Lula em ritmo de despedida

Para quem o acompanhou em seus primeiros dias de governo, no longínquo janeiro de 2003, correndo de um compromisso para outro, em uma sequência interminável de eventos, encontros e discursos em diferentes cidades e países, por vezes no mesmo dia, até que essa agenda da viagem a Ribeirão Preto e Brasília, para acompanhar um dia na vida do presidente Lula, promete ser um passeio. Já procurando desacelerar o ritmo, como ele mesmo me falou no dia anterior, nas últimas semanas o presidente trocou os ternos por roupas esportivas e tem aproveitado as viagens para se despedir de lugares e personagens que foram importantes em seus oito anos de governo.

Em plena manhã de terça-feira, 23 de novembro, na reta final do segundo mandato, Lula ainda estava em São Paulo, vindo de seu apartamento em São Bernardo do Campo, que passa por uma pequena reforma para receber de volta o casal Silva. Embarcamos em Congonhas e, às 9 horas, pontualmente, como previa sua agenda, Lula é recebido ao pé da escada do avião por um grupo de autoridades e empresários da região de Ribeirão Preto, a “Califórnia Brasileira” – entre os quais, o usineiro Maurílio Biagi Filho, de 68 anos, que recebeu um forte e demorado abraço do presidente. Explica-se: os dois são amigos desde meados dos anos 1980, quando se conheceram em negociações salariais. Maurílio foi o primeiro grande empresário a apoiar Lula publicamente na campanha de 2002.
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“Naquela época, ainda havia muito temor das elites brasileiras sobre o que poderia acontecer se ele ganhasse as eleições, mas eu conhecia o Lula, e tinha certeza de que o governo dele ia dar certo. É só olhar o que está acontecendo no Brasil para ver que eu tinha razão”, gaba-se Biagi, convidado logo no início do primeiro mandato para integrar o Conselho Econômico e Social do governo. Lula puxa conversa com a prefeita da cidade, a jovem e bonita Dárcy Vera, do DEM, e o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, do PMDB, enquanto um grupo de funcionários da TAM, na pista do aeroporto, vem pedir para tirar uma foto com o presidente. Por onde passa tem sido assim: todo mundo quer guardar uma lembrança do presidente que está de saída. O ritual é o de sempre: agora todos correm para os veículos da comitiva presidencial estacionados ao lado do avião. O chefe da segurança, general de divisão Marco Edson Gonçalves Dias, 59 anos, adianta-se para abrir a porta do carro que levará o presidente.

Gonçalves Dias é um dos poucos “homens do presidente” – como são chamados os que o acompanham o tempo todo (chefes da segurança, do cerimonial, de imprensa e o fotógrafo oficial) -, que está com Lula desde o primeiro dia de governo. Ainda era coronel quando conheceu o presidente na véspera da posse. Logo ficaram amigos de infância, apesar das muitas dificuldades encontradas no começo do governo. O presidente gostava de desafiar as regras da segurança para ficar mais próximo das pessoas nos locais públicos. Entrava no meio de protestos e áreas de risco, e o coronel correndo atrás dele, só não arrancava os cabelos porque já não os tinha.

Discreto e silencioso pela própria função que exerce, GDias, como é chamado por todos, nunca deu entrevistas, quase não fala, mas lê muito durante as viagens. Mais lembra um intelectual que um militar. Só consegui a muito custo arrancar uma frase dele quando lhe perguntei se valeu a pena passar a maior parte do tempo dos últimos oito anos longe da família para ficar ao lado do presidente. “Valeu a pena. O presidente é um exemplo de liderança. Demonstrou para todos os níveis da população brasileira um carinho muito grande e um amor às pessoas, que lhe deram essa liderança carismática”.

É difícil encontrar uma foto do presidente Lula, entre as 34 mil que estão no site da Secretaria de Imprensa (www.infoplanalto.gov.br), em que não apareça a calva reluzente do hoje general Gonçalves Dias. No último registro do site, já foram baixadas 3,7 milhões dessas fotos. O autor dessas e de outras 5 milhões de fotografias tiradas durante os dois períodos de governo é Ricardo Stuckert, 40 anos, o popular Stuckinha, outro que também está ao lado do presidente desde o primeiro dia de governo. Para ele, seu trabalho não acaba no dia 31 de dezembro. Apesar de fotógrafo, quer dizer, profissional que se comunica por imagens, ele fala muito bem: “Acho que o Lula vai ficar como uma instituição. Não acaba no dia 31. O meu trabalho também não acaba neste dia. Porque isso é história. Como fotógrafo, registrei tudo do governo dele. Olha o legado que o Lula está deixando para o Brasil. É o que o Brasil não tem: memória e história. Eu sei que estou colaborando para guardar essa história na memória. De quem o povo brasileiro lembra até hoje? Acho que só de Tiradentes, mais ninguém…”

Antes de Stuckinha, os fotógrafos oficiais se limitavam a registrar os eventos presidenciais para produzir um álbum que, ao final do mandato, o ocupante do cargo levava para casa. Profissional dos mais qualificados e respeitados pelos colegas, com passagens por grandes jornais e revistas, ele mudou o papel de retratista do presidente: é um repórter-fotográfico em tempo integral. Em poucos minutos, coloca no site da Secretaria de Imprensa fotos do presidente que acabou de tirar em qualquer parte do País ou do mundo – e Lula, como se sabe, foi a todas as partes.

Além disso, Stuckinha tem a missão de entregar, antes da partida, um álbum com fotos aos governantes de outros países em visita oficial ao Brasil. Mas o que mais exige trabalho dele, sempre correndo com três máquinas penduradas ao pescoço, é atender aos chamados do presidente. “Cadê o Stuckinha??? Stuckinha!!!”, são os gritos que mais se ouve em eventos e viagens quando Lula o convoca para tirar fotos com todo mundo que pede para posar ao lado do presidente. Depois, ele deixa seu cartão de visita para que as pessoas possam pedir as fotos, que são enviadas por e-mail ou pelo correio.
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Dez e meia, primeira parada. Chegamos ao primeiro compromisso do dia no Terminal Terrestre da Transpetro, em Ribeirão Preto. Como tem acontecido nas últimas semanas do seu mandato, Lula já vai logo colocando o uniforme cor de laranja da Petrobras. Ao lado do presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, seu velho amigo desde os tempos em que os dois ajudaram a fundar o PT da Bahia, Lula parece sempre à vontade, como se estivesse em casa, qualquer lugar onde esteja. O presidente conta histórias dos velhos tempos em que os petistas não tinham roupas chiques para viajar ao exterior, das compras emergenciais em brechós, da sovinice de Olívio Dutra, fundador do PT gaúcho e ex-governador do Rio Grande do Sul.

“Antes, era uma dificuldade para a gente se vestir bem e, agora, já comecei a distribuir meus ternos e sapatos porque não vou ter onde guardar tudo quando voltar para minha casa”, conta Lula, no meio de uma roda divertida, onde só falta o fantástico chope de Ribeirão Preto para animar a conversa. O grupo se encaminha em seguida para um galpão, onde já se aglomeram uns 200 operários uniformizados à espera da cerimônia de início das obras do Alcoolduto São Sebastião-Paulínia-Ribeirão Preto-Uberaba, que faz parte do Sistema Logístico Integrado de Etanol.

Na verdade, o que vamos ter hoje é apenas a primeira solda simbólica em uma tubulação, que será feita pelo presidente, ao lado de dois operários. Lula, como sabemos, não pode ver um capacete que já vai logo colocando na cabeça. Devidamente paramentado, posta-se ao lado de Cláudio das Virgens Maurício, 32 anos, um grandalhão de dois metros de altura por dois de largura, baiano de Icatu, e do cearense José Ari de Oliveira, 41.

Diante de um paredão de fotógrafos e cinegrafistas, Lula ouve Cláudio falar do “orgulho muito grande da gente fazer esta solda”, e conta aos dois que, no Nordeste, já encontrou muita mulher trabalhando nesse ofício. O presidente quer saber o salário deles, e dá um sorriso ao ouvir a resposta: “Com hora extra, dá para tirar uns 5, 6 mil por mês, presidente”. A pedidos, ele vai aonde estão os operários da Camargo Corrêa, uma das empresas encarregadas da obra, tira mais fotos, conversa um pouco com a turma, e depois descerra a placa comemorativa em que consta o nome do governador paulista Alberto Goldman, cuja ausência nem havia sido notada.

A obra do Alcoolduto, que prevê investimentos de 5 bilhões de reais e vai atravessar 45 municípios, ligando as principais regiões produtoras de etanol nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso à Refinaria do Planalto (REPLAN), em Paulínia, terá uma capacidade instalada de transporte de até 21 milhões de m3 de etanol por ano. É mais uma etapa do programa de Parcerias Público-privadas, as PCCs, que uniram o governo, a Petrobras e grandes empresas privadas. Além da Camargo Corrêa, a sociedade formada pela PMCC Soluções Logísticas de Etanol S/A terá como sócios: Cosan, Copersucar, OTP/Odebrecht e Uniduto. É coisa de gente grande, integrando os modais hidroviário, ferroviário, rodoviário e, agora, dutoviário. Mas essa é outra história, que não cabe na reportagem sobre o dia do presidente Lula em ritmo de despedida.

A caminho do carro para o segundo compromisso, o presidente recebe a informação de que o governador carioca Sérgio Cabral está pedindo ajuda do Governo Federal para o combate à violência, que ganhava contornos dramáticos naquela terça-feira de final de novembro. “Liga para o ministro da Justiça!”, pede Lula ao general GDias. “Luís Paulo, entra em contato urgente com o governador Sérgio Cabral, vê o que ele precisa. Se for o caso, pega um avião, vai para o Rio e se reúne com o governador. Leva junto o chefe da Polícia Federal. Precisamos mostrar para a sociedade carioca que vamos fazer o que estiver ao nosso alcance para vencer a bandidagem”, diz o presidente ao celular. Era o início da chamada “Guerra do Rio”. Depois de passar as instruções ao ministro da Justiça, o presidente comenta que “esta violência toda foi deflagrada por chefes do tráfico presos em outros Estados, que estão reagindo ao trabalho das UPPs” (Unidades de Polícia Pacificadora).
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Meio-dia e meia, segunda parada. Na entrada do Centro de Convenções de Ribeirão Preto, já está à sua espera o menino Alexandre Bruno da Silva Suzart, de 6 anos, para lhe entregar um desenho em que se lê: “Obrigado Lula pelo meu assentamento – 21 de dezembro – Descalvado”. O presidente pergunta ao menino porque não tem uma vaca leiteira no desenho sobre a Reforma Agrária, mas o menino fica inibido, não responde. Quando lhe pergunto o que acha do presidente Lula, é sucinto: “O Lula é meu amigo”.

O presidente é levado para uma sala reservada e nem repara na farta mesa de salgados, caldos e sucos preparada para receber os convidados da cerimônia de balanço das ações do Governo Federal no setor sucroenergético, do período de 2003-2010. Lá, recebeu o convite para dar a bandeirada nas 500 Milhas de Indianápolis. Os carros da Indy usam etanol brasileiro e o convite foi feito por Terry Angstadt, presidente americano da categoria, e pelos diretores brasileiros, Carlo Gancia e Willy Hermann. Lula respondeu brincando que preferia pilotar um dos carros.

No imenso auditório do Centro de Convenções, as 800 cadeiras estão ocupadas e mais umas 200 pessoas aguardam em pé a entrada do presidente Lula. Não se costuma ver plateias assim animadas em final de governo. O que não muda nunca é a chamada “nominata”, a relação de autoridades presentes, que cada uma delas repete quando começa a falar – uma das tradições mais abomináveis do ritual do cerimonial da Presidência.

Antes de chegar sua vez de falar, Lula ouviu oito discursos – e, portanto, oito “nominatas”, mas não mostrou aborrecimento. Ao contrário, estava do jeito que o diabo gosta: só ouvindo elogios de adversários e aliados políticos, líderes de sindicatos patronais e de trabalhadores, todos reunidos no mesmo palco, um cenário que marcou o seu governo. Até o último dia 9 de novembro, Lula tinha feito exatos 2.257 discursos em território brasileiro e ouvido pelo menos quatro vezes este número de falas, segundo as suas próprias contas.

Não vou aborrecer os leitores com todos os números grandiosos que ouvi dos oradores, mas um deles anotei no meu caderno: o Brasil produz hoje mais de 50% de todo açúcar e álcool consumido no mundo. Animado por tudo o que ouviu, Lula deu o velho golpe de dizer que seu discurso escrito estava superado pelo que os outros falaram antes dele, e deu início a mais um improviso (ao todo, a Secretaria Geral da Presidência, encarregada desta tarefa, escreveu 1.367 discursos para Lula, boa parte deles inéditos até hoje). Talvez inspirado pela nossa conversa no avião, o presidente resolveu fazer um balanço geral do seu governo, mas antes fez uma homenagem ao senhor de cabelos brancos que viu na primeira fila, o médico Davi Aidar, 81 anos, um petista histórico da região. Dirigindo-se a ele, garantiu: “Eu vou entregar, Davi, um País do qual você pode se orgulhar”.

Alternando elogios aos resultados “deste projeto construído há cinco anos, unindo governo, empresários e trabalhadores”, e críticas aos “países ricos do mundo desenvolvido, que usam ONGs para combater os produtos brasileiros”, referindo-se ao álcool e à carne, Lula falou “do momento extraordinário em nossas vidas”. Agradeceu a Deus, “pela oportunidade que me deu” e a todos os presentes, “pela paciência que tiveram comigo nos momentos difíceis”. Só faltou a Valsa do Adeus como fundo musical.

Entre outros dados superlativos, citou que a Petrobras, “que valia 15 bilhões de reais no começo do governo, agora vale mais de 200 bilhões”. Listou de cabeça, sem consultar o discurso, todos os investimentos que o governo está fazendo em usinas hidrelétricas, refinarias de petróleo, hidrovias, universidades. “Em escolas técnicas, construímos em oito anos uma vez e meia tudo o que havia sido feito em um século.” Deixou para o final os elogios a Dilma Rousseff. “O povo brasileiro venceu o preconceito e o ódio dos adversários e elegeu uma mulher para dar continuidade ao trabalho que eu e o José Alencar iniciamos. E a companheira Dilma vai provar que a mulher pode ter muito mais capacidade do que o homem.” Ao se despedir, foi aplaudido em pé, claro. Só estranhei que a maioria dos meus colegas no reservado da imprensa não tenha tomado nota de nada. Devem ter boa memória.

Na saída, já havia vários grupos a sua espera, para tirar fotos ou falar com o presidente. Diante da porta, formou-se um corredor polonês com uns 30 prefeitos da região, que mais pareciam colegiais em férias. Atrás de um gradil e de um leque de microfones, espremiam-se uns 50 jornalistas, gritando: “Aqui, presidente, aqui, presidente!”. Entre um grupo e outro, Lula ainda fez o sacrifício de parar para tirar fotos com um belo elenco de recepcionistas de uniforme azul. Antes, porém, deu uma discreta ajeitada nos cabelos que estão escasseando.

Ao se aproximar dos microfones, Lula já ouviu a primeira pergunta gritada pelo repórter que se postou sobre um barranco para ter mais visibilidade: “Presidente, o álcool vai ficar mais barato?”. Antes de responder às perguntas, o presidente fez um breve resumo da sua fala sobre o setor de açúcar e álcool, ao lado do presidente da Petrobras, mas ninguém parecia muito interessado no assunto. Estava todo mundo, com razão, mais preocupado com os conflitos no Rio de Janeiro. Lula reproduziu as conversas que teve com o governador carioca e o ministro da Justiça. Um repórter queria saber a opinião do presidente sobre o conflito entre as duas Coreias, outro sobre o ministério de Dilma, um terceiro sobre acidentes na BR-153 e, antes de ir embora, ainda ouviu uma pergunta sobre a sua volta à presidência em 2014, que ele descartou. Chegaram a perguntar: “Luiz Inácio aceitaria um cargo de embaixador?”. E Lula deu a conversa por encerrada: “Eu não tenho cara de embaixador”.
Até o final de outubro, a Secretaria de Imprensa havia contabilizado 608 entrevistas coletivas e 348 exclusivas desde o início do primeiro mandato da Lula.
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Às 14h40, novamente no carro, a caminho do aeroporto, Lula conversa ao celular com a presidente eleita Dilma Rousseff. Sem reclamar de cansaço nem de fome, ao contrário da equipe da Brasileiros e outros integrantes da comitiva, o presidente prefere terminar a entrevista (ver página 74) que nos concedeu no avião, antes que fosse servido o almoço. Se o café ainda é servido quente, a mordomia gastronômica do avião presidencial já viveu dias melhores. Salada, frango assado, costela meio esturricada, farofa, arroz colorido, legumes e um prato de massa em forma de rocambole eram as ofertas que não chegavam a entusiasmar. Lembrava bufê de comida a quilo às três da tarde. Mas Lula, que sempre foi muito exigente com a qualidade na hora de comer, desta vez não reclamou de nada.

De tanto viajar de avião durante o seu governo, acho que o presidente já nem sabe se está no ar ou em terra, para ele tanto faz. Até o dia 11 de novembro, calcula-se que o presidente tenha passado mais de 5 mil horas dentro de aviões, o que dá um total de 210 dias inteiros de vida voando. Só em viagens internacionais, recebi um relatório de 13 páginas da Aeronáutica, com a descrição de 30 destinos em cada uma, o que dá quase 400 viagens internacionais pelos cinco continentes em oito anos de governo. Em todas elas, estava presente outro dos “homens do presidente”, que está com Lula desde a posse: o major brigadeiro do ar Francisco Joseli Parente Camelo, de 57 anos, cearense de Fortaleza, responsável em todas as viagens nacionais e internacionais pela tripulação e pelos equipamentos da Força Aérea Brasileira colocados à disposição do presidente.

Para falar a verdade, Joseli só não estava cuidando do avião do presidente uma vez durante todo o governo. Foi no dia da sua promoção a duas estrelas. Valeu a pena? “Valeu. Tive a oportunidade de conhecer o mundo todo, as realidades dos cinco continentes e a oportunidade de estar próximo ao presidente. Conversava muito com ele. O presidente me fez mudar muitos conceitos, inclusive na área militar. Aprendi a gostar dele, da dona Marisa, de toda a família. Na pessoa do presidente, posso dizer que a humildade está acima de qualquer outra virtude.”

A nossa conversa é interrompida na hora do pouso. Às 16h30, Lula está de volta a Brasília e já tem um compromisso o aguardando na Base Aérea: uma apresentação da Orquestra Sinfônica e da Banda Marcial da Escola Municipal de Tempo Integral Eurídice Ferreira de Melo, a dona Lindu, mãe do presidente. Dois ônibus, com 84 alunos entre 7 e 15 anos, saíram de Palmas, Tocantins, na noite anterior, mas ainda não chegaram ao aeroporto. Estão perdidos em algum lugar de Brasília. Assessores tentam um contato com os responsáveis para avisar que o avião do presidente já pousou.

Como um artista pop em turnê, o presidente troca rapidamente de roupa e desce do avião com uma “guayabera” de cor azul bebê. No salão de autoridades, reencontra dois velhos companheiros que ele adora, acho porque são mais baixos do que ele: Gilberto Carvalho, o onipresente chefe de gabinete, e o ex-ministro José Graziano, hoje diretor da FAO. Estão com Lula desde a primeira campanha dele, quando foi candidato a governador de São Paulo, em 1982. Ao ver esses três amigos juntos, me senti vendo um filme de época. Enquanto espera as crianças, Lula conversa um pouco com Carvalho e Graziano e depois despacha em um gabinete da Base Aérea com os ministros Celso Amorim, do Exterior, e Guilherme Cassol, do Desenvolvimento Agrário.

Com 45 minutos de atraso, as crianças finalmente chegam. Descem dos ônibus já uniformizadas, carregando seus instrumentos, prontas para a apresentação. Durante todo o governo, ironicamente, era Lula quem se atrasava para os eventos. Agora, no final, foi ele quem teve de esperar. Mas valeu a pena, e seria uma frustração tremenda para a criançada se, depois da longa viagem, não pudesse encontrar o presidente. “Outra oportunidade não teriam, porque o governo está acabando”, diz Danilo de Melo Souza, secretário da Educação de Palmas e responsável pela vinda da escola a Brasília.

Danilo conta que a orquestra e a banda foram formadas há 15 meses, graças a uma iniciativa do Ministério da Educação, que colocou a música como componente curricular, uma antiga aspiração do pianista e maestro João Carlos Martins. Mais de 2,2 milhões de estudantes de 10 mil escolas em cidades com mais de 90 mil habitantes já fazem parte do projeto. No próximo ano, esse número deve chegar a 3 milhões de estudantes.

O impecável uniforme dos jovens da banda marcial é uma réplica do usado pela Guarda Presidencial. Às 17h15, o jovem maestro Bruno Barreto ergue o braço direito e dá sinal para o início da apresentação – primeiro, da orquestra sinfônica, que termina com Aquarela do Brasil e Amigos para Sempre. Sentado ao lado de Fernando Haddad, ministro da Educação, mostrando-se mais emotivo que de costume e fazendo força para não chorar na frente das crianças, Lula levanta-se e vai até a pequena violinista na primeira fila.
“Você é séria sempre assim ou só hoje?”, pergunta o presidente a Bárbara Dias Fernandes, de 12 anos, que cursa a sétima série. Sem piscar um olho durante toda a apresentação, agora ela abre um largo sorriso ao responder com firmeza: “Eu sou séria!”. Lula dá mais alguns passos e conversa com outra menina, muito parecida com Bárbara: sim, é sua irmã gêmea, Bianca.

De bem com a vida, sem pressa para ir embora, Lula dá a segunda entrevista coletiva do dia, conversa com todo mundo e, feito diretor de cena, orienta as crianças e o fotógrafo Ricardo Stuckert na hora das fotos. “Sobe na cadeira, Stuckinha, para pegar todo mundo! Todo mundo sorrindo!” Antes que a festa acabe, o presidente pega um violino, senta em uma cadeira entre as crianças e faz pose, fingindo tocar o instrumento. O governo Lula está chegando ao fim.

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