A globalização de Don Corleone

A Cosa Nostra. A ‘Ndrangheta. A Sacra Corona Unita. A Camorra. Mas também a Al Qaeda. O jogo do bicho. A máfia russa. Os militares golpistas de Mianmar, ex-Birmânia. A loja maçônica P2, na Itália. Os narcotraficantes da Colômbia. O Comando Vermelho das favelas cariocas. Fios invisíveis tecem, nos subterrâneos da criminalidade organizada, os vínculos entre o que era a máfia de antanho e o que são as máfias de hoje e de sempre. O mundo é plano, diz o americano Thomas Friedman. A era da multicomunicação interconecta a vida em tempo real – e as organizações do crime, sempre up to date, logo trataram de adotar o figurino da globalização.

Quer dizer, aquela máfia à moda de Mario Puzo e de Francis Ford Coppola, dos chefões obesos e mal-encarados em seus jaquetões risca de giz, regida pelo implacável código do silêncio e da honra, a da fraternidade provinciana selada com beijos na face, das matanças entre os clãs, do apetite por sangue e por polpettas; aquela máfia de que faz do molho al sugo a metonímia que precede a sanguinolenta vendetta; bem, tudo isso ficou para a memória charmosa do cinema, da tevê e da literatura. O mafioso de agora, já se sabe, está menos para Tony Soprano do que para Gordon Gekko, o enfatiotado Senhor do Universo de Wall Street. Como diz a pesquisadora escocesa Alison Jamieson: “O crime hoje prefere o mouse à metralhadora”.

Novas Tendências da Criminalidade Transnacional Mafiosa (Editora Unesp, 318 páginas) é uma espécie de compêndio das mais agudas reflexões e das mais efetivas ações de outra confraria: aquela que corre o concreto risco de se dizer antimáfia. Sob a coordenação de Wálter Fanganiello Maierovitch, presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais e ex-secretário nacional antidrogas no governo FHC, e da socióloga italiana Alessandra Dino, da Universidade de Palermo, este livro precioso agrega um elenco de pesquisadores e juristas, muitos dos quais destemidamente desafiam a Cosa Nostra, bem ali no epicentro de suas atrozes confrontações, que é a Sicília.

É tristemente irônico o caso de Nando Dalla Chiesa, professor de Sociologia Econômica da Universidade de Milão – e que aqui mergulha na matriz dos crimes de colarinho branco e investiga como o método mafioso foi exportado para novas realidades territoriais e organizacionais. Nando Dalla Chiesa estuda a máfia desde os anos 1970. Acabara de publicar Il Potere Mafioso quando seu pai, o general dos carabinieri Carlo Alberto Dalla Chiesa, herói da luta contra o terrorismo, foi despachado para a Sicília para a árdua missão de combater a máfia in loco. Logo, o pai de Nando iria se incorporar, ao lado dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, à sinistra lista das vítimas do capo Totò Riina.

Se Totò Riina está hoje trancafiado em um presídio de segurança máxima em Milão, é porque a sociedade italiana, mobilizada por ativistas da estirpe de Nando Dalla Chiesa, decidiu dar um basta àquela impunidade acobertada pela ilustre network de políticos, banqueiros e empresários.

(Há significativos exemplos de cumplicidade passiva ou ativa: por ocasião da Convenção de Palermo, de 2000, convocada pela ONU, para definir ações coletivas contra o crime organizado, entre os Estados-membros que primaram pela ausência estavam a Suíça… e o Vaticano. E no seminário de 2009 sobre crimes de colarinho branco organizado em Palermo pelo grupo de Alessandra Dino, a única entidade que houve por bem não comparecer foi a Federação da Indústria da Sicília.)

Só o tráfico de drogas representa hoje 3% a 5% do PIB de todo o mundo: 400 bilhões/ano. O mundo se converteu em uma prodigiosa lavanderia de dinheiro sujo e não é por acaso que o capitalismo, em seus momentos de derrapada, não se acanhe em recorrer aos métodos e aos recursos das famiglie que, sicilianas, russas ou latino-americanas, ainda proliferam por aí. O czar antidrogas da ONU, o italiano Antonio Costa, afirmou ao jornal The Observer que bilhões de dólares procedentes do mercado ilegal de drogas irrigaram o mercado interbancário após a crise de 2008 e, só assim, o sistema financeiro internacional escapou da bancarrota.

Para os que ainda descreem das conexões aparentemente impossíveis na transnacional delinquência, recomenda-se, em especial, o artigo Criminalidade Organizada e Crime dos Poderosos no Brasil, assinado por Wálter Maierovitch. Começa assim: acuado por uma violenta disputa de território na jurisdição do jogo do bicho, o superbanqueiro Castor de Andrade decide recorrer ao know-how externo. Que se materializa no Rio, no início da década de 1970, na figura de Antonino Salamone, capo de San Giuseppe di Jato, na Sicília. Salamone chega e, sob a proteção de Castor, impõe o código mafioso do compadrio ambíguo à cúpula do bicho carioca. O resto da história, deixo para vocês lerem no livro.

O “cara” dos direitos humanos


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