“Ele será infernizado”, diz criadora do Festival PIB sobre Mendonça Filho

A filóloga, linguista e produtora cultural paulistana Inti Queiroz. Foto: Arquivo pessoal
A filóloga, linguista e produtora cultural paulistana Inti Queiroz. Foto: Arquivo pessoal

A extinção do Ministério da Cultura após 31 anos de atividade, decretada na edição da última quinta-feira (12) do Diário Oficial, e a conseqüente inclusão das demandas do setor no Ministério da Educação têm provocado reações exaltadas de artistas e de agentes do meio cultural, como os servidores públicos que ocuparam as instalações de instituições pertencentes ao extinto MinC em Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Salvador. 

Crescente, o mal estar foi impulsionado, na última sexta-feira (13), com a confirmação do nome do deputado federal Mendonça Filho (DEM-PE) para assumir o comando do ministério híbrido criado pelo presidente-interino Michel Temer. Na cerimônia de posse do MEC, o parlamentar foi recebido com cartazes contrários à sua nomeação, vaias  e gritos de “golpista”.

Em entrevista à Brasileiros, a linguista, filóloga, pesquisadora e produtora cultural Inti Queiroz condenou a decisão, parte da reforma ministerial do governo provisório, para ela um retrocesso ainda maior, se considerarmos que estava em curso um projeto de aperfeiçoamento da Lei Rouanet, além do histórico de Mendonça Filho. “Na oposição, ele sempre foi contrário às leis que beneficiam a cultura.”

Criadora do Festival PIB – Produto Instrumental Bruto, uma vitrine anual da produção autoral de música instrumental do País, que em 2017 completa dez edições, Inti é mestre em Filologia pela USP, com pesquisa na área de políticas públicas culturais. Atualmente, desenvolve pesquisa de doutorado, também na USP, em que analisa os sistemas e os planos culturais do País, a partir do enfoque da Filosofia da Linguagem. Para ela, do que depender da classe artística e dos ex-funcionários do MinC, Mendonça Filho não terá sossego: “Ele será infernizado”, diz.      

Que impactos o fim do Ministério da Cultura pode trazer ao País? A decisão pode também influenciar gestões estaduais e municipais?
Sem dúvida é um retrocesso gigantesco. Nos últimos anos, tivemos avanços enormes nas políticas culturais. Não apenas da iniciativa estatal, mas também da participação social nesses processos. A extinção do MinC, além de desmontar avanços já obtidos, como, por exemplo, o Cultura Viva, o Sistema e o Plano Nacional de Cultura, desarticula a cultura a nível institucional. Podemos ter efeito cascata, em algumas gestões estaduais e municipais de governos de direita que podem barrar, principalmente, a implantação dos sistemas estaduais e municipais, mas acredito que outros gestores, que não legitimam o novo governo interino, devem resistir e fortalecer a implantação dos sistemas. Os entes federados têm certa independência sobre as decisões em âmbito federal, porque as leis estaduais e municipais de sistemas de cultura são autônomas. E, com certeza, muitas das cenas locais não permitirão retrocessos. Teremos muita resistência. A turma da cultura é historicamente conhecida como engajada, gente de luta.

A escolha de Mendonça Filho para gerir a Cultura em paralelo à pasta da Educação tem recebido muitas críticas do setor. Como você analisa a nomeação do deputado?
Mendonça Filho tem uma longa historia contra a cultura. Na oposição, sempre foi contrário às leis que beneficiam a cultura, como no momento da aprovação da lei Cultura Viva em 2014, quando travou duelos históricos em plenária com a autora da lei, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Nós, que acompanhamos de perto esses processos, lembramos disso. Muitos funcionários concursados, tanto do Ministério da Educação quanto do MinC, não aceitarão suas ordens. As diversas ocupações de equipamentos e instituições do MinC, que já estão acontecendo, são um bom exemplo da desobediência civil que virá.  Mendonça Filho se mostrou desconhecedor do básico sobre as políticas culturais em seu pronunciamento de posse, como, por exemplo, quando teve de mencionar o nome das diversas filiadas do MinC e precisou ler os nomes em um “colinha”. Se nem isso ele sabe, imagine o resto… Mas a turma da cultura é combativa, unida e jamais reconhecerá esse governo, muito menos esse ministro que sempre foi inimigo do setor. Ele será infernizado.

O que pensa do fato de o governo provisório de Michel Temer manifestar agora que pretende indicar uma mulher para assumir a Secretária de Cultura?
Sabemos que isso é uma medida paliativa às criticas que ele vem sofrendo pela falta de representatividade feminina nos cargos do alto escalão do executivo. Porém, já esta bem claro que, independentemente de quem assumir a pasta, a turma da cultura não o irá reconhecer nem apoiar. Diversas mulheres, bem ativas no meio, já foram sondadas e declararam suas negativas. Algumas afirmaram que jamais apoiariam um governo golpista. A falta de legitimidade desse governo é tamanha que ninguém quer se “queimar” trabalhando para ele. A história não perdoará quem estiver ao lado daqueles que enterraram o MinC. Não aceitaremos uma secretaria de segundo escalão. Estaremos mobilizados e unidos contra qualquer ação deste governo que retroceda os avanços conseguidos nos últimos anos.

Para aqueles que insistem em associar a Lei Rouanet ao privilégio de artistas, por questões partidárias, como explicar a importância do fomento da cultura do País?
As críticas à Lei Rouanet são antigas. Boa parte dos agentes da cultura sempre fez duras críticas a distorções como, por exemplo, a lei não ter filtros suficientes para apoiar quem realmente precisa. O próprio Juca Ferreira nunca negou sua “guerra” contra a Lei Rouanet (o ex-ministro da Cultura defendia aprimoramentos na legislação). Poucas pessoas sabem, mas essa lei foi escrita e aprovada pelo governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello. E ela foi piorada no governo Fernando Henrique Cardoso a partir de uma instrução normativa, de junho de 1995, quando foi lançado o plano “Cultura é Um Bom Negócio”. Foi nesse momento que a lei tornou-se um projeto de incentivo a indústria cultural e aos grandes artistas, pois o foco tornou-se o do marketing cultural e não mais o de incentivo à cultura. Quem diz que artistas que apoiam a Lei Rouanet são petistas, ou absurdos como “apoia a Dilma por causa da Lei Rouanet”, está completamente desinformado. Desde 2010, havia uma dura batalha do governo federal para derrubar a Lei Rouanet e substituí-la pela Lei Procultura que, se implantada, mudaria totalmente os mecanismos e tornaria o processo mais favorável a quem mais precisa de apoio. Porém, o que mais vimos dos simpatizantes da oposição foi preguiça de pesquisar ou má-fé. Sem contar o absurdo do discurso de pessoas que dizem que o fim do MinC não importa, que cultura não importa. Será que elas não entendem que muito do que elas consomem da música e do cinema feitos hoje no Brasil só existe, por exemplo, por causa de programas de incentivo à cultura? Fico chocada com a falta de sensatez dessas pessoas.

Desde o anúncio da extinção do Ministério da Cultura, a resistência a decisão de Michel Temer cresce diariamente. Mendonça Filho terá sossego?
Neste momento temos seis equipamentos do MinC ocupados, em Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Salvador. Nos próximos dias, outros devem ser tomados. A resistência está crescendo em todo País e deve crescer mais.  Mendonça Filho e sua equipe não terão sossego.


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