Judiciário se transformou em uma força partidária, diz cientista político

GilmarMendes
Os ministros Gilmar Mendes (esq.) e Celso de Mello durante sessão do Supremo Tribunal Federal. Foto: Fabio Pozzebom/Agência Brasil

Autor de uma tese sobre as crises políticas de 1992 e 2005, o cientista político Danilo Martuscelli sustenta que o momento atual é marcado por uma ofensiva coordenada de várias esferas do Estado (Ministério Público, Judiciário e setores do, Legislativo) contra o governo federal. O grande destaque cabe ao Judiciário, que, ao promover um combate seletivo à corrupção, acabou se convertendo em uma força partidária. O objetivo dessa ofensiva, segundo Martuscelli, é implementar um programa neoliberal extremado, com a supressão de direitos sociais e trabalhistas e a privatização de estatais.

Doutor em ciência política pela Unicamp e professor da Universidade Federal da Fronteira Sul, Martuscelli aponta que a frente oposicionista é liderada pelo capital financeiro, mas conseguiu atrair o apoio de parte do empresariado industrial e das classes médias. Enfrenta, porém, uma reação crescente dos sindicatos e movimentos sociais, que já perceberam que a tentativa de depor a presidenta abrirá caminho para um grande retrocesso nas conquistas da Constituição de 1988. Sua tese comparando as crises políticas que resultaram no impeachment de Fernando Collor, em 1992, e na reeleição de Lula, em 2006, foi publicada sob o título Crises Políticas e Capitalismo Neoliberal no Brasil (ed. CRV, 2015).

Brasileiros – O sr. estudou a crise de 1992, que levou ao afastamento de Collor, e a de 2005, que terminou com a reeleição de Lula. A crise atual tem se caracterizado por grandes manifestações, a favor e contra o impeachment. Por que tamanha cisão na sociedade?

Danilo Martuscelli – Essa cisão existe porque as forças políticas derrotadas nas eleições de 2014 não aceitaram o resultado das urnas e estão desde o primeiro dia pós-votação tentando inviabilizar o segundo governo Dilma. No fundo, essas eleições marcaram a disputa entre uma candidatura que se propunha a aprofundar a política neoliberal e barrar as reformas neste modelo de capitalismo (Aécio) e outra que apontava para a continuidade do processo de reformas do neoliberalismo (Dilma). A vitória apertada de Dilma sobre Aécio nessas eleições contribuiu para reforçar a ideia de que existia uma oposição forte à candidatura vitoriosa e forneceu combustível para a mídia corporativa e a oposição de direita organizar manifestações contra o governo eleito. A história recente nos ensina que eleições vencidas por pequena margem de votos (como foi o caso das pequenas diferenças que separaram Collor e Lula em 1989 e Dilma de Aécio em 2014) são propícias para fomentar a emergência de crises políticas. Ocorre que, na crise do governo Collor, as ruas não estavam cindidas. Além de ficar comprovado que Collor havia cometido crime de responsabilidade, o governo já se encontrava politicamente isolado quando começaram as mobilizações massivas no início do segundo semestre de 1992. A situação agora é distinta. O PT não é uma legenda de aluguel sem capilaridade política, como era o PRN de Collor. O PT tem uma história de quase 40 anos, possui vínculos com o movimento popular e sindical. Dilma pode estar com baixa popularidade, mas não há prova de que tenha cometido crime de responsabilidade. De acordo com a Constituição, um presidente não pode ser deposto porque tem baixa popularidade.

Brasileiros – Quais seriam as consequências da aprovação do impeachment?

Caso o Congresso aprove o impeachment de Dilma sem prova material de que ela tenha cometido crime de responsabilidade, estaremos diante de um golpe branco, cujos efeitos sobre a nossa já frágil democracia serão desastrosos. Acredito que a posição contrária ao impeachment tem ganhado força, não só por conta dos vínculos históricos que o PT conseguiu criar junto aos movimentos popular e sindical, mas porque amplos segmentos da sociedade não querem ver as conquistas democráticas serem golpeadas por forças interessadas em aprofundar o neoliberalismo no Brasil. Ou seja, a resistência ao impeachment é marcada também por um posicionamento difuso contra o neoliberalismo.

Após sua reeleição, Dilma implementou um ajuste fiscal ortodoxo preconizado por grande parte do empresariado e pelo PSDB. O que motivou o surgimento dessa enorme coalizão pró-impeachment, se o governo fez tantas concessões à oposição?

É certo que, desde que começou o segundo mandato, o governo Dilma vem implementando o programa de seu adversário. No entanto, é preciso considerar que, entre 2005 e 2013, os governos petistas implementaram uma série de medidas que resultaram num processo de reformas do neoliberalismo. É essa a marca distintiva dos governos petistas em relação aos governos tucanos e à oposição de direita. Algumas medidas fortaleceram a grande burguesia interna (construção civil, agronegócio, indústria naval, mineração), como as parcerias público-privadas, os desembolsos do BNDES para as grandes empresas tocarem obras como o PAC, o Minha Casa Minha Vida, a redução da taxa de juros, as desonerações das folhas de pagamento, o Programa de Investimento em Logística; e outras asseguraram concessões limitadas, mas significativas, aos trabalhadores, como a valorização do salário mínimo, a ampliação do emprego formal, a ampliação do crédito, o Bolsa Família, a política de cotas, a nova regulamentação do trabalho doméstico. É justamente contra essas reformas, especialmente aquelas ligadas à área social, que se voltam as forças que querem apear Dilma da Presidência.

Qual é a posição do empresariado diante do governo?

No interior das classes dominantes, observamos, antes mesmo das eleições de 2014, um processo progressivo de distanciamento de segmentos da grande burguesia interna em relação às políticas associadas às reformas do neoliberalismo. Amplos segmentos da grande burguesia interna foram atraídos pelo campo político rentista. Este é dirigido pela grande burguesia bancário-financeira nacional e internacional e conta com o apoio das camadas superiores das classes médias. O rentismo tem interesse em aprofundar a agenda neoliberal e aplicar as políticas de abertura econômica, de privatização e de redução de direitos sociais e trabalhistas. Ainda que possua contradições com o rentismo no que se refere a algumas políticas, a grande burguesia interna não quer “pagar o pato” pela crise, preferindo fazer resistências pontuais ao rentismo e unir-se a ele na luta contra os direitos sociais e trabalhistas. Não só a ofensiva do campo rentista alimentou esse realinhamento: o crescimento expressivo do número de greves nos últimos anos no País também contribuiu para isso. Essa grande burguesia interna é uma força socialmente conservadora, pois sempre encarou os direitos sociais e trabalhistas como encargos e entraves à competitividade. Nos tempos de bonança, quando o Estado fica com todo o ônus e o capital privado com todo o bônus, algumas concessões aos trabalhadores são permitidas. Nos tempos de vacas magras, nos quais o governo adota a política de enxugamento dos recursos destinados à grande burguesia interna, a alternativa é combater os direitos sociais.

Um dos fatores que alimentam a crise são as investigações seletivas do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário sobre doações eleitorais. É possível inferir que várias esferas do Estado vêm agindo de forma coordenada para depor o governo?   

Formou-se no País um grande consórcio constituído pela mídia corporativa, Ministério Público, Polícia Federal, Judiciário e partidos de oposição de direita, que quer não só derrubar a atual gestão, mas golpear a frágil democracia existente no País. Além de observarmos a seletividade das investigações, assistimos a uma verdadeira lógica de espetacularização das denúncias de corrupção. Antes mesmo de ser julgado, o denunciado sofre processo de linchamento midiático, tornando a denúncia quase a prova material ou mesmo a própria condenação do indiciado. Há nesse processo uma ampliação considerável do ativismo judicial, que, como se sabe, não possui a retaguarda do voto popular, o que o leva a recorrer à mídia corporativa para fabricar a opinião pública e conseguir dar legitimidade às suas ações. Boa parte dos entes desse consórcio não é eleita pelo voto popular, mas têm se apresentado como porta-voz de grupos e classes sociais desejosos de imprimir uma revanche política contra as forças sociais vitoriosas nas eleições de 2014. O Judiciário, que tende a se apresentar como o equilíbrio da balança, emerge nesse processo como uma força partidária. Um fato que não pode ser desconsiderado é que esse movimento seletivo de luta contra a corrupção não é seletivo quanto ao alvo, é seletivo também quanto ao programa de governo que quer implementar no Brasil: o programa neoliberal extremado.


Comentários

8 respostas para “Judiciário se transformou em uma força partidária, diz cientista político”

  1. A morosidade do STF é estratégica.

    Quem será meu próximo patrão?

    Porque o STF é ‘convenientemente dorminhoco’, arcaico, partidário, omisso e corrupto?

    STF não vai barrar o golpe. Ele faz parte do golpe.

    STF não nos representa! Precisamos destruir todos estes entulhos da ditadura!

    Precisamos construir um pais novo. Sem nenhum destes políticos e siglas que estão ilegalmente no poder! A realidade brasileira é uma e a política e os políticos, o judiciário, a mídia são outra…

    #todoscontraogolpe #DesobediênciaCivil

    Ocupar e Resistir!

    #PisaLigeiroTemer

    #BrasilEmChamas

    #OcupaCongresso! #ForaSTF!!!

    #FimDoPolíticoProfissional! #OGovernoSomosNósPovo

    #OcupaCâmara! #OcupaCongresso! #aGlobodeveserdestruida

    http://brasileiros.com.br/2016/04/judiciario-se-transformou-em-uma-forca-partidaria-diz-cientista-politico/

  2. Avatar de Carlos Frederico
    Carlos Frederico

    Todo ladrão é igual, tenta praticar o crime perfeito. Ontem em entrevista o ex. presidente do STF, ministro Sidney Sanches, que presidiu o julgamento de Collor tanto no senado quanto no STF, afirmou que há sem sombra de dúvida crime de responsabilidade, porém todo advogado de bandido costuma afirmar o contrário mesmo que as evidências e provas sejam claras. Danilo Martuscelli faz papel de advogado de bandido quando afirma, “Caso o Congresso aprove o impeachment de Dilma sem prova material de que ela tenha cometido crime de responsabilidade…” A desinformação contida neste pequeno trecho é tática de advogado de bandido barato, pois afirma o que não acontece, uma vez que há prova sim de crime de responsabilidade, ainda que como todo marginal experiente, tenha o Guido Mantega tentado ocultar “o cadáver” de sua delinquência financeira que ARRUINOU O BRASIL, NÃO CONSEGUIU. Dois outros ex. presidentes do STF fazem coro com o ministro Sidney Sanchez; Carlos Ayres Britto ( o presidente do mensalão que antecedeu Joaquim Barbos) e Carlos Veloso. De qualquer maneira, tendo chegado ao senado pode-se aditar ao processo muitas outras práticas de crimes desta irresponsável semi-idiota chamada Dilma.

  3. Avatar de Carlos Frederico
    Carlos Frederico

    ISTO É OBRA DE FICÇÃO OU O AUTOR DELIRA MAIS QUE DILMA ? ZYPREXA NELE, POIS SÓ SENDO ESQUIZOFRÊNICO PARANOIDE PARA CRIAR UMA NARRATIVA TÃO ESTÚPIDAMENTE ULTRAPASSADA. E PORQUE, ADMITINDO A HIPÓTESE DE “CONSPIRAÇÃO” NEOLIBERAL, NÃO HAVERIA NUM REGIME DEMOCRÁTICO, ESPAÇO PARA O NEOLIBERALISMO MAS PARA O COMUNISMO SIM ? QUE EU SAIBA O COMUNISMO SÓ PRODUZIU MISÉRIA E DEZENAS DE MILHÕES DE TORTURADOS MORTOS E PRESOS POLÍTICOS. CERCADOS QUE ESTAMOS, DE PARCEIROS DESTE GOVERNO E SUAS ROBUSTAS DEMOCRACIAS, TAIS COMO CUBA E VENEZUELA, VOCE VEM ME FALAR DE CONSPIRAÇÃO NEOLIBERAL E BLÁBLÁBLÁ ? É MUITA CARA DE PAU…., SE FOR UMA REAÇÃO NEOLIBERAL É ÓTIMO PORQUE TEMOS QUE RECUPERAR O ESPAÇO TOMADO PELA, ESSA SIM BEM VERDADEIRA, CONSPIRAÇÃO COMUNISTA DO FORO DE SÃO PAULO E ESSES MERDAS DE GOVERNOS COMUNISTAS BOLIVARIANOS. VÁ TIRAR A LEGITIMIDADE DOS OUTROS EM CUBA OU NA VENEZUELA, AQUI NÃO. PSEUDO INTELECTUAL É F@*@.

  4. Avatar de Álvaro Cavalcanti
    Álvaro Cavalcanti

    Ótimo texto.
    E esclarece bem que as dificuldades enfrentadas pelo governo do PT são consequências da onda do “quanto pior melhor” criada pela oposição da direita, os maiores corruptos, que engavetam todos os podres, empobrecem o país, e usam o cartel midiático para se apresentaram como os “bonzinhos”.
    Quem os defende ACHA que está ganhando alguma coisa com isso!

  5. É público e notório que todo esquerdista não quer ver o óbvio. O texto acima, cheio de querer mostrar uma visão empolada da atual situação política do nosso país, fala, fala, fala, mas foge totalmente das mazelas que o PT e aliados, desde que tomou o poder por meios ilícitos (mentiras, hipocrisias, falsidades, enganação) quais sejam: corrupção desenfreada em todos os níveis, aparelhamento total das entidades públicas, fortunas dadas para certos grupos sociais (para mantê-los no poder), total incompetência para administrar o país (desemprego galopante, inflação alta, consequente fechamento de indústrias, comércios, serviços, empobrecendo de vez o povo), total descontrole do câmbio, super aumento da dívida pública, endividamento das famílias. E falta total de querer, é lógico, admitir o total fracasso do que se propunha fazer para o povo, sempre, e como sempre, tentando colocar a culpa pelo fracasso nos outros, sempre os outros. Mas tudo isto está chegando ao fim, todo império, principalmente ou tão somente o do mal, um dia desmorona e leva todos os seus junto.

    1. Avatar de Claudio D'Amato
      Claudio D’Amato

      E por causa disso, que entre uma cambada cheia de crimes atribuídos a ele?

  6. Avatar de surfistadasestrelas
    surfistadasestrelas

    Boa argumentação, sem dúvida vivemos um momento difícil, onde seria necessária maior rapidez do STF, mas esse se recolhe ao seu pseudo republicanismo, enquanto a crise se aprofunda: ver casos de processos contra o Cunha e a nomeação de Lula.

    1. Avatar de Carlos Frederico
      Carlos Frederico

      Rapidez do STF pra quê ? pra julgar a penca de crimes praticados por Dilma ? Pra julgar o aliado do planalto Renan Calheiros ? ou quem sabe devolver para a justiça federal de Curitiba o ladrão do Lula ? A morosidade do STF é estratégica para Dilma e o PT. Os políticos que estão sendo julgados e tendo seus processos apreciados são de oposição, como Agripino maia e seu filho, Eduardo Cunha etc. E outra, que nomeação de Lula ? a que ele ganhou quando ao monitorar via ABIN a justiça federal do Paraná, descobriu que ia ser preso naquele dia ? A moprosidade de Teori que você reclama é a proteção da LADRÃO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.