Quando se fala em diáspora africana, o Brasil é um país que imediatamente vem à mente. Com a maior população africana fora da África, o País recebeu entre os séculos XVI e XIX um número estimado em 3,6 milhões de pessoas vindas do continente como parte de uma diáspora involuntária. No Brasil, a imigração africana contemporânea (e aqui se usa o termo “africano” de maneira ampliada) é formada por grupos de pessoas vindos do Haiti, de Angola, da Nigéria e do Senegal.
Um dos desdobramentos desses movimentos migratórios, voluntários ou não – desses capítulos difíceis da história para os quais nós brasileiros insistimos em não olhar de frente, quer por dor, quer por ressentimento, culpa ou medo –, é a assimilação, no local de destino, dos modos ricos e complexos de ser e de viver desses povos. Portanto, de certa maneira, a África de lá está também aqui.
Esse conceito universal das Áfricas é evocado pela 12ª Bienal de Dakar. Com o título La Cite dans um Jour Bleu (A cidade num dia azul), o evento inaugura sua nova edição em maio de 2016 com a direção artística de Simon Njami, curador camaronês e cofundador e editor chefe da revista Revue Noir. Frase emprestada de uma das obras do poeta e ex-presidente do Senegal Léopold Sédar Senghor, o título retoma um sonho de irmandade universal, uma utopia anticolonial sonhada por Senghor que, segundo Njami, precisa ser reacessada enquanto pensamos em nossa condição global atual, na “pesada herança da colonização” e suas construções de pensamento. Nesta edição, a Dak’Art, como também é conhecida, apresenta 66 artistas africanos dos quais 11 vivem em outros continentes (há artistas dos EUA, França, Itália, Portugal e Bahamas), além de projetos organizados por seis curadores de quatro continentes.
Para representar a África daqui lá (ou para apresentar diferentes formas de pensar os desdobramentos da colonização tanto daqui quanto de lá), a curadora Solange Farkas, fundadora e diretora-geral da Associação Cultural Videobrasil, convidou os artistas Daniel Lima, Moisés Patrício, Paulo Nazareth, Sonia Gomes e Thiago Martins Melo. Farkas nota que, apesar de uma “estreita relação com a identidade africana”, esses artistas mostram abordagens distintas dessa relação em seus trabalhos.
Moisés Patrício participa com 100 trabalhos da série Aceita? (2013-2016). Nela, o artista faz uso de traços autobiográficos para articular elementos de seu universo espiritual e social, como questões de descartabilidade e a relação com o espaço urbano. Patrício apresenta também uma instalação em vídeo e a performance Palmatória, ambas inéditas.
Paulo Nazareth, cuja obra cria um diálogo permanente entre as Áfricas daqui e as de lá, mostra quatro vídeos nos quais realiza o ritual de circundar uma árvore diversas vezes, caminhando de costas. Segundo o artista, a performance de título L’arbre D’oublier (Árvore do esquecimento) refaz em sentido inverso o ritual do esquecimento pelo qual as pessoas eram obrigadas a passar antes de embarcar para o seu destino como escravas. A ação foi performada nas cidades de Belo Horizonte (Brasil), Maputo (Moçambique) e Ouidah (Benin). Ao fazer o caminho inverso, recurso recorrente na obra do artista, Nazareth simbolicamente desfaz os efeitos da herança colonial e reseta a história.
Maior bienal do continente africano, a Dak’Art promete ativar espaços contemporâneos com inúmeros eventos de arte, reintroduzindo nova energia, criatividade e momentum na cidade.
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