“O que foi feito, rigorosamente,
não é o que diz a lei”

Mario Schapiro, professor de Direito e Desenvolvimento da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas - FGV/SP (Foto: Reprodução / Facebook)
Mario Schapiro, professor de Direito e Desenvolvimento da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas – FGV/SP (Foto: Reprodução / Facebook)

Em entrevista à Brasileiros, Mario Schapiro, professor do curso de Direito e Desenvolvimento da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas-SP, julgou controversa e inadequada a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor na unidade da Polícia Federal do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, na manhã desta sexta-feira (4).

Para Schapiro, além de ter sido adotada de maneira indevida, a medida recrudescerá, de forma perigosa, o clima de polarização social. “As pessoas estão se agredindo nas ruas e isso não é saudável para a democracia.”

Leia, a seguir, a entrevista na íntegra.     

Como o senhor interpreta a ação deflagrada pela Polícia Federal?
Não é a primeira vez, na operação Lava Jato, que o juiz Sergio Moro aplica a regra da condução coercitiva para além do que está previsto no Código Penal, que é adotar a medida quando a pessoa, uma vez intimada, se recusa a comparecer para depor. Evidentemente, no caso do ex-presidente Lula, essa decisão tem um componente de gravidade adicional por sua figura política. Portanto, é preciso pensar com muita prudência nas relações de causa e consequência porque essa medida pode levar a um acirramento das relações políticas no País.

A ação foi legítima?
Do ponto de vista jurídico é bastante controversa, porque a condução coercitiva não é a solução padrão para este caso. Levando em consideração que se trata de uma figura com a representatividade política do presidente Lula, a medida se torna uma decisão bastante arriscada. Estou ouvindo as pessoas falarem que ninguém está acima da lei, mas a questão não é essa. O que deve ser posto é que o que foi feito, rigorosamente, não é o que diz a lei. Então, a pergunta que eu faria é: do ponto de vista da investigação a ação se justifica, dada a sua consequência política? Quem tem de dizer isso é quem propôs a medida. O correto seria intimar o ex-presidente para que ele comparecesse para depor. Se Lula não o fizesse, aí sim seria justificada a condução coercitiva. Apostar no recurso desta forma, como foi feito com outros investigados da Lava Jato, não é a solução formalmente estabelecida e, reitero, isso pode ter consequências políticas graves.

O senhor acredita que a medida foi intencional?
Não há como comprovar. Alguns dirão que há indícios de que setores estão jogando para criar um fato em cima disso, mas importante mesmo é saber que a leitura política do fato vai causar um acirramento do clima no País. As pessoas estão se agredindo nas ruas e isso não é saudável para a democracia. Claro, presidente ou não, quem comete crimes tem de ser investigado. Dizer que ninguém está acima da lei significa dizer que a lei deve ser feita com aplicação rigorosa, mas, neste caso, é preciso pensar quais serão as consequências do episódio para o País. Veja, não estou trocando consequência política por causa jurídica, dizendo “porque é o Lula não pode ser investigado”, mas acho que existem padrões jurídicos e que, eventualmente, eles não foram seguidos no seu exclusivo rigor.

Quais as possíveis consequências do episódio?
Uma leitura, benevolente, estará comprometida com a investigação, ou seja, defenderá que a condução coercitiva foi uma forma de colocar o investigado em uma situação de maior fragilidade em prol da descoberta de novos fatos. Outros dirão que a medida foi uma estratégia de disputar a opinião pública. Levando em consideração o Direito, as autoridades públicas têm de ser consequentes, dado que a regra geral não é essa. A pergunta que fica é “isso fazia sentido?”. Particularmente, tenho dúvidas. Vamos permitir confrontos sociais por causa de uma condução coercitiva que não está sendo realizada como a regra estabelece e com potencial político explosivo? O que vai acontecer com o País?

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