Hoje é véspera. O que precede, antecede, prenuncia, aguarda. Aquele “antes” onde se degusta a espera de um evento, de uma revelação, de um mistério. Véspera de Natal, claro, do nascimento do menino Jesus, dia em que Maria deve estar se sentindo tão plena que já não se agüenta mais. Ela se prepara para dar ao mundo o fruto de seu ventre sem máculas, puro amor. Dores do parto, sem peridural. As mulheres sempre foram corajosas.
Divina véspera, momento abençoado em que todas as promessas ainda estão contidas, como segredos a serem desvendados, roteiros a serem escritos, sementes que um dia hão de virar caule e folha e fruto. Véspera de nossos sonhos ainda não realizados, envoltos em bruma, fluidos esperando virar carne e osso. Véspera de uma linda festa, preparada com amor (de preferência) por mães atarefadas, pais querendo presentear com mimos crianças esperançosas, tias sendo convidadas para não passarem sozinhas, confusões em famílias recompostas, e gente fugindo emburrada do lado comercial daquilo que move todo o Ocidente. Véspera de um banquete para aqueles que podem, de solidão para os que não tem com quem dividir.
Véspera de um ritual que marca a passagem cíclica dos anos, anos estes que vêem nascer os filhos e os netos, embranquecer as barbas, enrugar-se as mãos, morrerem os que cumpriram sua estadia terrestre. Véspera destas lembranças todas que juntas formam uma guirlanda luminosa, enfeitando o pinheiro (ou a palmeira) na sala de jantar. Véspera do renascimento de nossa fonte inesgotável de esperança e criatividade, essa força que nos permite continuar na batalha. Véspera talvez de um mundo diverso, com menos pacotes embaixo das árvores e mais troca verdadeira entre os indivíduos que compõem uma família. Menos desperdício, menos omissão, menos gula (bom tá, deixa passar as festas e seus chocolates, foie gras e champanhe por aqui, leitões com farofa por aí). Véspera como um presente sempre renovável de alegria e prazer. Véspera como a reza da tarde, em abadias perdidas diante de campos de lavanda aqui no sul da França. Véspera como a de um casamento, em que toda a felicidade ainda está por vir.
Que a estrela vespertina ilumine o seu Natal, mesmo se você for incrédulo ou de outra religião. São os meus votos para cada um de você nesta Véspera.
*Adriana Komives, brasileira de origem húngara, 51 anos, 31 em Paris onde estudou cinema e exerce desde então as profissões de montadora e roteirista. Consultora em montagem de documentários nos Ateliers Varan, la Femis, DocNomads, ensina o ofício de montagem no Institut National de l’Audiovisuel e roda o mundo trabalhando em oficinas de realização documentária.
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