A expressão “Rato de Sebo” é usada para definir aqueles que, fanáticos por livros e publicações antigas, se tornam ávidos frequentadores dessas que são verdadeiras catedrais de livros usados e raros. E foi exatamente essa expressão que o pesquisador e arquiteto de formação Paulo Cezar Goulart usou para descrever Geraldo Alonso Filho, diretor do Instituto Cultural da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM. Os passeios de Alonso pelos sebos paulistas trouxeram a público um capítulo ainda pouco explorado da História do Brasil: a trajetória de sua publicidade.
Foi em uma dessas incursões que o diretor do Instituto encontrou uma raridade que não se acha todos os dias: alguns trechos destacados do Almanaque de Laemmert, mais especificamente de edições dos anos de 1919, 1923 e 1924. Embora o nome seja absolutamente estranho ao leitor contemporâneo, o Almanaque foi uma das publicações desse gênero mais relevantes da segunda metade do século XIX e do início do século XX: fundado em 1844, o mesmo chegava a atingir cerca de mil páginas por edição e continha informações sobre os mais diversificados temas e informações do momento: entre eles anúncios publicitários.
Os anúncios ilustrados, embora também já existentes no século XIX, passaram a conquistar espaço nos almanaques apenas no século XX. O Laemmert em especial ganhou em 1918 um novo diretor de arte com vasta experiência no ramo dos anúncios ilustrados e teve nas edições seguintes um exuberante espaço dedicado a este gênero. Não era somente uma questão de espaço: a qualidade artística e gráfica dos mesmos era inquestionável, o que tornou a descoberta justamente de tais trechos datados do período “uma feliz e sortuda coincidência” conforme explicou Goulart.
O achado virou publicação, lançada pelo Instituto Cultural ESPM em 2014. Intitulado “Annuncios do Almanak de Laemmert 1919, 1923, 1924” o livro, cuja capa remete, na grafia das letras e no azul escuro da cor, ao próprio almanaque e seu tempo, reúne os mesmos anúncios achados no sebo, além de ser acompanhado de toda uma contextualização histórica destes.
Complementando os anúncios de Laemmert, Goulart foi ainda peça fundamental na execução de um segundo livro, também produzido pelo mesmo instituto: “Partituras Publicitárias Antes do Rádio” reúne anúncios musicados e mostra que os famosos jingles vieram antes mesmo do rádio e da televisão. O livro vem acompanhado de um CD, no qual o maestro Amilton Godoy introduziu novos arranjos musicais às centenárias partituras.
O interesse por estas partituras, conforme explica Goulart, é bem antigo e surgiu a cerca de trinta anos: “Durante a década de 80 eu trabalhava na Secretaria da Cultura, estudando jornais antigos. Eu observava e me chamava atenção a presença de anúncios de lojas vendendo partituras publicitárias, isso ainda no século XIX. Em 2008 comecei a investigar a questão mais a fundo, e o comércio de partituras acabou revelando toda uma rede de sociabilidade que existia na passagem do século XIX para o século XX”, conta.
O que ocorria era que, um comerciante, ao vender seu produto, acabava por vezes vendendo junto a partitura, normalmente criada para piano. Como era muito comum no Brasil daquele tempo a realização de saraus, a partitura encontrava nesse momento um lugar privilegiado para ser executada e assim cair no conhecimento das pessoas e circular na sociedade. Vale lembrar que essas músicas quase sempre vinham acompanhadas de dança. Os jingles primitivos, portanto, não somente se manifestavam nas vozes das pessoas, mas também nos pés.
Ainda pouco explorada, a história da publicidade brasileira ganha, com essas publicações, uma maior visibilidade e um incentivo a outros trabalhos que venham investigar essa faceta multidisciplinar da história do Brasil.
Para acessar os Annuncios do Almanack de Laemmert 1919, 1923-1924: bit.ly/1UwtGRO
Para acessar e ouvir as Partituras Publicitárias Antes do Rádio : bit.ly/1NZ5R3l
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