O coreógrafo russo Alexei Ratmansky (à dir.) e seu protégé, o  norte-americano Myles Thatcher. Foto: Rolex/Divulgação
O coreógrafo russo Alexei Ratmansky (à dir.) e seu protégé, o
norte-americano Myles Thatcher. Foto: Rolex/Divulgação


Centro Cultural del Bosque
, cidade do México, 6 de dezembro de 2015. O arquiteto suíço Peter Zumthor conversa com uma jovem colega de ofício, a paraguaia Gloria Cabral, sobre suas participações no Mentor & Protégé, programa filantrópico da marca de relógios Rolex. Ao longo de um ano, Gloria acompanhou Zumthor em alguns de seus projetos mundo afora, como uma pequena casa de chá na Coreia do Sul. Ele, por sua vez, pôde ver um pouco do trabalho da arquiteta em Assunção, capital paraguaia. Durante o papo, o inglês tímido de Gloria não chega a atrapalhar. Ainda que tenham a seu dispor uma tradutora, Zumthor, ganhador em 2009 do Pritzker, o mais importante prêmio de sua área, e Gloria fazem perguntas um ao outro, na sintonia que se espera de um mestre com seu discípulo.

Com o lema “por trás de um grande artista há um grande artista”, o programa Mentor & Protégé foi criado em 2002 e atualmente abraça sete disciplinas (arquitetura, artes visuais, cinema, dança, literatura, música e teatro). Organizado a cada dois anos, sempre tem nomes de peso entre seus mentores, como Álvaro Siza, Anish Kapoor, Brian Eno, David Hockney, Mario Vargas Llosa, Martin Scorsese e Robert Wilson, para citar apenas alguns. Entre 2012 e 2013, dois brasileiros participaram do programa: Gilberto Gil, como mentor de música, e Eduardo Fukushima, como discípulo em dança, acompanhado do taiwanês Lin Hwai-min.

O projeto chega a seu oitavo ciclo no biênio 2016-17 com um forte elenco de mentores: Joan Jonas, que assinou o Pavilhão dos Estados Unidos na 56a Bienal de Veneza, no ano passado, está à frente de artes visuais, e o inglês David Chipperfield, de arquitetura. Completam o time o moçambicano Mia Couto (literatura), o mexicano Alfonso Cuarón (cinema), o norte-americano Philip Glass (música), o canadense Robert Lepage (teatro) e o israelense Ohad Naharin (dança). Os sete já sugeriram à Rolex como deveria ser o perfil de seus discípulos e, no momento, sete comissões formadas por especialistas estão selecionando até quatro finalistas. Dois deles são do Brasil: os escritores Julián Fuks e Isabela Noronha disputam a vaga para serem orientados por Mia Couto. “A seleção é bem independente, nós não dizemos aos membros das comissões quem eles devem escolher, tampouco indicamos um país de preferência. Dito isso, já tivemos finalistas em outras áreas, como arquitetura. E agora, porque a escolha depende muito da língua, e porque temos Mia Couto, que é moçambicano, como mentor, tivemos a chance de ter dois brasileiros como finalistas, Julián Fuks e Isabela Noronha”, diz Rebecca Irvin, diretora de filantropia da Rolex.

Olafur Eliasson (à dir.) e seu discípulo, o congolês Sammy Baloji, no estúdio do artista dinamarquês em Berlim. Foto: Tomas Bertelsen
Olafur Eliasson (à dir.) e seu discípulo, o congolês Sammy Baloji, no estúdio do artista dinamarquês em Berlim. Foto: Tomas Bertelsen

Entre 2016 e 2017, os discípulos vão ter a chance de ver como trabalham seus mestres, e vice-versa, processo que inclui viagens aos países de origem de cada um, pelo menos. Ao final do biênio, artistas e jovens talentos falam de suas experiências e apresentam seus trabalhos no The Rolex Arts Weekend, que a marca suíça realiza a cada dois anos, em cidades diferentes.

No ciclo encerrado em 2015, por exemplo, o israelense Tom Shoval, roteirista e diretor de filmes de baixo orçamento, falou de sua participação na produção de O Regresso, grande vencedor da última temporada de prêmios, ao lado de seu mentor, o mexicano Alejandro González Iñarritú. No México, Iñarritú ressaltou numa entrevista coletiva que nunca havia ensinado nada. “Então, quando aceitei participar do programa, pareceu-me que poderia compartilhar da experiência com uma produção de grande escala, dando acesso a Tom a meu processo. Mais que ensinar, trata-se de um diálogo, de intercâmbio de conhecimento”, disse.

A troca também foi rica para a dupla de artes visuais, o dinamarquês-islandês Olafur Eliasson, mestre, e o congolês Sammy Baloji, seu discípulo. Em conversa com jornalistas, Olafur ressaltou que o programa lhe deu a chance de sair de sua própria zona de conforto e se renovar. “Foi um ano incrível, ao fim do qual tínhamos conversado sobre o que busco, o contexto de meu trabalho, e também havia acompanhado o trabalho de Sammy, que é um estudo muito orgânico. Somos pessoas de culturas muito diferentes, e isso me abriu a mente.”

O arquiteto suíço Peter Zumthor e sua colega, a paraguaia Gloria Cabral, em encontro do projeto da Rolex. Foto: Rolex/Divulgação
O arquiteto suíço Peter Zumthor e sua colega, a paraguaia Gloria Cabral, em encontro do projeto da Rolex. Foto: Rolex/Divulgação

Na cerimônia de encerramento do The Rolex Arts Weekend, Sammy afirmou não saber dizer quantos projetos surgidos em 2015 estavam ligados ao programa, “mas certamente foi o caso da Bienal de Veneza”. No Pavilhão da Bélgica, ele apresentou uma instalação com um globo de cobre com escarificações, numa alusão à exploração de seu Congo natal durante o período colonial, tema recorrente em sua obra. “Foi lá que fui capaz de produzir um trabalho não ligado, como no passado, somente a fotografia e vídeo, mas a artes visuais no sentido mais amplo do termo”, disse. “Foi uma oportunidade importante, para mim, criar um trabalho que refletisse minhas trocas com Olafur. Eu estava procurando novas maneiras de me expressar artisticamente”.

Na mesma cerimônia, Olafur salientou que o sucesso do Mentor & Protégé “reside em sua hospitalidade e em sua crença no futuro”. Rebecca Irvin afirma que é interessante ver como muitos protégés desenvolvem parceria e até mesmo amizades entre si. Um exemplo disso, ela cita, é um projeto a seis mãos que os protégés Lee Serle (2011, dança), Maya Zbib (2011, teatro) e Mateo López (2013, artes visuais) estão fazendo em Nova York, neste ano. “É um benefício adicional do programa, que nós encorajamos”. De fato, “hospitalidade e futuro” caminham bem de perto em todas as etapas do programa. Para ter uma ideia dessa convivência, quase 30 jornalistas estiveram presentes nos eventos da Cidade do México, acompanhando cerca de 100 convidados, entre artistas e discípulos do último ciclo e de anteriores, além dos participantes das comissões de seleção. As trocas, como se via lá, ultrapassam os biênios de cada edição. Voltam-se para o porvir, têm potencial para colaborações diversas, num tempo que não é dinheiro. Como processo, já é, em si, arte. 

Um prêmio para o futuro
Além das artes, a Rolex tem um programa de filantropia voltado para ciências e saúde, tecnologia aplicada, descobertas e exploração, meio ambiente e herança cultural. Em janeiro, a marca anunciou os nomes dos cientistas, exploradores, ambientalistas e outras personalidades que irão compor o júri responsável pela escolha dos dez vencedores dos Prêmios Rolex de Empreendedorismo, que em 2016 completam 40 anos. Entre eles estão o astronauta e escritor best-seller Chris Hadfield (Canadá) e o físico Stefan Hell (Alemanha), ganhador do Nobel de Química em 2014.

Os projetos são avaliados de acordo com sua viabilidade e originalidade, e no potencial impacto que têm nas populações e no ambiente. Cada laureado recebe 100 mil francos suíços, enquanto os Jovens Empreendedores recebem, cada um, 50 mil francos suíços. Os subsídios são usados para avançar os projetos.

Dois brasileiros foram contemplados pelo programa: José Márcio Ayres (2002), premiado com projeto de criação de reservas de desenvolvimento sustentável de Mamirauá, na Amazônia; e Laury Cullen Jr. (2004), um laureado adjunto (que recebe menor quantia para financiamento), num projeto para conservação de trechos remanescentes da Mata Atlântica. Na última edição, em 2013/2014, o Brasil também esteve presente, de certa forma. O italiano Francesco Sauro foi premiado com um projeto de exploração de cavernas na Amazônia.

 O italiano Francesco Sauro, cujo projeto  de exploração de cavernas da Amazônia,  no Brasil, foi premiado em 2014 com os Rolex Awards for Enterprises. Foto: F. Lo Mastro/Rolex/Divulgação
O italiano Francesco Sauro, cujo projeto de exploração de cavernas da Amazônia, no Brasil, foi premiado em 2014 com os Rolex Awards for Enterprises. Foto: F. Lo Mastro/Rolex/Divulgação

 


Comentários

Uma resposta para “Tempo é arte”

  1. Avatar de Pedro Simon de Campos
    Pedro Simon de Campos

    Sou fã da Revista Brasileiros justamente pela diversidade de temas que aborda e com a seriedade que faz isso. Não apenas por eu ser do mundo da dança, e por isso das artes, a matéria sobre jovens talentos que têm chance de dividir suas experiências com grandes mestres me despertou tanto interesse. Parabéns por trazerem à tona essa iniciativa brilhante

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