Ministério Público pede paralisação de Belo Monte por riscos à saúde pública

O barramento do rio Xingu, necessário ao funcionamento da usina hidrelétrica Belo Guarapavaí (Belo Monte), deve ser interrompido imediatamente, segundo ação civil protocolada neste mês pelo Ministério Público Federal (leia aqui na íntegra).

Se não houver essa paralisação, alerta o MPF, a barragem elevará o nível do lençol freático da cidade de Altamira, no Pará, que irá se misturar com o esgoto. Além desse problema, soma-se a ele o fato de que praticamente todo o fornecimento de água da cidade é retirado do lençol freático. Não há quase abastecimento encanado de água potável.  

Segundo o MPF, tem-se ainda a perspectiva de piora da qualidade da água quando ocorrer o enchimento do reservatório de Belo Monte. Há receios na sociedade local de que o barramento poderá reduzir a capacidade de autodepuração do rio, que já acumula parte do esgoto em suas ramificações. 

O fato terá grande impacto sobre a saúde pública, diz o MPF. Segundo dados da Companhia de Saneamento do Estado do Pará (Cosanpa), menos de 2% dos domicílios altamirenses possuíam, em 2010, esgotamento sanitário, e apenas 12% das residências eram atendidas por sistema de água potável. O MPF contesta até esses dados, que segundo a ação, já são considerados preocupantes.  As estatísticas estariam superestimando o saneamento do município paraense.  

“Todo o esgoto gerado em Altamira é coletado por fossas rudimentares individuais, sendo que algumas casas nem possuem fossas”, diz o texto. “A falta de saneamento básico gerou um ciclo vicioso consistente em despejar o esgoto no solo, contaminando o lençol freático, mas, ao mesmo tempo, retirar do lençol freático contaminado a água para consumo humano.”

Diante desta situação,  diz a ação do MPF, Altamira pode engrossar as tristes estimativas de mortalidade infantil do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Organização Mundial da Saúde (OMS).  Cerca de 1,5 milhão de crianças entre zero e cinco anos morrem todos os anos em decorrência da diarreia, uma doença evitável com saneamento básico e acesso a água potável.

Desde o início das obras da hidrelétrica de Belo Monte, tanto o governo quanto a empresa responsável sabiam do riscos apontados na ação civil pública ajuizada pelo MPF. Parecer do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) de 2009 e estudo do Painel de Especialistas de 2010, em que 40 cientistas analisaram os impactos de Belo Monte, já apontavam a necessidade de estudos mais detalhados sobre os poços artesianos da cidade de Altamira e o possível impacto do barramento do rio Xingu sobre o lençol freático, já fortemente contaminado por esgoto doméstico.

Por esse motivo, a instauração de todo o saneamento básico na região era uma das condicionantes para a licença ambiental da instauração de Belo Monte, segundo o MPF. O ministério diz que essa condição está presente desde a licença prévia, concedida em 2010. Todo o sistema de fornecimento de água potável e esgotamento sanitário da região, diz a ação, era para ter sido entregue no dia 25 de julho de 2014 -o que não ocorreu.

Ministério Público denuncia falta de saneamento básico em Altamira, uma das condicionantes para licença ambiental de Belo Monte. Foto: Valter Campanato/Abr
Ministério Público denuncia falta de saneamento básico em Altamira, uma das condicionantes para licença ambiental de Belo Monte. Foto: Valter Campanato/Abr

Ibama liberou licença sem saneamento? Instituto nega

Mesmo com esse prazo estourado, diz o MPF, o Ibama liberou a operação da usina e o barramento do Rio Xingu. O instituto deu um novo prazo para que o saneamento seja instaurado: setembro de 2016. Esse novo prazo é considerado “fictício” pelo MPF. A ação mostra que até mesmo em frente ao escritório do Ibama na cidade corre esgoto a céu aberto.

“Para concluir as obras do saneamento, a usina deverá implementar o fornecimento de água encanada e rede de esgotamento sanitário em mais de 24.250 domicílios altamirenses, até setembro de 2016, fazendo no curto prazo de 6 meses o que não fez, em 1 domicílio, no prazo de 6 anos”, diz a ação judicial assinada pelo procurador da República Higor Rezende Pessoa.

Saúde!Brasileiros entrou em contato com o Ibama para saber o porquê da liberação da licença e da prorrogação do prazo. A assessoria do instituto informa que aguarda intimação do poder judiciário para se manifestar formalmente, mas enviou um documento à reportagem com as etapas já concluídas. Segundo o documento, já há um prédio administrativo para o aterro sanitário e laboratório de análise, entre outros. Também a remediação do lixão de Altamira, que, segundo o Ibama, não estava prevista no plano básico ambiental, foi concluída em janeiro de 2014. 

O documento do Ibama cita que o estabelecimento do esgoto é complexo. Segundo a área técnica do instituto, já foi feito uma parte da rede de esgotamento, que está em operação. A ligação do restante da malha urbana a essa rede, segundo o Ibama, seria uma atribuição da Prefeitura Municipal de Altamira. “No entanto, com a inércia do município diante desta responsabilidade, o Ibama acabou estabelecendo um novo cronograma para que a empresa efetue as ligações intradomiciliares”, diz o documento. 

O MPF diz que essa postura de delegar à prefeitura a responsabilidade pela implementação da rede de esgoto, vem da própria empresa, a Nova Energia S. A (NESA), que “decide” por ela mesma, o que é ou não da sua responsabilidade. Essa postura, segundo a ação, é chancelada pelo Ibama. 

“Na condicionante do saneamento básico a NESA ostenta uma postura duvidosa de “decidir” o que será ou não de sua responsabilidade, negando-se a fazer, peremptoriamente, o que ela mesma afirma não ser da sua alçada. Infelizmente, essa atitude é chancelada pelo IBAMA, que, num processo confuso que envolve as esferas política, pública e privada, muitas vezes se comporta como fiel patrocinador dos interesses da NESA.


Sem esgoto, sem saneamento, sem saúde

O MPF diz que a situação no município paraense de Altamira é a mesma de 104 anos atrás, de quando a cidade foi fundada. Não há  ligações dos domicílios aos sistemas de água encanada e esgoto. Com isso, o esgoto doméstico, comercial e hospitalar é despejado nas ruas, no solo e no rio Xingu, que cortam a área urbana.

“Basta caminhar pelo seu perímetro urbano para constatar a grave situação relatada, não resolvida pelo empreendedor e entes públicos responsáveis pela construção de Belo Monte. Por todos os lados, se vê sujeira em Altamira. Quando chove, a cidade exala um forte cheiro de lixo e esgoto. Relatório fotográfico feito em dezembro de 2015 pela equipe de servidores do Ministério Público Federal comprova as afirmações descritas.

Nas fotos, observam-se: galinhas se alimentando de esgoto doméstico; urubus por toda a cidade; esgoto hospitalar sendo jogado diretamente na rua da orla da cidade, principal espaço público de convívio do povo altamirense; esgoto despejado no rio Xingu, sem nenhum tratamento; esgoto escorrendo a céu aberto por toda a cidade, inclusive na rua do Ibama.”

Fotos em ação do Ministério Público Federal mostra esgoto em céu aberto em Altamira. Reprodução
Fotos em ação do Ministério Público Federal mostra esgoto em céu aberto em Altamira. Reprodução

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Resolução do problema

A ação do MPF pede a suspensão do barramento do rio Xingu até a resolução do problema. Antes, as empresas responsáveis devem identificar, limpar e desativar todas as fossas rudimentares e outros meios inadequados de disposição e destino final de esgoto. Também deve haver a efetiva ligação das residências  à rede coletora de esgotamento sanitário.

Conjuntamente, deve haver a conclusão do sistema de abastecimento de água potável da cidade de Altamira, fornecendo a população água tratada com a respectiva limpeza e desativação dos poços artesanais, que funcionam sem nenhum controle sanitário e de outorga da União. Além disso, deve-se recuperar completamente o lençol freático e os rios de  Altamira contaminados por esgoto.


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