóxicos, assim como diagnósticos diferenciais e meios complementares de diagnóstico.
Tratamento: A abordagem inicial (estabilização, descontaminação, eliminação) será considerada nas diretrizes, visto que o tratamento das intoxicações deve ser iniciado assim que o indivíduo chegar ao serviço de saúde mesmo sem se conhecer a substância envolvida.
Gravidade: É necessário avaliar a gravidade da intoxicação como parte do tratamento e prognóstico do indivíduo intoxicado.
Prevenção: As diretrizes terão informações de avaliação da situação da exposição e impactos na saúde para identificação de populações expostas e vulneráveis, de intervenção para redução de riscos e de educação da população na prevenção de exposições, sejam elas agudas ou crônicas
Vigilância em Saúde: Ativação e articulação dos sistemas de vigilância para aprimorar as estratégias de proteção da saúde individual e coletiva. Fomentar a atualização e divulgação de dados específicos relacionados com a saúde e seus determinantes, que permitam planejar, executar e avaliar as ações em saúde.
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