Vai dar tempo?

Para Zahluth Bastos, da Unicamp, a crise econômica se agrava em caso de impeachment. Foto: Pedro Ferrarezi
Para Zahluth Bastos, da Unicamp, a crise econômica se agrava em caso de impeachment. Foto: Pedro Ferrarezi

Quem olha para os números da economia brasileira se arrepia. A taxa de trabalhadores ocupados em fevereiro caiu 3,6%, a massa salarial despencou 11,2% e o número de desocupados aumentou quase três milhões em 12 meses. O que ninguém ainda comenta é que a mudança de ministro da Fazenda, de Joaquim Levy para Nelson Barbosa, já surtiu efeitos. Alterações bem pontuais já teriam colocado o Brasil nos trilhos, mas a recuperação, lenta, pode não chegar a tempo de conter o impeachment. A avaliação é de Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor de Economia na Unicamp, que acredita no agravamento da crise econômica em caso de impedimento da presidenta Dilma Rousseff. O economista teme que a oposição – com ou sem o atual vice-presidente Michel Temer no comando – emplaque seu “programa”, que prevê cortes nas vinculações constitucionais para saúde e educação, privatização de estatais, aumento da idade mínima para aposentadoria e eliminação de alguns direitos trabalhistas. Tudo isso, explica ele, provocará “muita instabilidade política”, agravando a atual recessão.

A despeito de ter ajudado a acentuar a crise, a Operação Lava Jato poderia contribuir muito para tornar o Estado brasileiro mais republicano. Na avaliação de Zahluth Bastos, contudo, “a instrumentalização e a seletividade política” das investigações parecem antirrepublicanas, “assim como o desrespeito ao devido processo judicial e às garantias individuais”.

Brasileiros – O senhor diz que a economia brasileira já vinha desacelerando desde 2010, mas a situação piorou muito com o ajuste fiscal do ex-ministro Joaquim Levy?  
Pedro Paulo Zahluth Bastos – Há o esgotamento de um ciclo de consumo caracterizado pelo aumento do emprego, da renda e do crédito para milhões de brasileiros que ingressaram no mercado de consumo de massas na última década, e para outros tantos que ampliaram suas rendas e dívidas. A construção residencial também foi sustentada pelo aumento do endividamento familiar e, depois dessa expansão, é normal uma desaceleração de novas decisões de gasto enquanto as dívidas são pagas. O investimento mais autônomo em infraestrutura aumentou no governo Dilma por conta de concessões, mas o investimento público caiu em parte porque o governo preferiu ampliar subsídios e desonerações. Sem demanda extra, as empresas não investiram. Assim, tínhamos em 2014 uma desaceleração cíclica que foi agravada, em 2015, por uma política econômica completamente equivocada, pela Lava Jato e pela queda do preço das commodities. Em 2015, era necessário que o governo cortasse desonerações e subsídios, mas retomasse o investimento para evitar que a desaceleração cíclica se aprofundasse. Ao contrário, o governo cortou ambos. Isso foi decisivo para jogar o sentimento de empresários e consumidores para o terreno do pessimismo, levando-os a cortar seus próprios gastos e, assim, reduzir a arrecadação tributária. Vendo-a despencar, o ex-ministro Levy acentuou o círculo vicioso com novos cortes: o das despesas do Tesouro chegou a quase 1% do PIB. Além disso, houve elevação de impostos na mesma proporção, corte do investimento das estatais, encarecimento do crédito dos bancos públicos e reajuste abrupto de preços administrados. Para completar o pacote recessivo, o Banco Central elevou as taxas de juros.

A produção industrial cresceu 0,4% em janeiro, as exportações tiveram um aumento real de 4,6% em fevereiro, a inflação cedeu um pouco. Há indícios de que a recuperação está começando?
A recuperação ainda não começou porque o aumento do desemprego e sua ameaça ainda determinam nova contração do consumo e do investimento. Emprego, renda média e massa salarial continuam caindo em 2016: pela pesquisa mensal de emprego, em 12 meses completados em fevereiro, a taxa de ocupação caiu 3,6% e a massa salarial recuou 11,2%. Quem vai se endividar para consumir nessas condições? Por que as empresas investiriam? Em curto prazo, exportações e substituição de importações podem contribuir um pouco, mas sem compensar a retração do mercado interno. O valor das exportações industriais caiu 15% em 2015. Contudo, em dados de 12 meses, as exportações voltaram a crescer 4% em fevereiro de 2016, o que não acontecia desde agosto de 2014. Muitas empresas buscam compensar a retração do mercado interno exportando mais. Como o mercado interno é muito mais importante que as exportações, continuaremos tendo retração no agregado enquanto o mercado interno não se recuperar, o que ainda demorará algum tempo, tanto mais se demorar a reversão da política pró-cíclica. Quanto à estabilização da indústria em janeiro, ela reflete um ajuste da produção diante da necessidade de recompor estoques, que caíram 20% nos últimos sete meses. Ainda não parece significar a chegada ao fundo do poço.

Houve alguma mudança na condução da política econômica sob Nelson Barbosa? 
Sim, embora ainda de modo tímido. O primeiro movimento foi expandir o crédito público para permitir uma rolagem das dívidas vincendas mais ordenadas, ao invés da desordem que leva à inadimplência e a falências. O segundo movimento, em fevereiro, foi criar uma banda para o déficit primário em razão da frustração de receitas, o que poderia levar o déficit a até R$ 60 bilhões com frustração de receitas estimada em até R$ 84 bilhões. O terceiro, em 23 de março, foi reverter o contingenciamento de R$ 24 bilhões, anunciado em fevereiro, para R$ 3 bilhões e aumentar a previsão da frustração de receitas de modo que a banda para o resultado fiscal admitisse um déficit primário de até R$ 96,650 bilhões, 1,55% do PIB. É uma mudança de orientação em relação ao fanatismo incompetente de Levy, que reagia à recessão e à queda de arrecadação com novos cortes, empurrando a economia para o círculo vicioso da depressão.

O que o governo poderia fazer para acelerar a retomada do crescimento?
Para evitar o agravamento da situação, não se pode esperar por uma recuperação puxada pelas exportações, que reagem muito lentamente. Além de realizar uma política fiscal contracíclica, é preciso seguir o conselho do economista-chefe da Standard & Poor’s, que sugeriu o corte de taxas de juros para 7,5%. Dada a contração do emprego e dos salários, tamanho corte não prejudicaria a desinflação, mas reduziria a taxa de crescimento da dívida pública e facilitaria uma lenta recuperação do crédito ao setor privado.

Por que essas medidas não têm sido adotadas? Quem se opõe a uma política anticíclica?
Quem se coloca contra são: primeiro, os políticos da oposição para os quais “quanto pior, melhor”; segundo, por políticos da oposição ou da base de apoio conservadora que rejeitam a elevação de impostos sobre os ricos e querem, ao contrário, aproveitar a crise como uma oportunidade para realizar um projeto antigo de corte de direitos sociais e privatizações de empresas públicas. Eles são acompanhados por parte do empresariado (sobretudo do sistema financeiro), muito embora o governo tenha atendido à recomendação dos economistas do mercado financeiro com aumento dos juros e cortes enormes do gasto público, e agora com promessas de nova reforma da Previdência e mais cortes de gastos. Isso não satisfaz, pois o objetivo é mudar a Constituição de 1988 radicalmente.

No cenário atual, existe uma grande incerteza sobre quem ocupará o governo num futuro próximo. Caso Dilma consiga ficar no cargo, o que se pode esperar?
Se Dilma permanecer, há sinalizações de mudanças pontuais na Fazenda, aparentemente sob a pressão influente de Lula. Hoje, não é claro que as mudanças na meta fiscal para 2016 chegarão a ser apreciadas pelo Congresso. Não creio que o governo pressionaria o Banco Central a realizar o que ele já deveria ter feito há muito tempo: reduzir a maior taxa de juros do mundo.

E quais as perspectivas para a economia caso o vice-presidente, Michel Temer, assuma ou um político da oposição venha a ser eleito nos próximos meses?
O PMDB apresentou em novembro de 2015 o programa para o governo Temer: o documento “Uma Ponte para o Futuro”. Esse programa parece unificar um bloco com o PSDB e partidos conservadores menores, mas nada dele foi anunciado na campanha de 2014, pois seria rejeitado pela população. O argumento de que Dilma realizou um estelionato eleitoral é manipulado por políticos que, se houver um impeachment, querem fazer um estelionato muito maior. Seu objetivo é bastante ambicioso: cortar vinculações obrigatórias para saúde ou educação, privatizar empresas estatais, entregar o pré-sal para empresas estrangeiras, aumentar a idade mínima para aposentadoria, eliminar direitos trabalhistas e romper com a regra de reajuste do salário mínimo. Do ponto de vista político, os objetivos desse bloco parecem ser aprisionar Lula ou, pelo menos, torná-lo um político ficha-suja. Se possível, cassar o registro do PT. O ideal é abafar a Lava Jato, na qual muitos são investigados. Junto com as mudanças constitucionais, a tentativa de realização desses objetivos levará a muita instabilidade política, o que pode agravar a recessão, a não ser que sejamos agraciados, em 2017, com um milagre exportador determinado pela recuperação da economia mundial. Se houver estabilidade política para construir a tal Ponte para o Futuro, sua meta fundamental é substituir um modelo de crescimento orientado para o mercado interno por outro orientado prioritariamente para o mercado internacional. Para isso, consideram essencial reduzir custos salariais diretos e indiretos. Com isso, imagina-se que a realização de tratados comerciais transcontinentais tendo por eixo os EUA atrairia grandes corporações. Não foi o que ocorreu na década de 1990. Como sempre ocorre em propostas neoliberais em países periféricos, assegura-se apenas a inclusão de uma parcela minoritária da população no mercado global e gera-se enorme instabilidade econômica, política e social. Dadas as características continentais do Brasil e o tamanho de seu mercado interno, não há qualquer necessidade técnica de seguir nessa linha de integração global subordinada: trata-se só de opção política. Se esse projeto neoliberal vencer no Brasil não por meio de eleições, mas com base em um impeachment com tese frágil, a crise fiscal aprofundada pela opção de austeridade será pretexto para uma mudança radical da inserção internacional do País, do modelo de desenvolvimento brasileiro, com limitações à soberania nacional, grande concentração da renda e forte dependência do mercado internacional. A meu ver, uma tragédia, algo muito longe de restaurar qualquer estabilidade econômica, política e social no País.

Qual tem sido o impacto da Operação Lava Jato sobre o setor produtivo brasileiro? 
A Lava Jato é muito importante para tornar o Estado mais republicano. No entanto, a instrumentalização e a seletividade política das investigações parecem ser antirrepublicanas, assim como o desrespeito ao devido processo judicial e às garantias individuais como a da não culpabilidade, através de prisões e conduções coercitivas espetaclres e vazadas para a imprensa, gravações ilegais também vazadas, prisões temporárias que se estendem indefinidamente como forma de chantagem para extração de delações premiadas. Muitas das delações têm baixíssima credibilidade e, portanto, no mínimo deveriam ser confidenciais, para não provocar enormes danos àqueles acusados injustamente, sobretudo quando há objetivos políticos entre os acusadores ou entre os servidores que vazam acusações indevida e seletivamente. Para mitigar os efeitos econômicos da Lava Jato, seria importante realizar rapidamente acordos de leniência, que permitissem às empresas participarem de obras e licitações sem prejuízo do processo criminal contra seus acionistas e diretores. É estranho que procuradores da Lava Jato tenham se colocado contra acordos. O que querem? Quebrar as empresas, transferir seu controle a grupos estrangeiros ou punir acionistas e diretores corruptos? O mesmo pode ser perguntado à Petrobras, que unilateralmente interrompeu novas contratações das empresas de construção envolvidas na operação. Parte importante das dificuldades de crédito das grandes empresas de construção resulta da decisão precitada da Petrobras e da lentidão dos acordos de leniência. De todo modo, é importante não exagerar o papel da Lava Jato na crise econômica. Seu impacto mais importante é indireto: ela gerou enorme instabilidade política, o que dificulta a definição de políticas de saída da crise e reforça a incerteza empresarial.


Comentários

Uma resposta para “Vai dar tempo?”

  1. Avatar de Bernardo Costa
    Bernardo Costa

    Não entendi. Como assim vai dar tempo ? A entrevista deve ter sido feita coisa de um a dois meses atrás. Depois que o impeachment foi aprovado na câmara, não tem mais como falar em governo Dilma. Esse não será mais salvo. A questão é saber se vamos com Temer até 2018 ou não e, no segundo caso, se vai ter outra eleição para presidente este ano ou ela vai ser feita na via indireta, depois do final do ano. Em nenhuma das hipóteses descritas, haverá continuidade do trabalho de Barbosa.

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