O que explica o sucesso da Associação Miratus de Badminton? A resposta do criador, o técnico esportivo Sebastião Dias de Oliveira, 50 anos, vem com a calma de sempre. “Não tenho dúvida de que foi a dedicação de todos os que abraçaram a causa nesses 18 anos. O ditado ‘jamais deixe a peteca cair’ parece ter sido criado sob encomenda para nós em todos os sentidos.” Fato. Até meados dos anos 1990, o projeto, de prático, contava apenas com um brejo no número 452 da Estrada Comandante Luiz Souto, na Chacrinha, comunidade pobre de apenas cinco mil habitantes na divisa das áreas do Tanque (38 mil moradores) e Praça Seca (68 mil pessoas), em Jacarepaguá, zona oeste do Rio. Hoje, 18 anos após a inauguração, Oliveira e sua equipe se orgulham de atender 280 crianças e jovens numa estrutura com 1,5 mil metros quadrados de área e quatro quadras.
O projeto tem como base a prática do badminton, mas inclui alimentação, cursos de percussão, gastronomia informática e reforço escolar em português, matemática e inglês. Tudo sem cobrança. A Miratus tem alunos no topo do ranking de quase todas as categorias nacionais da modalidade. Seus atletas conquistaram mais de 60 medalhas internacionais. Dezesseis deles recebem bolsa-atleta do governo federal. O mais premiado, Ygor Coelho, 19 anos, filho de Oliveira, deve ser confirmado em maio para defender o Brasil na Rio 2016.
Mas o que fez uma associação de uma pequena favela carioca ser referência em um esporte surgido na Índia, popular em países asiáticos, mas restrito a espaços de elite no Brasil? A explicação está na trajetória de Oliveira, que costuma ser chamado de “visionário” e “milagroso” por executivos de seus 14 parceiros, entre eles Decathlon, Nissan, Oi, Artengo, Lamsa, GDF Suez, Ministério do Esporte, Governo do Estado do Rio de Janeiro e a ONG internacional Rise Up & Care.
Oliveira não conheceu o pai. Aos 6 anos, foi colocado na então Fundação Nacional pelo Bem-Estar do Menor, a Funabem. “Minha mãe foi obrigada a fazer isso pelo patrão, que era ministro”, conta ele. No internato, conheceu a malandragem pesada, mas ficou longe dela. “Não bebo e nunca usei nem vendi droga.” Lá, conheceu seu principal orientador, o “Mestre Isaías”, e o melhor amigo, Ramos (“coloca assim porque ele só gosta desse jeito”), hoje seu braço direito na associação.
Oliveira ficou na Funabem até os 18 anos. Aos 12, começou a passar as férias com a mãe, que largou o emprego e se mudou para uma casa alugada na Vila São Luís, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Para sustentar a casa, ela passou a trabalhar no depósito de Gramacho, o maior lixão da América Latina até ser desativado anos atrás. “Quando chegavam os caminhões dos grandes supermercados, a gente já sabia: era hora de disputar cabeça de peixe e sobra de comida com os urubus.” Ele se cala por alguns segundos. “O importante é que minha mãe está aqui comigo, linda e forte, o meu patrimônio.”
Com a ajuda e os conselhos de “Mestre Isaías”, Oliveira passou de interno a funcionário da Funabem. Virou técnico recreativo da fundação, função que ocupou até os 28 anos, quando foi trabalhar na área de Educação Física do Colégio Pedro II, um dos ícones da educação pública do Rio de Janeiro. A mudança de ares o fez pensar em deixar um legado mais profundo. “Refleti sobre o que tinha aprendido de bom na Funabem e as chances que a vida me deu de ganhar dinheiro e permanecer distante das coisas ruins. Foi quando decidi usar minhas economias para comprar o terreno onde havia aquele brejo, juntar uns amigos, fazer muito buraco e construir o embrião da Miratus.”
O badminton entrou na história algum tempo depois da construção dessa primeira estrutura. “Um professor do Pedro II chamado Mauro Raso Camargo apareceu certo dia com raquetes e petecas de badminton para brincar com amigos. Quando eu vi o grupo jogando, fiquei apaixonado.” Com a ajuda do professor, ele conseguiu o material e levou para a Chacrinha. Pronto: a criançada começou a fazer fila no final da tarde para jogar e a saída foi incluir o badminton entre as atividades de lazer. Ele chegou a desenvolver e patentear um método de desenvolvimento do esporte, o bamon, que utiliza cadências do samba para aprimorar a agilidade dos atletas. “Ba é de badminton, mo é de movimento – e esse n do final eu botei só para dar um charme”.
Das quadras para as telas
A trajetória de Sebastião Dias de Oliveira na Miratus ganhou uma versão para o cinema à altura de sua importância. Em 11 de agosto será lançado, no Rio de Janeiro, um trabalho envolvente sobre o projeto: o documentário Bad & the Birdieman. O filme detalha o esforço destemido de Oliveira, seus colaboradores e atletas pioneiros para transformar a associação, criada em uma comunidade pobre e pequena, numa fábrica de campeões de um esporte ainda distante da maioria dos brasileiros. “Fizemos de tudo para retratar o trabalho do Sebastião com a autenticidade e a emoção que eles merecem”, explica Luis Carlos Nascimento, diretor da Jabuti Filmes, produtora do filme.
“Bad & the Birdieman é incrivelmente poderoso”, entusiasma-se, de Atlanta, nos Estados Unidos, em entrevista à Brasileiros, o professor e pesquisador americano Kirk Bowman, um dos fundadores da organização sem fins lucrativos Rise Up & Care, financiadora do documentário. A Rise Up identifica e investe em projetos que usam o alto desempenho como ferramenta para transformar a vida de jovens e de suas comunidades. E utiliza o cinema e os veículos de comunicação para inspirar investidores públicos, privados e corporativos a apoiar essas histórias vencedoras.
“Tenho três partes favoritas”, destaca Bowman. “Adoro a forma como o filme documenta a longa amizade entre Sebastião e Ramos. Eles se conheceram ainda crianças na antiga Funabem, superaram adversidades incríveis e criaram um projeto social fantástico, que sobrevive há 18 anos. Gosto também do trecho que desvenda a técnica inovadora e criativa de uso do samba para treinar campeões de badminton. E, finalmente, amo a história de amizade e competição de dois meninos campeões, retratada com delicadeza e talento pela diretora”, conclui.
Bad & the Birdieman é o segundo documentário da Re-imagine Rio, série de documentários sobre movimentos sociais, culturais e esportivos transformadores no Rio de Janeiro, todos dirigidos por Kátia Lund, produzidos pela Jabuti e financiados pela Rise Up. Além dele, foram filmadas as ações do circo Crescer e Viver, na Praça Onze; do projeto musical Nós do Morro, do Vidigal; do Jongo da Serrinha, na região da escola de samba Império Serrano, no bairro de Madureira, zona norte da cidade (vários pesquisadores defendem que o samba veio do jongo); e do espaço de exibição de filmes alternativos Cinema Nosso, na Lapa.
Todos os filmes serão lançados no Brasil, dentro do Tamos Juntos Pop Up Film Festival, organizado pela Rise Up. No Rio de Janeiro, estarão em cartaz entre 11 e 31 de agosto deste ano. Nas outras capitais brasileiras, serão vistos entre 25 e 31 de agosto. E, a partir de 1º de setembro, chegarão em pelo menos dez cidades brasileiras do interior. Sem dúvida, vale a pena esperar para ver. Assista ao trailer:
Conheça o badminton
– O badminton é parecido com o tênis. As diferenças fundamentais estão no formato da raquete, com área de contato menor e cabo mais fino, e na peteca usada no lugar da bola. Pode ser jogado individualmente ou em duplas masculinas, femininas ou mistas. Sua prática exige muita resistência física, força, velocidade, reflexo e flexibilidade.
– Criado na Índia com o nome de poona, o esporte foi levado para a Inglaterra, na década de 1870, por oficiais ingleses que o conheceram no período de colonização.
– Na Inglaterra, o poona ganhou nova versão e foi rebatizado como badminton. O nome é uma referência às terras de Badminton, do duque de Beaufort’s, em Gloucestershire, onde o esporte começou a ser praticado em solo europeu.
– A peteca, chamada de volante ou birdie, tem 16 penas de ganso. A quadra oficial mede 13,4 metros de comprimento por 6,1 metros de largura. A rede, com 6,10 metros de comprimento e 75 centímetros de altura, é sustentada por dois postes de metal com 1,55 metro.
– Numa boa raquetada, a birdie pode ultrapassar facilmente a barreira dos 300 quilômetros por hora.
– O jogador consegue um ponto cada vez que consegue fazer a peteca tocar no outro lado da quadra. Peteca fora vale um ponto para o adversário. O jogo é disputado em melhor de três sets de 15 pontos para os homens e de 11 para as mulheres.
– A Federação Internacional de Badminton (IBF) foi criada em 1934 com oito membros: Canadá, Dinamarca, Escócia, França, Holanda, Inglaterra, Nova Zelândia e País de Gales.
n De lá para cá, o número de países cresceu bastante, especialmente após 1992, quando o esporte passou a olímpico nos Jogos de Barcelona. Atualmente, a IBF conta com 130 países-membros.
– Hoje, o badminton é um dos esportes mais praticados no mundo. Tem popularidade especial em Cingapura, Índia, Indonésia, China, Paquistão, Japão e Tailândia.
– Os principais torneios de badminton promovidos pela IBF são: Thomas Cup (campeonato mundial masculino de equipes), Uber Cup (campeonato mundial feminino de equipes), Sudirman Cup (equipes mistas), World Championship, World Juniors e World Grand Prix Finals.
– As competições mais importantes são o Campeonato Mundial e as Olimpíadas. O último Mundial foi realizado em agosto de 2015 na cidade de Jacarta, na Indonésia. O próximo será em 2017, em Glasgow, na Escócia.
– Em 1995 o badminton virou esporte pan-americano em Mar del Plata, na Argentina.
– O Brasil conquistou sua primeira medalha pan-americana de badminton em 2007, no Rio de Janeiro. Guilherme Kumasaka e Guilherme Pardo levaram o bronze na disputa de duplas masculinas.
– No Brasil, o esporte é gerido pela Confederação Brasileira de Badminton, a CBBd, Amapá, composta atualmente por 18 federações estaduais: Amapá, Amazonas, Brasília, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
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