O dia 14 de setembro de 2015 entrou para a história quando dois aparatos tecnológicos extremamente sofisticados nos Estados Unidos conseguiram detectar a passagem de ondas gravitacionais pela Terra, a última grande previsão do físico alemão Albert Einstein. Mais de mil cientistas, incluindo brasileiros, do chamado Observatório de Ondas Gravitacionais por Laser Interferômetro (Ligo, na sigla em inglês) vieram de um longo caminho para anunciar, finalmente, o marco.
“Nós detectamos ondas gravitacionais. Nós conseguimos”, afirmou David Reitze, diretor do Ligo, durante coletiva de imprensa dada em Washington em 11 de fevereiro último. A importância disso é imensurável, algo que a comunidade científica compara com o que Galileu Galilei descobriu há 400 anos.
“Essa descoberta é tão fundamental quanto aquelas feitas por Galileu no começo do século 17, quando ele apontou o telescópio para o céu e descobriu as crateras da Lua, as Luas de Júpiter, as fases de Vênus. Foram descobertas que mudaram a visão humana do universo naquela época”, explica Roberto Costa Dias, doutor em Astronomia e professor do Departamento de Astronomia da USP.
Nesse sentido, cientistas afirmam que se abre uma nova janela para a compreensão do universo. Até então, toda a informação dos corpos celestes que chegava até nós se dava através de luz, em outros termos, de radiação eletromagnética.
“Agora está provado que se tem acesso a outro tipo de informação. É quase como se fosse outro sentido, como se já víssemos e agora pudéssemos de certa forma escutar. É uma analogia ao som, pois é uma pequena vibração na estrutura do espaço”, explica Dias. E, ao conseguir “ouvir” a sinfonia do universo, a ideia é que estamos um pouco mais próximos de compreender os instantes iniciais de nossas origens.
Redemoinho cósmico
As ondas gravitacionais foram previstas por Albert Einstein há cem anos como parte fundamental da Teoria Geral da Relatividade. Nela, Einstein defende que a gravidade não é uma força de atração – algo postulado por Isaac Newton – e sim uma distorção no tecido do espaço-tempo que abriga o universo.
Dessa forma, a razão pela qual a Terra circunda o Sol é por ele ser tão maciço que causa uma grande distorção no espaço ao seu redor. Se você tentar mover um objeto em linha reta ao redor dessa enorme distorção, descobrirá que ele se movimentará em círculo. Em resumo, é dessa forma que a órbita funciona: não há uma força puxando os planetas, apenas uma curva no espaço. Espécies de redemoinhos perenes da existência em nosso universo.
Einstein revolucionou o mundo da Astrofísica na época. Ele defendia que corpos com grande massa, quando acelerados, produziam ondulações no espaço. Se estivesse em uma piscina com um amigo e rodassem um em busca do outro, veria que a água provoca ondulações ao seu redor. Imagine o mesmo cenário no oceano do espaço-tempo. Entretanto, até o próprio Einstein acreditava que ondas gravitacionais geradas pela maioria dos objetos compactos no universo nunca seriam detectadas.
No caso do observatório Ligo, o que se descobriu é que as ondas detectadas foram emitidas pelo encontro de dois buracos negros. Dançando ao redor um do outro, esses gigantes da escuridão se colidiram há cerca de 1,3 bilhão de anos e lançaram ondas em todas as direções que só chegaram recentemente à Terra. A detecção comprova não só a última parte da Teoria Geral da Relatividade de Einstein como outras descobertas importantes. É a primeira vez que se detecta um sistema binário de buracos negros, cuja massa varia entre 29 e 36 vezes superior à do Sol.
Apesar de outros cientistas já terem comprovado indiretamente a existência de tais ondas via observação e experimentos matemáticos, somente agora a humanidade chegou a tal ponto de evolução tecnológica que conseguiu – de fato – construir um aparato sem precedentes capaz de detectá-las.
“A importância de detectar as ondas é justamente detalhar vários outros eventos que estão ocorrendo no universo a respeito dos quais a gente não tem a informação completa. Esses dois buracos negros estavam na órbita um do outro, se chocaram e produziram um único. Tudo isso a gente conseguiu escutar. Esse evento ia passar completamente despercebido se não tivéssemos detectado através das ondas gravitacionais”, explica Odylio Aguiar, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e líder do grupo de seis pesquisadores brasileiros que participam do consórcio internacional.
Gêmeos da precisão
É claro que detectar um evento que aconteceu há 1,3 bilhão de anos não é uma tarefa fácil. As ondas que chegam aqui são tão sutis, em escala subatômica, que para “senti-las” foi necessário construir o detector mais sensível de nosso planeta.
O observatório Ligo é composto por dois interferômetros idênticos, um instalado no estado de Washington e outro em Louisiana – uma distância de três mil quilômetros o separam. Cada dispositivo conta com dois “braços” dispostos em “L”. Dentro desses túneis um conjunto sofisticado de espelhos suspensos e filtros de luz desviam feixes de laser até um detector. Quando ondas gravitacionais passaram pela Terra, tais vibrações fizeram os espelhos oscilarem.
Para eliminar qualquer dúvida em relação ao tipo de sinal recebido, cientistas do observatório contam com tecnologias que isolam sinais oriundos de tempestades ou terremotos, por exemplo. O fato de haver dois interferômetros que conseguiram captar quase simultaneamente o mesmo sinal também exclui dúvidas.
“Todos os cuidados são feitos para minimizar qualquer tipo de ruído que possa vibrar o solo e os espelhos do detector”, explica Aguiar. O físico lembra que os pesquisadores do Ligo tiveram muita cautela antes de concluir que o sinal recebido no dia 14 de setembro era de fato originado de ondas gravitacionais. Possibilidades como invasão de hackers no sistema do observatório ou outros sinais intencionais maliciosos foram investigados e descartados, diz o pesquisador. Os resultados científicos foram validados e publicados na revista científica Physical Review Letters.
O Ligo é um projeto de longo prazo, liderado pelos institutos tecnológicos da Califórnia (Caltech) e Massachusetts (MIT) e custou até então
US$ 620 milhões à Fundação Nacional de Ciências dos EUA. Sua construção foi proposta na década de 1980 pelos pesquisadores Rainer Weiss, Kip Thorne e Ronald Drever, três nomes cotados para ganhar o Prêmio Nobel de Física deste ano.
O curioso é que a descoberta do dia 14 de setembro também abriga uma casualidade. Segundo Aguiar, a corrida de engenharia começaria a coleta de dados oficialmente no dia 18 de setembro. No entanto, os aparelhos já se encontravam sensíveis o suficiente e ligados dias antes.
“Quando os grupos receberam o sinal, eles passaram os dois primeiros dias discutindo entre si se aquilo era real ou não”, lembra o físico.
Outros grandes experimentos similares ao Ligo em diferentes partes do mundo devem começar a operar nos próximos anos, o que permitirá aos cientistas não só localizar
outros eventos como ter maior precisão a respeito de qual direção eles vieram.
O consórcio não foi capaz de
localizar onde ocorreu a colisão de buracos negros, somente que ocorreu no céu do Hemisfério Sul. A ideia é que três interferômetros já conseguiriam apontar com maior precisão o local do cataclismo cósmico.
O grupo de pesquisadores brasileiros liderado por Odylio Aguiar trabalha no aperfeiçoamento da instrumentação de isolamento vibracional do Ligo, na sua futura operação com espelhos resfriados e na caracterização dos detectores, buscando determinar as suas fontes de ruído e a minimização dos seus efeitos nos dados coletados. Além do grupo do Inpe, outro dirigido pelo físico italiano Riccardo Sturani, do Instituto de Pesquisa Fundamental da América do Sul, da Unesp, trabalha na modelagem e análise dos dados de sinais de sistemas estelares binários. A contribuição de ambos os grupos continua, diz Aguiar.
E o que a detecção de ondas gravitacionais impactará na nossa vida? Roberto Costa Dias, do Departamento de Astronomia da USP, diz que as consequências do experimento certamente se darão a longo prazo. Porém, há a expectativa de o projeto Ligo detectar outros importantes fenômenos ainda este ano, uma vez que dados de outros sinais estão sob análise do consórcio.
Para Aguiar, o conhecimento que essas observações trarão para a Física e Astronomia são enormes, incluindo a possibilidade de reescrever modelos físicos, novas equações que tentariam explicar novos fenômenos.
“É o mesmo que se há cem anos perguntássemos para Einstein quais inventos seriam feitos a partir das teorias dele. Ele não teria ideia simplesmente”, diz o pesquisador. “No entanto, do efeito quântico foram inventados a máquina de tirar cópias e o raio laser; do raio laser foram inventados o toca CD e o DVD. O GPS só funciona por correções da Relatividade Especial e Geral. Enfim, todas essas coisas foram feitas graças às teorias de Einstein. Saber exatamente quais novas invenções virão não sabemos, mas certamente virão.”
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