No dia 21 de julho de 1964, o artista plástico Hélio Oiticica escreveu: “Começo aqui hoje o que chamarei de Poética Secreta, ou seja, aquilo em que me expressarei em sentido verbal poeticamente… Secreta é o que quero, pois não sou poeta, mas uma imperiosa necessidade me leva à expressão verbal”.
Corte. Salto espaço-temporal para o ano de 1969: em carta endereçada ao cineasta e amigo Ivan Cardoso, Oiticica informa: “Estou escrevendo uma série de contos que pretendo publicar, mas sem pretensão de literatura nem nada; são como vivências autobiográficas…”.
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Os trechos supracitados são representativos do desejo de Hélio Oiticica em levar a cabo um projeto literário em gestação desde os tempos de adolescência – ainda garoto, o artista plástico manteve laço estreito com a literatura, escreveu e traduziu peças de teatro e, desde 1953, produziu textos sobre sua produção. Se publicar um livro manifestava-se apenas como desejo na década anterior, a partir dos anos 1970 – mais precisamente entre 1971 e 1978, fase em que o artista viveu em Manhattan – a ideia passou a nortear todo o seu trabalho.
São dessa época os escritos batizados de newyorkaises, projeto de livro que se desdobrou em cartas, poemas, artigos, ensaios, anotações e comentários, também chamados pelo autor dos penetráveis e parangolés de “conglomerados”. Até então nunca publicada, a obra é objeto de estudo do pesquisador Frederico Coelho em seu Livro ou Livro-me – Os Escritos Babilônicos de Hélio Oiticica (1971-1978), lançado recentemente pela Editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (EdUERJ).
O livro (ou o não livro) de Oiticica tem suas raízes na troca de diálogos com quatro amigos escritores: Silviano Santiago, Waly Salomão e os irmãos Campos. É possível detectar o impacto que teve sobre Oiticica duas obras desse grupo: Galáxias, de Haroldo de Campos, e Me Segura que Eu Vou Dar um Troço, de Waly Sailormoon/Salomão. Estavam lançadas as sementes do que, ao menos, em princípio, pretendia ser um registro literário das impressões do artista sobre a Babilônia, Barnbilônia, na categoria das obras de autores estrangeiros que escreveram sobre Nova York, como Federico Garcia Lorca, em Poeta em Nova York, e Sousândrade em O Inferno de Wall Street.
Assim como Oiticica abraçou e assumiu o experimental nas artes plásticas, não foi diferente em sua incursão pela literatura. Os escritos exploram experiências de linguagem e formato. Mescla idiomas, inventa e funde palavras, abre espaço para recortes e fotografias, preocupa-se com o “desenho” da página, às vezes, dando a impressão de que a forma importa mais que o conteúdo. Promove associações criativas entre músicos, poetas, teóricos e suas obras em um diálogo que une Ezra Pound, Jimi Hendrix, Nietzche, Rolling Stones, Malevich, Yoko Ono, Gertrude Stein e The Kinks.
Pode-se dizer que toda a obra de Oiticica – incluindo seus conglomerados – caracteriza-se como trabalho em progressão/work in progress. Arte que se reinventa e se transforma a todo instante, não inacabada, mas sempre em aberto.
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