A imprensa brasileira (com “i” minúsculo, por favor) entrou agora na fase de ignorar declarações da presidente Dilma Rousseff.
Bem, não é de agora que certos veículos, tais como Veja, só publicam a seu respeito o que for negativo. Prova é que, há uns dois anos, quando lancei O cofre do Adhemar, o Lauro Jardim, então na revista da Abril se interessou em publicar uma nota na sua coluna. “Conta o que tem no livro” ele pediu.
Eu disse que ela não tinha feito nenhum assalto, não tinha participado do roubo do cofre do Adhemar, mas havia episódios inéditos. Por exemplo: para tirar um sarro do Carlos Lamarca, de quem divergia politicamente, durante o Congresso de Petrópolis, em que se discutia os rumos da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) ela cantou para ele uma paródia do “País Tropical” que na época estourava nas rádios na voz de Wilson Simonal, que ela mesma compôs: “Este/ é um congresso tropical/ abençoado por Lênin/ e confuso por natureza”.
“Não interessa”, disse ele. “Se tiver alguma coisa contra ela, me avisa”.
Mas agora a coisa ultrapassou todos os limites. Qualquer coisa que o Eduardo Cunha ou Michel Temer sussurrem ganha manchetes, mas Dilma é ignorada.
O exemplo mais gritante aconteceu no fim de semana passado.
Ela foi a Nova York falar na ONU onde haveria reunião dos principais líderes mundiais a respeito do clima.
Logo se especulou que ela aproveitaria o plenário para denunciar o golpe de Cunha e de Temer. E os moralistas de plantão vieram com avisos. Celso de Mello, o eterno decano do STF advertiu que se ela fizesse isso faria muito mal ao Brasil, principalmente porque estava errada ao chamar o impeachment de golpe.
Michel Temer ficou preocupado com a possível repercussão. Resolveu falar a alguns correspondentes internacionais antes dela, como uma espécie de vacina.
A Câmara, certamente preocupada com a imagem do Brasil, escalou e pagou passagens e estadias para dois deputados “acompanharem as declarações da Dilma”.
Até mesmo os lunáticos do MBL viajaram até lá (com que grana?) a fim de fazerem contraponto aos ataques de Dilma.
Na hora do vamos ver, ela só tocou de leve no tema na ONU, disse que a situação era grave e tal, mas não falou em golpe.
Eu sabia, porém, que depois de falar na ONU ela daria uma coletiva e aí sim o golpe estaria em pauta. Passei o fim de semana todo procurando essas declarações nos sites – porque os jornais não leio mais – e nas tevês e não encontrei nada.
Pensei até que ela tinha recuado, cancelado a tal coletiva.
Somente hoje liguei por acaso a NBR, aquela emissora que existe, mas falta avisar aos brasileiros e me deparei com uma entrevista feita num cenário mequetrefe – num jardim, com tijolinhos vermelhos ao fundo.
O lugar era tão precário que a certa altura a sirene de uma ambulância ou do corpo de bombeiros encobriu suas palavras.
De qualquer maneira, cenário mequetrefe ou não, ela disse algumas coisas que jamais tinha dito antes. Referiu-se, por exemplo, às declarações tanto de Celso de Mello quanto de Temer antes da sua viagem e disparou: “Sabem por que eles temem ser chamados de golpistas? Porque são”.
Quase ela diz “Temer” em vez de “temem”.
Em condições normais de tempo e de temperatura qualquer editor de nível médio colocaria isso na manchete do seu jornal. Mas os jornais não deram nem tchuns.
Outra boa declaração: alguém perguntou por que ela falava em golpe se não havia militares nem armas na parada.
“A arma mais poderosa de um golpe é a mão. Basta rasgar a constituição e pronto”. Essa também daria uma boa manchete, mas não interessou.
Sabem por que os editores ignoram a presidente? Porque são golpistas.
Deixe um comentário