O Braga pensa. Sempre. Nos filhos, na mulher, nas contas, no futuro e outras coisas. Ele, que também devaneia, especula e reflete, tem uma habilidade singular. Sabe abandonar pensamentos. Não só os bobos, que não levam a nada, como também os perigosos, que emergem na madrugada.

O Braga sempre expulsa da mente as encruzilhadas de seu passado. Tanto as reais como as imaginadas. Não perde tempo com os caminhos percorridos. Não elucubra sobre os não trilhados. O Braga é forte.
Em outubro, a irmã do Braga o convidou para a festa dos vinte anos de casamento dela. Ele sempre foi muito próximo da irmã e do cunhado. Gosta também da família dele, conhece todos.

A festa foi no Recreativo. Muita gente. Ele conhecia todo mundo. Foram encontrando os parentes de cá e de lá. Conversando. Foram se acomodando nas mesas, bebendo, sabendo das coisas.

Subitamente, a música, então suave, explode Jovem Guarda. Uma nuvem de pontos coloridos começa a girar pelas paredes, teto e piso. Brilha uma enorme tela com imagens do casamento, vinte anos atrás.

Foi um tal de olha fulano, olha o sicrano, que gracinha, ele ainda tinha cabelo e tudo mais. Como a música traz lembranças e a bebida certa ilusão, foram dançar. A mulher com os primos. O Braga ficou na mesa. Vendo a dança e o vídeo do casamento, que repetiu a noite toda.

Vezes sem fim, ele viu a espera no altar, os padrinhos, a chegada da noiva, o sacramento, o cumprimento aos pais e padrinhos, a saída em fila, o buquê jogado ao alto e a moça que o colhe, beija e sai sorrindo. Bonita e graciosa. Encantada.

Ele via as imagens do casamento e pensava nas pessoas. Conhecia quase todos. Mas e a moça do buquê? Quando sua mulher passou, ele perguntou: quem é a moça do buquê? Ela disse que a moça era a noiva do Paulão na época.

Ah, o Paulão!Por isso, ele estava sentado bem abaixo da tela. Olhando para cima, grudado no vídeo. Hipnotizado.

Ele pediu para a mulher descobrir o que havia ocorrido com aquele noivado. Ela foi investigar e voltou dizendo que o Paulão havia dado uma escapulida e engravidado a Telma. O noivado com a moça acabou ali mesmo. Não sobrou nem foto. O Paulão casou às pressas e deu no que deu. Até hoje está nessa vida enrascada, parada, que você conhece muito bem.

O Braga pensou um pouco e pediu para a mulher descobrir o que acontecera com a moça? A mulher, uma santa, foi investigar.

Voltou conclusiva: a moça se casou com um amigo do Paulão. Mudaram para Floripa. O casamento deu muito certo, eles têm quatro filhos. O Paulão sabe de tudo pelos amigos, mas não toca no assunto.

O Braga, que conhece o perigo, foi até o Paulão. Deu um tapa veludo nas costas dele e disse: larga de bobagem, isso não leva a nada, vamos tomar uma Cuba Libre. Cuba Libre? respondeu o Paulão.

Foram para o bar. Ficaram falando bobagem. Na verdade, falava o Braga. O Paulão só escutava. Talvez nem escutasse. Entornava todas.

Por fim, nem o Braga prestava atenção no que ele próprio dizia. O Braga notou que o sapato, a meia, a calça, a cueca, a camisa, o paletó e o corpo do Paulão estavam ali. Mas o Paulão não.

Ele estava em uma encruzilhada lá atrás, em 1990. Pasmo, iludido. Pensando que poderia ter sido feliz.


*Marcos Rodrigues é engenheiro civil, professor titular da Escola Politécnica da USP e dedica-se também à literatura.


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