Tudo a Temer; tudo a temer

Temer rompeu com Dilma diante da pior crise política dos últimos tempos - Foto: EBC
Temer rompeu com Dilma diante da pior crise política dos últimos tempos – Foto: EBC

A condução coercitiva da qual o ex-ministro Guido Mantega foi vítima na segunda-feira é mais um capítulo do lusco-fusco democrático que está sendo imposto ao país pelas forças que trabalham para derrubar a presidente Dilma e substituí-la pelo infame Michel Temer.

É mais uma provocação da direita com o objetivo de criar um clima de criminalização da esquerda e de insegurança geral, uma espécie de ensaio para o golpe de verdade que se aproxima.

Mais um factoide com embalagem legal, pois tem autorização de um juiz, mais uma evidência de que os direitos previstos na constituição estão virando letra morta.

Num legítimo estado de direito ninguém pode ser conduzido dessa forma para prestar esclarecimentos sem que tenha se recusado a fazê-lo, o que, mais uma vez aconteceu com duas agravantes: a informação foi antecipada, no domingo, pelo site O Antagonista, cujo título, por si, revela sua preocupação não com o jornalismo, mas com o panfleto, numa clara violação do sigilo que deveria presidir esse tipo de procedimento da Polícia Federal; e sua efetivação, não por coincidência, às vésperas de outro acontecimento aparentemente legal, que é a votação espúria do processo de afastamento da presidente da República.

Mantega, à parte ter sido o ministro da Fazenda mais longevo dos governos Lula-Dilma sempre foi um homem de esquerda, cuja integridade jamais foi arranhada, desde os tempos da ditadura, quando participou dos quadros da imprensa alternativa integrando o conselho editorial do Jornal “Em Tempo”.

A acusação de um delator a que foi instado a responder – a de usar o cargo de ministro para obter financiamento para campanhas eleitorais – é totalmente improvável e inimaginável, será derrubada facilmente no decorrer do processo, mas o contexto que ganhou – um ex-ministro do PT conduzido à força numa viatura policial – serviu para mais uma vez iludir a opinião pública com a ideia de que alguma coisa ele fez de errado para que isso acontecesse e convencê-la de que, por mais esse “motivo”, a presidente não tem condições de continuar governando o país.

Depois de 13 anos de governos de esquerda, a direita, sem enxergar no horizonte qualquer possibilidade de vencer eleições nas urnas, como indicam as pesquisas para 2018, capitaneada pelo maior e mais corrupto partido do país, como mostram as ações penais em curso no STF,  o PMDB, decidiu retomar o poder pela força, não pela força dos canhões, com os quais não pode contar, mas com a força da transgressão da nossa carta magna e a colaboração resoluta da Justiça, seja a de primeira instância, sob as rédeas de Sérgio Moro, seja a de última instância, cujas decisões tardias deram ensejo à instalação de um impeachment sem crime de responsabilidade e sem que seus titulares se pronunciassem oficialmente acerca de seu teor.

O golpe de força está no seu preâmbulo, está em marcha, mas ainda não se completou. Foi colocado de pé graças a um vice-presidente da República travestido de constitucionalista, que assumiu o papel, primeiramente, de traidor do governo pelo qual se elegeu – e não traidor apenas de uma presidente da República – e, em seguida, de comandante de uma operação ilegal que está se revelando desastrada desde o início, mas que envolve o país num clima de temor.

Se os direitos individuais até da presidente da República foram revogados, tudo pode acontecer com qualquer um de nós. Sob a capa de “constitucionalista”, esconde-se uma personalidade autoritária e policialesca de quem foi secretário de Segurança Pública de São Paulo, de quem há 10 anos comanda o PMDB, sucedendo Orestes Quércia e de quem, não por acaso, ganhou, de outro golpista, de 64, o baiano Antônio Carlos Magalhães, o “Toninho Malvadeza” o apelido de “mordomo de filme de terror”.

Está ficando evidente que seu componente autoritário fala muito mais forte que o constitucionalista, cada vez mais apagado. Se obedecesse à constituição, como apregoa, teria ficado ao menos neutro em relação às acusações infundadas contra a presidente quando essa marcha da insensatez foi deflagrada e jamais ter se empenhado em angariar votos para derrubá-la, como ocorreu na Câmara e ocorre agora no Senado.

Se obedecesse à Constituição, segundo a qual ele é, por enquanto um mero substituto, por 180 dias, não estaria, desde já formando um governo próprio, atravessaria esse período com o ministério atual, tocando os projetos em andamento e só depois de seu afastamento definitivo trastaria de compor um ministério com suas digitais e sua agenda.

Nenhuma de suas atitudes revela o perfil de constitucionalista que tenta impor à opinião pública com a colaboração da imprensa conivente. Não bastassem as provocações, às quais jamais se opôs, sua intenção, e de seu grupo é submeter o país desde já a uma agenda de sacrifícios da classe trabalhadora cujas consequências já se desenham no horizonte, pois os trabalhadores não vão assistir de braços cruzados aos cortes de seus rendimentos e de suas aposentadorias.

Não é preciso ter clarividência para prever os protestos que poderão resultar em conflitos de rua de grandes proporções. O “remédio” para tais conflitos está previsto no artigo 136 da Constituição, o chamado “estado de defesa” que acaba com os direitos de reunião, de sigilo da correspondência e das comunicações (institucionalizando o grampo) e autoriza prisões por “crimes contra o estado”, nas primeiras 24 horas sem autorização do Congresso Nacional. Com ela, o período de vigência pode chegar a 30 dias, prorrogáveis, o que não será difícil obter já que o vice é o presidente do Senado e do Congresso Nacional.

Esse é o roteiro que se desenha em direção ao golpe de verdade, provocado por um impeachment fora da lei, um presidente substituto que se arroga em definitivo à frente de um programa de arrocho dos trabalhadores. Um processo que começa de forma espúria, continua espúrio e termina espúrio.

Se todo poder for dado a Temer, temos tudo a temer.


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