“Impeachment é liderado por setores que fizeram o golpe de 1964”

Tanques andam pelas ruas do Rio no dia 2 de abril de 1964 - Foto: EBC
Tanques andam pelas ruas do Rio no dia 2 de abril de 1964 – Foto: EBC

No primeiro dia do ciclo de debates Crise e Democracia, promovido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, quatro nomes do cenário político nacional levaram seus pontos de vista sobre a atual situação política do Brasil e a democracia. Foi praticamente ponto comum entre os palestrantes que o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff pode ser considerado uma tentativa de golpe.

No Auditório da Reitoria da UFBA, centenas de estudantes, professores, técnico-administrativos e membros da sociedade participaram do debate, mediado pelo reitor da instituição, João Carlos Salles.

O sociólogo da Unicamp Ricardo Antunes iniciou o evento trazendo uma contextualização política brasileira, na qual citou exemplos na história, em que presidentes foram destituídos do poder, o que, para ele, está prestes a ocorrer no Brasil, com a presidenta Dilma Rousseff.

“Não podemos aceitar um golpe que tem uma simbiose macunaímica. Há uma tentativa de golpe parlamentar que estampa um estado de exceção de setores do judiciário. As classes dominantes, favoráveis ao impeachment, jogam em cima da classe trabalhadora o ônus da crise”, disse o sociólogo de corrente marxista. O intelectual ainda defendeu que não há nenhum crime de responsabilidade que justifique o impedimento de Dilma.

Cobertura da imprensa

Em seguida, a jornalista e professora da UFBA Mariluce Moura fez uma análise da cobertura midiática sobre o panorama político e dos movimentos favoráveis e contrários à saída da presidenta, nas manifestações das ruas. Mariluce iniciou a fala citando o editorial do jornal Folha de S.Paulo, do último sábado (2). Para ela, existe um enquadramento midiático que seleciona e constrói os acontecimentos sociais.

“[Alguns] veículos constroem um cenário que tenta conquistar uma massa desorganizada, que busca um líder autoritário que lhe dê sentido. O diferencial das investidas da mídia será a internet com outros atores? Será o não ao golpe nas ruas? Acesso de jovens mais pobres à universidade e a inclusão social?”, questionou a jornalista, que foi perseguida e presa durante a ditadura militar.

A jornalista destacou a importância da internet e das redes sociais para o equilíbrio de informações passadas à sociedade. “Eu gostaria de observar que, se vamos ter que reorganizar e reconfigurar as forças da esquerda daqui pra frente, no que diz respeito à área da comunicação, há duas questões fundamentais que devem ser levadas a sério: a regulação dos meios de comunicação, como ocorre em qualquer país civilizado, e o financiamento e suporte para expansão da mídia alternativa, no caso da internet e das redes sociais”.

Polarização

O vereador de Belém (PA) Fernando Carneiro (PSOL) foi o terceiro convidado. Também historiador, Carneiro declarou-se contra o que chama de “golpe”, mas disse que não apoia o governo Dilma e fez duras críticas à polarização política nacional.

“A realidade é uma totalidade e é dominante. Não se pode isolar acontecimentos fora do contexto, porque causa problemas para a realidade. Muito se fala sobre golpe e impeachment, mas não se pode imaginar que seria algo como em 64. Sou defensor da liberdade democrática e ser contra o impedimento, como sou, não significa ser meio governista. Isso é perigoso porque esse governo não me representa, eu não votei nele, mas essa manobra jurídica tem que ser combatida. Sou contra esse golpe e contra o impeachment, pela ausência de prova de crime de responsabilidade”.

O político ainda falou do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando acusou o petista de priorizar a governabilidade em detrimento da mobilização popular. Antes de encerrar, o palestrante questionou os dados fornecidos pelo governo federal sobre a redução de pessoas na linha de pobreza e extrema pobreza, o que provocou vaias de parte da plateia, composta, em sua maioria, por estudantes da universidade.

Para encerrar a mesa redonda, o jornalista Emiliano José falou substituindo a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Segundo a UFBA, a parlamentar ausentou-se porque estava participando da sessão de hoje da Comissão Especial de Impeachment na Câmara dos Deputados em Brasília.

Emiliano José, que além de jornalista é ex-deputado federal e professor da instituição, contestou algumas declarações do vereador Fernando Carneiro e disse que “há um golpe em andamento no Brasil, articulado por setores que fizeram o golpe de 1964”.

O acadêmico insistiu na ideia de que o pedido de impeachment é um “ato golpista, que envolve boa parte do judiciário, setores do MPF [Ministério Público Federal]”. “É uma operação judicial seletiva que só encontra crime de um lado e procura criminalizar a maior liderança histórica do Brasil, que é Lula”, disse Emiliano José.

O segundo dia do ciclo de debates, nesta terça-feira (05), será no mesmo local, a partir das 18h30, no Centro de Salvador. Para a próxima mesa-redonda, está prevista a participação da historiadora e política filiada ao PT Selma Rocha, o  político Zé Maria Almeida , que foi candidato à presidência pelo PSTU nas eleições de 2014, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Paulo Rodrigues, e o jornalista e escritor José Arbex Jr. O ciclo de debates segue até a sexta-feira (8), no mesmo horário. 

*Com Agência Brasil


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