O movimento Mães de Maio inaugurou um Memorial, no Centro Cultural Jabaquara, na última quinta-feira (12) para relembrar os quase 600 mortos nos ataques ocorridos em maio de 2006, em todo o Estado de São Paulo, envolvendo a Polícia Militar.
O memorial consiste em uma placa que homenageia os mortos, mas a ideia, segundo Débora Maria da Silva, criadora do movimento e mãe de um gari assassinado em maio de 2006 na Baixada Santista, é que as famílias produzam tijolos com os nomes das vítimas, que serão mais tarde colocados no local.
“Essa placa é simbólica dos Crimes de Maio e dos crimes da democracia. Aqui, cada mãe vai poder fazer um espaço, uma olaria, para se construir um espaço de resistência. Vamos construir tijolos com os nomes dos filhos. Não é só dos [filhos] dos Crimes de Maio, onde o Estado matou jovens que tinham um futuro todo pela frente. Foi uma luta de 3.650 dias por essa memória”, disse.
O filho de Débora, Edson Rogério Silva dos Santos, 29 anos, foi morto no dia 15 de maio de 2006, na Baixada Santista, quando tentava abastecer a moto em um posto de gasolina. Para Débora, o memorial ajuda a relembrar o filho. “Essa placa é o símbolo de um trabalhador empobrecido que trabalhou de atestado médico para ganhar um miserável salário mínimo e ele foi executado pelo Estado. Essa foi a recompensa que o Estado deu para o meu filho depois de uma jornada de trabalho. Mataram ele onde ele varreu de manhã”, disse, emocionada.
A placa foi instalada no Centro Cultural Jabaquara, espaço onde antes era uma área de quilombo. Uma das versões sobre a origem do local conta que teria surgido do movimento de políticos que simpatizavam com a causa abolicionista e escondiam escravos fugidos, tornando-se mais tarde o Quilombo do Jabaquara.
“Aqui é uma reparação que estamos fazendo, dando visibilidade para esse espaço onde os escravos foram humilhados, torturados e executados. [Os escravos] saíam de Santos, na subida do Morro do Jabaquara, correndo, escondidos e, quando chegavam aqui, se trancavam no quilombo. Isso aqui tem uma identidade muito grande com a marcha fúnebre que prossegue em nosso país de [assassinato de] jovens negros e pobres periféricos”, disse Débora da Silva.
A cerimônia de inauguração do memorial foi marcada pela emoção. Mães que tiveram os filhos assassinados por policiais em todo o país deram seus depoimentos, muitos deles pedindo por justiça. Os depoimentos foram acompanhados por choro e soluços. Uma das mulheres presentes ao ato, que soluçava e chorava bastante, chegou a passar mal durante a inauguração do memorial e foi amparada por outras mulheres. O ato contou com uma apresentação artística do Bloco Afro Ilú Obá de Min.
Maria Sonia Lins, mãe do pizzaiolo Wagner Lins dos Santos, 22 anos, morto no dia 15 de maio de 2006, na Baixada Santista, era uma das presentes ao ato e discursou. “Ele saiu da casa da minha filha, depois do jornal, por volta das 21h30 e, antes de chegar na casa das tias, onde ia jogar videogame, a polícia o pegou no caminho e o matou e atirou em um sobrinho [que ficou ferido]”, contou. O filho, que não tinha passagem pela polícia, foi morto com seis tiros. “Não falaram nada, chegaram metralhando. Naquele dia tinha tido o toque de recolher, mas a gente nem sabia o que era isso”, disse Maria.
Ela contou que até hoje, passados dez anos, não recebeu qualquer indenização do Estado ou viu punidos os assassinos do filho. “Não houve investigação. Não sei quem foi [o assassino], mas sei que foi a polícia porque a perícia foi rápida – tiraram meu filho de lá em menos de dez minutos. Eles o mataram e, em menos de dez minutos, a ambulância o tirou de lá, sendo que ele foi na ambulância, mesmo já estando morto. Ele estava morto então não podia ter ido em uma ambulância. O local do crime foi alterado. Não pegaram os projéteis”, reclamou a mãe. Hoje, ela continua pedindo por justiça. “Ainda espero uma resposta desse governo, que é injusto”, disse.
“É inaceitável que matem nossos filhos e até hoje não tenhamos respostas”, ressaltou Débora.
Federalização
Com a falta de punições– apenas dois policiais foram punidos pelos crimes até hoje e recorrem em liberdade, o movimento Mães de Maio decidiu pedir a federalização das investigações. O pedido foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República em 2010, mas somente nesta semana o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, decidiu aceitar um dos pedidos das Mães de Maio, que se refere a uma chacina ocorrida no Parque Bristol, na zona norte de São Paulo, no dia 14 de maio de 2006.
O pedido de federalização ocorre quando acredita-se que o sistema de justiça estadual criminal foi incapaz de dar uma resposta adequada ao caso. Então, é solicitado que o aparato federal proceda com as investigações.
Para Débora da Silva, embora a resposta de Janot tenha sido positiva, ainda é insuficiente porque precisaria abarcar todas as investigações de crimes ocorridos em maio de 2006. “O Janot precisa saber que estamos felizes [pela federalização] pelos crimes do Parque Bristol, mas todos os crimes de maio de 2006 foram do mesmo modus operandi. Não tem que dividir as investigações”, disse. “Precisamos fazer com que o pedido de federalização contemple também os crimes da Baixada Santista”, acrescentou.
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