Como aproximar o público da arte? Com eventos alternativos. A ideia de promover o encontro direto entre o artista e o público transforma cada vez mais a maneira de expor arte. O lado lúdico é moeda forte de algumas experiências e impulsionar a inventividade de autores promissores é o elo comum entre algumas manifestações recentes na cidade: a Feira Plana, o Labcidade, em parceria com a galeria Choque Cultural, e o Salão dos Artistas sem Galerias. Todas essas iniciativas promovem uma arte expandida em distintas zonas da vida social, desmarcadas e autônomas, como diria o sociólogo Néstor Canclini.
A arte de hoje é produzida para uma sociedade em estado de fluxo rápido. Vivemos em um tempo comprimido, sincrônico e eternamente atual. Milhões de artistas criam, poucos milhares são aceitos e raríssimos se consagram. Hoje há uma nova conscientização da reciprocidade entre a arte e o público, e várias plataformas são acionadas para diminuir a distância entre eles.
A 7ª Feira Plana de São Paulo, que tomou parte do Museu da Imagem e do Som, aproximou ainda mais o espectador comum dos autores. Durante dois dias os meios de criação artística se superpuseram, os materiais coexistiram e as linguagens deixaram de ser específicas. Na verdade, foram tratadas muitas emergências que nos remetem a um novo estado da arte. O público se envolveu com o ato de criar, manipulou objetos, conheceu o conceito de gravura experimental, acompanhou os debates e esteve cara a cara com os artistas. Os editores independentes, gravadores, desenhistas, designers gráficos e fotógrafos se comunicaram o tempo todo com o público. Eles sabem que a arte contemporânea detém a velocidade das imagens buscando ampliar suas possibilidades expressivas. A cada edição o evento demonstra intenção de mudança e desenvolve ações que parecem estar também nas mãos dos que a frequentam. A espontaneidade e a experimentação são elementos recorrentes nessa feira que se movimenta no lado B da produção artística convencional. Do visitante não é cobrado conhecimento de arte, nem de edição e fotografia. Ao contrário, o clima do evento está longe da academia, do estável, do duradouro e de tudo o que possa gerar um estado de dependência. Sob a curadoria de Bia Bitencourt, a cada ano a feira tem recebido mais visitantes curiosos pelo futuro do fanzine, da fotografia autoral, do desenho livre. Muitos trabalhos foram comercializados depois de um bom papo. A parte expositiva esteve em sintonia com as palestras e debates que reuniram profissionais de editoras e galerias, convencionais ou não. No mapa incompleto e fragmentado do que podemos chamar de criação independente, a Feira Plana é um oásis no mercado editorial e artístico da cidade.
Também num clima alternativo e na levada irreverente da Vila Madalena, onde a galeria funciona, a Choque Cultural se aliou ao vizinho, o Laboratório da Cidade, e juntos orquestraram uma manifestação de arte séria, mas divertida, no meio da rua. Invadir o espaço público e envolver a população com arte já é tradição da Choque, que divide a atenção no bairro com outras galerias, como Raquel Arnaud, Milan e Fortes Vilaça, sem falar na Xiclet, tão underground quanto ela. Todas estão cercadas por ateliês, repúblicas, oficinas de arte, gravadoras, estúdios de fotografia e de cinema, conduzidas por jovens criadores.
O evento propôs um debate a céu aberto sobre a cidade de São Paulo, enquanto alguns artistas da galeria intervinham nas ruas e paredes. O Laboratório da Cidade nasceu com o propósito de potencializar iniciativas de inovação e sustentabilidade da cidade, promovendo exposição/laboratório em que explora novas perspectivas no espaço urbano. Trabalhos de Regina Silveira, Lucas Bambozzi, Gisela Domschke, Coletivo BijaRi, Tec, Ale Jordão e Daniel Melim se dispersaram pela rua Medeiros de Albuquerque, no melhor estilo da Vila Madalena.
Uma mesa de debate ao ar livre, com alta rotatividade de palestrantes entre arquitetos, artistas, jornalistas e curadores, inaugurou o webcanal LabCidade com o programa Sala na Rua. Regina Silveira interferiu na parede externa com o video-arte Surveillance, no qual uma mosca gigante rodeia um foco de luz. Lucas Bambozzi e Gisela Domschke ocuparam a rua com o LabMóvel, uma Kombi transformada em cinema ao ar livre. O coletivo BijaRi se movimentou com Praças (Im)Possíveis, para discutir a importância simbólica da bicicleta no imaginário urbano. O grafiteiro Tec imprimiu seu traço no chão e as crianças interagiram, enquanto Daniel Melim propôs um novo trabalho, uma criação híbrida entre o graffiti e a animação.
Mais contido por estar entre quatro paredes, o 7º Salão dos Artistas sem Galeria aconteceu em dois espaços em São Paulo: nas galerias Zipper e Sancovsky. Mais de uma centena de artistas se inscreve na esperança de ser descoberta e ter seus trabalhos finalmente exibidos no circuito de arte. A iniciativa do Mapa das Artes teve a contribuição de um júri de seleção composto por Jacopo Crivelli Visconti, Marta Ramos-Yzquierdo e Douglas de Freitas. Não importa se o nível das obras era díspar. O prêmio simbólico de R$ 1 mil e uma exposição individual na Orlando Lemos Galeria foram um estímulo e podem ser um trampolim para quem nunca expôs. Como nos lembra John Cage, “começamos a nos conscientizar, sutilmente, da riqueza, do caráter único de cada indivíduo e da capacidade natural de cada um de abrir novas possibilidades para outros”. Isso é o que importa!
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