“É hoje a consulta com o novo psiquiatra. Embirro com psiquiatras, psicólogos e afins. Vai ouvir-me falar durante meia dúzia de minutos. Vou ter de resumir a minha tristeza e solidão em frases contidas, curtas, concisas. Ainda não sei se hei-de falar da frigidez. Não é fácil confessar-me assim, feita de gelo.”
Resultado de oito anos de postagens no blog de mesmo nome, este livro de classificação difícil é o diário íntimo de uma mulher que vive entre o trabalho e o cuidado com os filhos, ao mesmo tempo que se debate com a falta de desejo e os anseios por novas possibilidades de vida.
Com sua escrita confessional, bipolar, que vai do encantamento com os filhos (ela tem três) à sofrida recusa do próprio corpo, a advogada Ana Cássia Rebelo tornou-se sensação em Portugal, tendo sido comparada ao heterônimo Bernardo Soares, de Fernando Pessoa, autor do Livro
do Desassossego.
Ana de Amsterdam
Ana Cássia Rebelo
Biblioteca Azul, 192 páginas
“Os gritos no playground são agudos e abundantes. (…) As crianças se entregam à brincadeira, amedrontadas com a chance de serem descobertas, sem se dar conta da vida. A vida é pior, elas não calculam. Mas o sol se põe e a escuridão as varre de lá. A brincadeira acaba e meu cigarro também.”
Isabela nasceu em Belo Horizonte, em 1980. Formada em Jornalismo, é mestre em Criação Literária pela Universidade Brunel, em Londres, onde recebeu o Curtis Brown Prize, justamente pelo projeto deste Resta Um. É autora também do infantil Adeus é para Super-Heróis, vencedor do prêmio Barco a Vapor.
A pequena Amélia desaparece sem deixar rastros. Sua mãe, Lúcia, respeitada professora de Matemática na Universidade de São Paulo, não mede esforços para encontrá-la. Anos depois, quando
já não parece haver mais nenhuma chance de sucesso na busca, um e-mail muda completamente a situação.
Resta um
Isabela Noronha
Companhia das Letras, 304 páginas
“Dói ver os seres humanos, que ignoram a desertificação crescente que sufoca o espírito, consagrarem-se exclusivamente a acumular dinheiro e poder. Dói ver triunfarem, nas redes de televisão e na mídia, as novas representações do sucesso, encarnadas no empresário que consegue criar um império blefando.”
Manifesto em defesa da arte e do espírito, em oposição ao culto da posse e à lógica utilitarista. Para isso, o autor se vale de citações preciosas, que vão dos filósofos Platão, Aristóteles, Montaigne e Kant aos escritores Baudelaire, Dickens, Garcia Lorca, Italo Calvino e David Foster Wallace.
Ordine, nascido em Diamante, na Itália, em 1958, é professor de Literatura Italiana na Universidade da Calábria. Publicou três livros sobre o teólogo e filósofo Giordano Bruno, dois deles lançados no Brasil: A Cabala do Asno (Educs, 2006) e O Umbral da Sombra (Perspectiva, 2009).
A utilidade do inútil
Núcleo Ordine
Tradução de Luiz Carlos Bombassaro
Zahar, 224 páginas
“A babá de Patrick tinha morrido. Uma amiga de sua mãe dissera que ela fora para o céu, mas Patrick esteve presente e sabia muito bem que eles a colocaram numa caixa de madeira e a meteram num buraco. O céu ficava do outro lado, e isso significava que a mulher estava mentindo.”
Reunião dos três primeiros romances protagonizados pelo personagem do título: Não Importa, Más Notícias e Alguma Esperança. Herdeiro da nobreza britânica, Patrick sofre abusos nas mãos do pai, um médico sádico, e segue os passos da mãe, uma rica americana alcoólatra, ao se viciar em heroína.
Em grande parte inspirados na vida do autor, que assim exorciza seus demônios, os cinco romances de Patrick Melrose (um segundo volume será lançado) foram publicados entre 1992 e 2011, tendo recebido críticas elogiosas na Europa e nos EUA – o quarto deles, O Leite da Mãe, foi indicado para o Man Booker Prize.
Romances de Patrick Melrose
Edward St.Aubyn
Tradução de Sara Grunhagen
Companhia das Letras, 488 páginas
“Os golpes vêm um atrás do outro. O primeiro, na orelha, ressoa alto como uma onda contra uma rocha; depois na testa, no rosto, no pescoço. Por um momento eles param, quando Kawsar agarra as mãos da policial Adan Ali, mas depois de alguns instantes recomeçam.”
Hargeisa, 1987. As histórias de três mulheres de classes sociais e gerações diferentes se entrelaçam em meio ao início da guerra civil na Somália, que se estende até hoje. Kawsar é uma viúva em luto pela morte da filha; a menina Deqo vive num campo de refugiados; e Filsan é uma soldado da ditadura militar.
Nadifa nasceu em Hargeisa, segunda maior cidade da Somália, em 1981, mas aos cinco anos foi para Londres, onde a família acabou se fixando, por conta da guerra civil. Em 2009 lançou Black Mamba Boy, e em 2013 ficou entre os 20 melhores jovens escritores britânicos escolhidos pela revista Granta.
O Pomar das Almas Perdidas
Nadifa Mohamed
Tradução de Otacílio Nunes
Tordesilhas, 296 página
“Ando com muita preguiça. Aquela vontade de fazer nada. Olhar as coisas e considerá-las sem ênfase, como queria Drummond. A preguiça regenera a alma e o corpo. A iluminação súbita de que nada vale a pena, nada vale o nosso esforço, pelo menos agora. Por que não daqui a pouco?”
Tezza é de Lages, em Santa Catarina, mas logo aos 8 anos (nasceu em 1952) foi com a família para Curitiba, onde vive. Doutor em letras pela USP, escreveu cerca de 20 livros e já foi publicado em 18 países. Venceu duas vezes o prêmio Jabuti e uma vez o Portugal Telecom, entre outros.
Segundo volume das crônicas escritas pelo autor para o jornal paranaense Gazeta do Povo. Publicadas entre 2012 e 2014, trazem reflexões sobre literatura, política e vida pessoal. Ao final, no ensaio “Discurso Contra o Autor”, Tezza parte de dois textos de Machado de Assis para tentar definir a crônica.
A Máquina de Caminhar
Cristóvão Tezza
Record, 192 páginas
“Durante muito tempo, permaneci apenas sob a superfície do sono, quando então mergulhei num pesadelo como se adentrasse uma daquelas piscinas profundas e repletas de trutas que encontramos nos rios imaginários de Hemingway. Um ex-namorado meu estava prestes a se enforcar.”
Mesclando ensaio, memória e biografia literária, a autora busca na trajetória de seis escritores os elementos comuns que estabelecem a frutífera e “maldita” relação entre alcoolismo e literatura. São eles: Fitzgerald, Hemingway, Tennessee Williams, Cheever, Carver e o poeta John Berryman.
Inglesa, Laing foi bastante elogiada por To the River, em que descreve sua viagem pelo rio onde Virginia Woolf se afogou. Também autora do recente The Lonely City, sobre a solidão através da arte, escreve para vários veículos, como The Guardian e The New York Times.
Viagem ao Redor da Garrafa
Olivia Laing
Tradução de Hugo Langone
Anfiteatro, 320 páginas
“Eu me pergunto se não seria possível tentar classificar as sociedades de acordo com o destino que reservam não aos defuntos, mas aos vivos dos quais querem se livrar, da maneira que elas controlam aqueles que tentam escapar ao poder, como reagem àqueles que transgridem, infringem ou evitam as leis.”
Transcrição de 13 aulas ministradas no Collège de France no primeiro semestre de 1973, nas quais o autor examina como foram forjadas as relações entre justiça e verdade que regem o direito penal moderno. Com material inédito, este livro serviu como ensaio para o clássico Vigiar e Punir.
Paul-Michel Foucault (1926-1984) nasceu em Poitiers, na França. Um dos mais influentes pensadores do século XX , publicou, entre outros, História da Loucura na Idade Clássica, História da Sexualidade, As Palavras e as Coisas, Nascimento da Biopolítica e Do Governo dos Vivos.
A Sociedade Punitiva
Michel Foucault
Tradução de Ivone C. Benedetti
Martins Fontes, 328 páginas
Deixe um comentário