As primeiras imagens de O Samba que Mora em Mim – estreia prevista para fevereiro -, com a voz em off da diretora Georgia Guerra-Peixe, já denotam a maneira peculiar com que o tema será tratado no primeiro longa produzido pela Bossa Nova Films: “Desde que era bem pequenininha, aprendi que Carnaval era muito mais que folia, feriado, muito mais que festa”. Além da cadência do samba, é o compasso de espera – e de vida – de alguns moradores da Mangueira e sua relação, mesmo que comercial, com a Verde e Rosa que estão em evidência nesse documentário.
O trem chegando à primeira estação (daí a origem do nome da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, como nos conta Alberto Mussa e Luiz Antonio Simas no livro Samba de Enredo – História e Arte, Editora Record), com seus passageiros sentados nos bancos da estação a esperá-lo. É nesse esperar que Georgia está interessada. O seu olhar (que é o da câmera) é sobre o dia a dia dessa gente, com seus afazeres cotidianos e cadências de vida. “(…) Olhava os sorrisos, as baquetas, os dedos machucados, os encontros, as mulatas, os sambistas…”, relembra. É um resgate de infância. Quando seu pai, funcionário público e apaixonado pelo Carnaval, a levava para os ensaios na quadra da Mangueira, na base do morro, ela voltava seu olhar perscrutador de menina curiosa para os detalhes e indagava como seria a vida daquelas pessoas depois que os festejos passavam.
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Um dos vários méritos do documentário de Georgia (sobrinha-neta do grande compositor César Guerra-Peixe) é a maneira como conduz as entrevistas dos oito moradores anônimos da comunidade, escolhidos pela produção do filme. Em lugar da tradicional câmera parada, Georgia opta, poeticamente, pela câmera solta, captando as sutilezas dos entrevistados, cujas falas entram geralmente em off. Nunca escutamos as perguntas da diretora. Ela omite sua presença física, pois é sua memória afetiva que está ali. Essa forma respeitosa e despretensiosa com a qual Georgia manuseia sua câmera nos faz lembrar os versos iniciais da música A Flor e o Espinho, quando seu compositor Nelson Cavaquinho coloca: “Tire seu sorriso do meu caminho/Que eu quero passar com a minha dor…”. Ao camuflar sua presença – e o da sua câmera -, a diretora consegue extrair relatos verdadeiramente humanos, com tristezas e felicidades.
Um desses relatos é o de uma personagem conhecida como vovó. Aos 110 anos, diz não gostar de Carnaval e do barulho que ele produz (mas, ao que tudo indica, ela se referia ao funk, que tomou conta dos morros cariocas). Como declara uma das moças entrevistadas, que diz adorar funk, depois dos desfiles das escolas, o samba não é mais executado no morro, pois “tá tudo dominado”. “O funk é uma realidade presente durante todo o ano no morro da Mangueira, diferentemente do samba”, diz a diretora.
No documentário, que aborda o tema, quase não se ouve o gênero musical. Será mesmo que o samba só dura os dias de Carnaval? Talvez seja por isso que o filme termine com a canção O Samba Que Mora em Mim, de Dimi Kireeff, responsável pela trilha sonora. “Eu nunca morei no morro, não/Mas tenho o samba que mora em mim.” Georgia pode não ter encontrado o samba como extensão da maioria dos moradores da Mangueira, quando subiu o morro pela primeira vez para dirigir seu filme, mas encontrou, sem dúvida, belos e originais relatos de vida.
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