Versículos e violência

Foto: EBC
Foto: EBC

Ouço ao meu lado alguém que diz, a um outro alguém: “você sabe, eu fui pegar o Alcorão… queria conferir, sabe, esse negócio que o pessoal diz… e eu vi lá, o versículo 191 manda mesmo matar, diz que matar é melhor do que subjugar…”

Coincidência ou não, o versículo 191 da Sura da Vaca é um dos preferidos daqueles que nos tentam convencer de que a violência está inscrita no DNA do Islã e é um comando expresso de seu livro sagrado.

Ninguém se preocupou em alertar esse falante cuja conversa me chegou ao ouvido, ou ele não se preocupou em descobrir, sobre o que diz o versículo 190 ou o 192 da mesma Sura, ou sobre os problemas de tradução, ou sobre a enorme complexidade do exercício de exegese do Alcorão.

Para além disso, no entanto, o seu problema fundamental foi confiar que encontraria o sentido do texto na sua literalidade.

Quando jovem, eu fazia isso e, em contato com as escrituras dos três monoteísmos, surpreendia-me que as pessoas não destroçassem aqueles livros tão logo os tivessem lido, as mulheres antes de todos os demais.

Alguém poderia imaginar que quem só vê a violência no Alcorão não deve ter tido qualquer contato com o Velho Testamento, mas não é necessariamente assim.

A literalidade e a interpretação rasa é reservada para o Alcorão, o outro, um total desconhecido. O que é nosso é mais profundo! O outro é texto, invenção, o nosso é sentido, verdade revelada! O mito do outro é fantasia ridícula, o nosso mito é milagre!

“Na época, ele (Muhamad) disse que era profeta e o pessoal por lá acreditou, se fosse hoje a gente internava, mandava para uma clínica…” seguiu aquele que discursava.

É interessante que não se tenha perguntado no mesmo fôlego o que seria de Jesus ou de Moisés se por aqui ousassem aparecer.

Dostoievski (pra não dizer que não falei dele) concebeu na Parábola do Grande Inquisidor a volta do Cristo à Sevilha da Inquisição onde seria posto sob ferros para que não tentasse novamente impor aos homens o fardo insuportável da liberdade.

Já não vivemos em tempos de Inquisição, mas não sei o que é possível dizer sobre a servidão… talvez reservássemos ainda hoje ao Cristo as correntes.

De todo modo, o imaginário de alguns reserva o manicômio apenas para os eventuais e extemporâneos falsos profetas. Não para os seus.

Os literalistas e os exegetas da violência no mundo muçulmano fazem certamente mais mal ao Islã e ao mundo do que o literalista e exegeta da pequena superfície que me coube ouvir por acidente.

Resta o fato de que entre nós o Islã é um grande desconhecido; e alguns versículos baixados da internet não são o que  basta para mudar isso.  


Comentários

4 respostas para “Versículos e violência”

  1. Avatar de Erick Silva S. Coelho
    Erick Silva S. Coelho

    Sua resposta Sr. Augusto, em minha análise, retrata uma opinião sobre algo que de fato ainda é desconhecido pelo senhor. Qualquer ação semelhante ao ISIS é rechaçada pelo Islã, Alcorão, Hadith, Sunnah etc…
    Traçando um paralelo ainda que distante seria como afirmar que se Jesus pudesse voltar na época da Inquisição ele a endossaria.
    Seu comentário só corrobora com a afirmação do Salem Nasser de que de fato o Islã ainda é um grande desconhecido entre nós.

  2. Você poderia indicar, então, quais seriam as interpretações “não literais” desse versículo, e como esse versículo foi interpretado nos hadith e tafsir.

    “”Ibn `Umar said that the Messenger of Allah said,

    I have been commanded to fight the people until they testify that there is no deity worthy of worship except Allah and that Muhammad is the Messenger of Allah, establish the prayer and pay the Zakah.
    This honorable Ayah (9:5) was called the Ayah of the Sword, about which Ad-Dahhak bin Muzahim said, “It abrogated every agreement of peace between the Prophet and any idolator, every treaty, and every term.” Al-`Awfi said that Ibn `Abbas commented: “No idolator had any more treaty or promise of safety ever since Surah Bara’ah was revealed.”
    Ver tb: http://www.meforum.org/1754/peace-or-jihad-abrogation-in-islam

    Ou seja, você falou que a interpretação literal não é válida, mas não deu nenhuma alternativa. Apresente-nos então essas alternativas! Discuta com os vários sábios muçulmanos que disseram que esse versículo foi ab-rogado! E discuta com Ibn Kathir:

    http://www.qtafsir.com/index.php?option=com_content&task=view&id=231

    Ou então o versículo 9:29: inter alia, http://www.qtafsir.com/index.php?option=com_content&task=view&id=2566&Itemid=64

  3. Avatar de José Farhat
    José Farhat

    “Combater na senda de Deus” como começa o versículo 190 e tudo o que vem a seguir até o o final da 195 da Surat Al-Bacara (A Vaca) é tão somente um incentivo para lutar a favor da Religião, sobretudo contra a idolatria. Os inimigos do Islã, sendo os mais prejudiciais na atualidade os adeptos do Estado Islâmico interpretam este versículos com a mesma sabedoria que se atribui a um jumento quando carregado de enciclopédias.

    1. Avatar de Augusto Paiva
      Augusto Paiva

      A violência é endógena ao islã, e se Maomé pudesse voltar, ele endossaria tudo que o ISIS (salafista) e os demais terroristas islâmicos vem fazendo, concluindo assim o Califado e a Umma.

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