Um gato preto, com uma pequena manchinha branca em forma de estrela na testa, viaja em um navio de emigrantes italianos para o Brasil. Seu nome é Bakunin e sua dona é Pietra, uma menina de 10 anos. O bichano, como se sabe, é xará do pai do anarquismo, o russo Mikhail Aleksandrovitch Bakunin, que morreu em 1876. O gato, não o filósofo-político, foi o único Bakunin da história que experimentou viver os preceitos anarquistas na pele, ou melhor, no pelo. O ano da viagem, que durou um mês, é 1890 e o destino, o Estado do Paraná.
A história, narrada em tom de relato por Pietra, resultou no livro Farejando a Liberdade, escrito por Anna Flora e ilustrado por Luise Weiss – que faz um belo trabalho de montagem, mesclando imagens de época e fotos de sua infância, também passada no sul do País. A publicação é da ÔZé, nova editora paulistana especializada em literatura infanto-juvenil (leia quadro). Por meio da garotinha, a escritora narra a história da Colônia Cecília, uma das experiências mais singulares do Brasil.
Em viagem à Itália em 1888, ano da abolição da escravatura, o imperador Dom Pedro II conheceu o doutor Giovanni Rossi. “Então, o médico contou que o sonho dele era ir pra América. Queria morar no campo, junto com outras pessoas, mas de um jeito diferente: ninguém mandaria em ninguém, ninguém seria dono de nada e todos dividiriam tudo”, escreve a garotinha narradora, que mescla suas memórias ficcionais a fatos documentados. Surpreendentemente, o imperador gostou da ideia de Rossi e doou-lhe uma extensa área de terras, próximas a Curitiba, para que ele montasse sua comunidade anarquista. A experiência, no entanto, não durou muito tempo. As terras doadas nunca foram registradas e, com a consolidação da República, na metade da última década do século 19, o novo governo pediu a reintegração de posse do terreno.
“Uma das coisas de que mais gosto é estudar e ficcionar a História”, conta Anna Flora, que já escreveu mais de 40 livros infanto-juvenis. “Eu pesquisei muito, principalmente no livro do historiador Newton Stadler de Souza, antes de escrever o Farejando a Liberdade.” A Colônia Cecília, que por si só já tem história única, ganha contornos fantásticos no relato da garotinha Pietra, que escreve de Curitiba, em 1896, um ano após o fim da comunidade.
Apesar do fracasso da experiência, Anna Flora dá um jeito de manter a utopia de uma sociedade mais justa e igualitária viva. O gato Bakunin, que some pouco antes do término do livro, retorna nas manchas brancas da testa de centenas de gatinhos que aparecerem aos montes no entorno das terras da Colônia.
Escrever com liberdade
A Editora ÔZé foi fundada por Zeco Montes, especialista em literatura infanto-juvenil, e pelo ilustrador e escritor Walter Ono. Além de Farejando a Liberdade, foram publicados mais nove títulos de autores consagrados, como Bartolomeu Campos de Queirós (morto em 16 de janeiro) e Ricardo Azevedo. Os livros têm os mais diversos temas e a principal preocupação de Zeco e Ono é dar liberdade para os escritores, sem nunca pautar histórias.
SERVIÇO
Conheça todas as publicações da editora em www.ozeeditora.com.br
Assista ao vídeo produzido pela Brasileiros: Ricardo Azevedo lê um trecho do livro A Borboleta Azul, também editado pela ÔZé http://bit.ly/nHaiP6s
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