Ruim de voto, bom de gabinete

De mordomo a protagonista - Michel Temer, que recebeu o "apelido" de Antônio Carlos Magalhães, agora quer ser a estrela do espetáculo - Foto: Divulgação
De mordomo a protagonista – Michel Temer, que recebeu o “apelido” de Antônio Carlos Magalhães, agora quer ser a estrela do espetáculo – Foto: Divulgação

Foram seis anos de uma aliança conveniente e perigosa. O rompimento se deu nos últimos dias de março, quando os peemedebistas, por aclamação, romperam oficialmente com o governo. Michel Temer, vice-presidente de Dilma Rousseff, naturalmente não participou da reunião da ruptura. Contou que não pretendia “influenciar” na decisão. No entanto, há quem diga que “Temer não conspira, tem quem conspire por ele”.

Michel Temer tem 73 anos, é advogado pela USP, onde fez doutorado e especializou-se em Direito Constitucional. Formado, montou escritório de advocacia com Celso Bandeira de Mello, Dalmo Dallari e Geraldo Nogueira. Também dirigiu o curso de pós-graduação da PUC de São Paulo, onde deu aulas para o ex-ministro Ayres Britto e para o atual ministro Edson Fachin, ambos do Supremo Tribunal Federal. “É confortador saber que o vice-presidente da República é um constitucionalista dos bons. É um homem sereno, sensato”, declarou recentemente Ayres Britto. Seu livro Elementos de Direito Constitucional, que está na 24ª edição, continua uma referência para os universitários. O vice-presidente também gosta de escrever poemas e aforismos. Em Anônima Identidade, lançado em 2012, entrega seu lado parnasiano.

Desde 1980, Temer acumula cargos institucionais, sempre no PMDB. No entanto, sua baixa expressividade política é histórica. Nos anos 1960, candidatou-se a presidente do centro acadêmico da Faculdade do Largo São Francisco. Perdeu. Em 1986, concorreu ao cargo de deputado federal constituinte. Teve quase 44 mil votos e entrou como suplente – no ano seguinte, assumiu uma vaga na Constituinte e fez parte da comissão que elaborou a Constituição. Mais tarde, em 1990, tentou se reeleger, mas ficou, novamente, com outra suplência. Em 1994, conseguiu 70 mil votos e, pela primeira vez, embarcou na Câmara com sua própria votação. 

Desde 2010, ocupa a cadeira de vice-presidente da República – desde que as eleições diretas para presidente foram retomadas, o PMDB entrava no governo pela porta da frente. Era a maior bancada no Senado e a segunda maior na Câmara. Mas ao que tudo indica, Temer continua rejeitado como liderança política. De acordo com pesquisa do Ibope, divulgada no final de abril, apenas 8% dos entrevistados se sentem representados por Temer no lugar da presidenta Dilma Rousseff. Uma poderosa maioria de 62% acha que a solução ideal seriam novas eleições.

Mesmo dentro do PMDB, raramente é apontado como expoente, muitas vezes visto como “sombra” de José Sarney e Romero Jucá. “A grande vantagem do Temer em relação a outros políticos é que ele escuta cada parlamentar, conversa com cada um. E isso não é de hoje. Essa prática dá uma segurança durante uma negociação com ele”, afirma o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), um dos articuladores do processo de impeachment da presidenta Dilma.

De fato, seu gabinete no Palácio do Jaburu é bastante movimentado. Eduardo Cunha, presidente da Câmara, por exemplo, costuma chegar sem avisar. E, claro, é atendido. “É um homem difícil de controlar”, chegou a admitir Temer a aliados. Essa constante agitação chamou a atenção do governo e, em agosto do ano passado, depois de uma conversa com a presidenta Dilma, Temer deixou de negociar, em nome do Palácio do Planalto, cargos e emendas parlamentares com a base governista. Naquele dia, no entanto, teria assumido o compromisso com a presidenta de continuar colaborando nas relações do governo com os demais poderes: Judiciário e Legislativo. Segundo parlamentares peemedebistas, essa manobra foi um golpe da presidência no partido.

Presidente da CÂMARA

Eleito pela primeira vez presidente da Câmara em 1997, Temer foi chamado de “mordomo de filme de terror” por Antônio Carlos Magalhães, que presidia o Senado. Os dois divergiam sobre o conteúdo de projetos que reformavam o Judiciário. Incomodado com os ataques de ACM, Temer revidou: “Críticas de uma pessoa com a biografia do senador Antônio Carlos Magalhães, ligado ao Banco Econômico (à época sob intervenção do Banco Central), são para mim um elogio. O senador tem o mau hábito de avacalhar todo mundo. Comigo, não.” E ACM: “Avacalhado ele já é. Não me impressiona sua pose de mordomo de filme de terror”.

Sua trajetória como presidente da Câmara o marcou como o “cara” imprescindível na negociação do acordo que costurou a aprovação da emenda da reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi nesse período que Temer começou a liderar uma verdadeira tropa de choque. Tornou-se presidente nacional do PMDB no início dos anos 2000. Se por um lado, ele liderou um amplo processo de crescimento regional da sigla, de outro cometeu o erro estratégico de apoiar o então candidato José Serra (PSDB) à Presidência da República na disputa com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2002. Acabou castigado, voltando às sombras da legenda – José Sarney foi um dos primeiros peemedebistas a apoiar a candidatura de Lula.

Veio o mensalão e Temer também não se deu bem. Em meio à crise, o PT passou a fazer uma negociação direta e intensiva com caciques do PMDB, incluídos o próprio Sarney e Renan Calheiros, para ampliar sua base de apoio no governo. Temer ficou meio de fora, na “administração” da Câmara e perdeu espaço no Senado e no próprio PMDB. Na eleição seguinte para presidente, em 2006, que ficou entre Lula e Geraldo Alckmin, o atual vice preferiu apoiar o tucano e liderar a ala de oposição ao governo.

Retomou certo protagonismo político em 2009 ao assumir, mais uma vez, a presidência da Câmara. Na ocasião, o PMDB parecia enfraquecido – dois anos antes, Renan Calheiros renunciava à presidência do Senado depois de ser alvo de denúncias de corrupção e o velho Sarney também quase perdia sua cadeira na Casa. Nesse cenário, Temer percebeu o espaço que havia para costurar um diálogo de reunificação do partido. Ele próprio foi um dos principais articuladores da candidatura à vice-presidência na chapa com Dilma Rousseff.

Lula, no início, não gostou da ideia. Não achava bom associar o PT a alguém que mantém relação íntima com Eduardo Cunha. Mas o ex-presidente observou a habilidade de Temer para trabalhar nos bastidores – foi Temer quem abriu frente de diálogo com Sarney, Renan e Romero Jucá para aparar arestas e apaziguar os ânimos das alas divergentes do PMDB durante os dois primeiros mandatos do PT.

Dilma Rousseff e Michel Temer acabaram unidos em 2010. Manteve-se discreto. Sua atuação na MP dos Portos, medida provisória de 2013 que determinava novas regras no marco regulatório do setor e garantia a abertura dos portos para a iniciativa privada, deixou claro seu poder de negociação com a bancada do PMDB, inclusive com Eduardo Cunha.
Veio a reeleição com a mesma chapa, que saiu vencedora na mais apertada disputa eleitoral da história recente do País. O governo começou com pelo menos dois fortes desafios associados: a crise na economia alavancada pela Operação Lava Jato, que também envolve o alto escalão do PMDB. Para complicar, logo no segundo mês de governo, o partido de Temer elegia Eduardo Cunha, desafeto de longa data do PT, para a presidência da Câmara. Por outro lado, Renan Calheiros, mais próximo do governo, voltava para o Senado.

Ao longo do ano, enquanto a popularidade de Dilma despencava, começava a crescer, ainda que nos bastidores, a tese do impeachment, que foi reforçada pela rejeição do Tribunal de Contas da União das contas de 2014 do governo, as tais pedaladas fiscais.

As ausências e uma carta

Não parou por aí. No início de dezembro, Eduardo Cunha aceitou o pedido de abertura do processo de impeachment de Dilma. Cercada por ministros, a presidenta fez um pronunciamento dizendo-se “indignada”. Michel Temer não estava lá. No Planalto, as versões eram conflitantes entre os próprios peemedebistas – Temer estava ou não com Dilma? A presidenta se reuniu com auxiliares para discutir o impeachment.

Temer também não estava lá. Preferiu mandar uma carta chorosa ao gabinete de Dilma, em que afirma ter “ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB”. Diz ainda que passou os primeiros quatro anos de governo como “vice decorativo”. Na avaliação de seus amigos, a mensagem representava o rompimento com Dilma. De tão lamentoso, o texto virou piada na internet. Mas subestimaram o vice.

Nascido na cidade de Tietê, interior paulista, Michel Miguel Elias Temer Lulia é o oitavo filho, o caçula de pais libaneses que migraram para o Brasil em 1930. Começou sua vida política em 1983 pelas mãos do governador Franco Montoro, de São Paulo, que o convidou a assumir a Procuradoria-Geral do Estado. No ano seguinte, foi transferido para a Secretaria de Segurança Pública do Estado, onde foi nomeado outras duas vezes. Em 1992, sob o governo de Luiz Antônio Fleury Filho, assumiu a pasta logo depois do massacre do Carandiru. O terceiro período aconteceu entre janeiro e dezembro de 1993.

Na vida pessoal, Michel Temer procura ser discreto. Mesmo com os mais íntimos, mantém diálogos em um nível de formalidade que assusta ou constrange. O vice-presidente não costuma frequentar eventos sociais. Já se confessou notívago – não dorme antes das 2 horas e normalmente precisa apenas de cinco a seis horas de sono por noite. É durante a noite e início da madrugada que atualiza sua leitura de livros de filosofia, política e poesia. É amante de bons vinhos, especialmente portugueses e italianos, sem descartar os sul-africanos, e da boa gastronomia. Viciado em série, parece não ter perdido um episódio de Game of Thrones.

Recentemente, ofereceu à senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) uma caixa de Os Bórgias. Nos bastidores da Câmara, Temer ganhou fama de “namoradeiro”, mas a perdeu assim que conheceu Marcela Temer, sua atual mulher, que tem 32 anos e é ex-modelo e bacharel em Direito. Com o marido, ela tem um filho de 7 anos – Michel Temer Junior – e espera o segundo, que deve nascer no início do segundo semestre. Este é o seu terceiro casamento. Do primeiro, com Maria Célia, teve três filhas – Maristela, 46 anos, Luciana, 43, e Clarissa, 41. Depois, casou-se com Neuza, com quem não teve filhos, teve um “relacionamento estável”, mas não se casou, e namorou uma jornalista, em Brasília, com quem tem um filho de 16 anos.

De namorador a marido fiel, de político pouco expressivo a quase presidente do Brasil. “O PT não vai permitir que ele coloque em prática seu programa. Não podemos permitir que depois de anos de avanço venha um cara sem voto, traidor, retirar direitos conquistados com muita luta”, disse Rui Falcão, presidente do PT. Antes acostumado aos papéis secundários, o “mordomo de filme de terror” agora espera se tornar astro do espetáculo.


Comentários

Uma resposta para “Ruim de voto, bom de gabinete”

  1. Se Geraldo Alckmin tivesse sido eleito em 2006, não teríamos passado por tudo isso. Acho que muitos hoje se arrependeram de não ter votado nele.

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