O novo cinema brasileiro em praça pública

Tiradentes, a pequena e aconchegante cidade histórica de Minas Gerais, com pouco mais de 5 mil habitantes e sem nenhuma sala de cinema, foi a sede do festival que abriu o calendário audiovisual brasileiro de 2011. A 14ª Mostra de Tiradentes, realizada entre 21 e 29 de janeiro, comemora os números.

Foram 134 filmes nacionais – um recorde na história do evento. Em 49 exibições gratuitas, o festival contabilizou um público de mais de 30 mil pessoas. As outras atividades também foram bem agitadas. Mais de 300 alunos compareceram às oficinas de cinema – também gratuitas – e a série de debates temáticos reuniu mais de 100 profissionais do setor audiovisual.
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O clima do festival refletiu a boa fase do cinema nacional. “Em 50 anos de trabalho, nunca vivi um momento tão rico e diverso como o atual”, afirma o diretor Cacá Diegues, que participou de debate em Tiradentes.

Quem também tem motivos para comemorar é o diretor Tiago Mata Machado. Seu filme, Os Residentes – cheio de referências intelectuais e ar-tísticas, teve exibição tu-multuada em Brasília – e faturou dois prêmios em Tiradentes, melhor filme na decisão do Júri Jovem e da Crítica. Essa é a primeira vez que o festival mineiro premia uma produção local. O longa também integra a programação do Festival de Berlim, que acontece esse mês, ao lado de mais dois brasileiros, Tropa de Elite 2 e o curta Ensolarado.

A decisão ressalta uma característica que já se tornou a marca de Tiradentes. Ao longo de seus 14 anos de existência, a mostra, promovida pela Universo Produção, se consagrou como a principal vitrine da nova produção cinematográfica brasileira, jovem, experimental e criativa.

“O júri destacou a ousadia de um cinema provocativo, radical e esteticamente ambicioso”, observou Beth Miranda, representando o Júri da Crítica durante o encerramento do festival. “Os Residentes expressa as possibilidades do cinema brasileiro hoje. Tem um olhar inconformado e perturbador”, explica Rafael Alvarenga, do Júri Jovem. Na opinião do Júri Popular, o melhor filme foi o documentário Solidão e Fé, de Tatiana Lohmann, sobre o universo dos rodeios.

Distribuída em três espaços – na praça central, no Cine-Tenda e no Centro Cultural Yves Alves -, a programação teve como foco o cinema político brasileiro, em sua temática e estética. No total, foram 30 pré-estreias de longas, incluindo títulos selecionados para os festivais de Cannes, Berlim e Rotterdam, e 104 curtas em oito mostras distintas, além de uma extensa série de debates com participação de nomes expressivos da cinematografia brasileira, como Cláudio Assis, Julio Bressane e Cacá Diegues.

Aproveitando o mote das inquietações políticas, um grupo de cineastas, produtores e pesquisadores divulgou um manifesto com propostas de políticas para o setor audiovisual. A carta lida pelos atores João Miguel e Irandhir Santos ressalta a importância da valorização da diversidade e da inclusão de outras regiões brasileiras menos privilegiadas por políticas públicas, principalmente se comparadas ao Sudeste.

Homenagens
As homenagens optaram por compor uma espécie de contraplano histórico do cinema político. O ator pernambucano, Irandhir Santos, conhecido por papéis em sucessos recentes, como Baixio das Bestas e Tropa de Elite 2, que representa a face mais moderna do cinema nacional, e o cineasta carioca, Paulo Cezar Saraceni, autor de Porto das Caixas, obra fundamental do Cinema Novo, movimento que ficou conhecido na década de 1960 por seu experimentalismo e rebeldia.

O evento teve ainda a presença e a participação de profissionais internacionais da Alemanha, EUA e curadores de festivais de Cannes, Locarno, Berlim e Santa Maria da Feira, em Portugal. Outras duas presenças de destaque chamaram a atenção, a ministra Ana de Hollanda (Cultura) e a nova secretária do audiovisual, Ana Paula Santana. Entretanto, ambas driblaram o assédio e saíram sem falar com a imprensa.

Sangue novo
Diferentemente de outros festivais, a aposta maior em Tiradentes é o sangue novo que corre pelas veias dos jovens diretores apresentados na Mostra Aurora, considerada o ponto alto do festival. Em sua quarta edição, a mostra – dedicada a cineastas estreantes com até dois longas realizados – trouxe uma seleção de cinco documentários e duas ficções, realizada em Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco.

O curador da mostra, Cleber Eduardo, ressalta que a ideia não foi a de criar um movimento uniforme de uma nova geração, mas o de abrir espaço para realizadores contemporâneos. “Não se trata de pensar esses sete filmes como um grupo, mas como um conjunto de obras que, se não integra uma onda ou um segmento, ao menos nos permite ver em conjunto o que alguns dos novos cineastas brasileiros andam construindo.”

Os filmes são Enchente, de Julio Pecly e Paulo Silva; Riscado, de Gustavo Pizzi; Remições do Rio Negro, de Erlan Souza e Fernanda Bizarria; Sertão Progresso, de Cristian Cancino; Santos Dumont – Pré-Cineasta?, de Carlos Adriano; Vigias, de Marcelo Lordello; e o premiado Os Residentes, de Tiago Mata Machado.

Diversidade
Outras duas mostras do festival de Tiradentes deram um panorama da diversidade presente nas telas brasileiras. Em Olhares, foram exibidos oito longas premiados em festivais nacionais e internacionais, como o Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro, e Transeunte, de Eryk Rocha (Melhor Filme pelo Júri da Crítica do Festival de Brasília).

Na Vertentes, outra seleção com sete filmes, caso de Solidão e Fé, de Tatiana Lohmann, que conquistou seu primeiro prêmio em Tiradentes. No espaço dedicado ao público infanto-juvenil, a Mostrinha teve como destaque Brasil Animado, primeira animação em 3D do Brasil, da diretora Mariana Caltabiano.

A diretora, presente no festival, reconhece que não poderia estar mais feliz. Seu nome está em três filmes exibidos em Tiradentes, Gui, Estopa e a Natureza, Brasil Animado e Vips – ela é a autora do livro que inspirou o filme. “O Brasil Animado fala muito de Tiradentes, foi uma coincidência muito bacana”, diz.

Colaborou Eduardo Fahl

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