Caros, ninguém em São Paulo pode deixar de passar na maravilhosa mostra montada no Museu da Língua Portuguesa, sobre Fernando Pessoa, o poeta, que dispensa qualquer apresentação. Pessoa era homossexual, embora a era em que viveu, e as cidades que frequentou não lhe permitissem qualquer exposição. Tivesse vivido em Paris, teria mais liberdade, como tiveram Proust, Gide, Verlaine, Rimbaud, etc. Mas Lisboa era mais conservadora, e o grande poeta não tinha, ao que se sabe, grandes chances de dar suas escapadas. Juram alguns de seus biógrafos, que os bares de cais do porto de Lisboa, como em qualquer porto do mundo, ofereciam sempre oportunidades de, em troca de algumas moedas, saciar desejos escusos, mas, de tão escusos, teriam ficado bem ocultos e nunca expostos. O fato é que Pessoa era hábil em de esconder atrás de heterônimos, personagens por ele criados, a quem atribuía parte de sua obra, e pouquíssimo deixa transparecer em seus versos sobre personagens masculinos. Pessoa assumiu publicamente as personalidades de Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, e utilizava as múltiplas personalidades para questões menores, como escapar a atrasos rotineiros, ou ousar aqui e ali em frases de seus textos. Na verdade, sua sexualidade pouca importância teria, se considerado o relevo de sua obra – trata-se de um dos maiores poetas da língua portuguesa de todos os tempos, equiparável, sim, a Luís de Camões, a ponto de ter sido enterrado no mesmo templo sagrado da cultura portuguesa, o deslumbrante Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.
De sua obra retirei, não sem razões bem pensadas, o texto no qual celebrei a aprovação, pelo parlamento português, da lei do casamento de homossexuais naquele país, o soneto dedicado ao Infante Dão Henrique, um dos maiores mitos da história portuguesa, e um dos mais lindos sonetos de Pessoa, assinado por ele mesmo. Poderia ter sacado da Autopsicografia, com o qual hoje encerrarei esse post, e o farei, insistindo para que ninguém perca a maravilhosa mostra sobre nosso grande poeta, cuja sexualidade é detalhe mínimo, desprezível, mas que cito por obrigação de ofício. Abraços do Cavalcanti.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se Chama o coração
Fernando Pessoa
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