Planos de saúde financiaram ministro que defende cortes no SUS

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, concede entrevista coletiva- Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, concede entrevista coletiva em Brasília – Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Crítico do SUS (Sistema Único de Saúde), o ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), tem um vínculo estreito com as operadoras de planos de saúde.  Em 2014, ele recebeu uma doação de R$ 100 mil para sua campanha à reeleição de Elon Gomes de Almeida, presidente do Grupo Aliança, administradora de planos de saúde. Elon foi o maior doador individual de Barros na campanha, mas não foi o único. Barros também recebeu R$ 20 mil de outro plano de saúde, a Unimed de Maringá (PR).

Em sua entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Barros reclamou da Constituição de 1988: “Só tem direitos lá, não tem deveres. Nós não vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a Constituição determina. Em um determinado momento, vamos ter que repactuar, como aconteceu na Grécia, que cortou as aposentadorias, e outros países que tiveram que repactuar as obrigações do Estado porque ele não tinha mais capacidade de sustentá-las. Não adianta lutar por direitos que não poderão ser entregues pelo Estado”.

Após a repercussão negativa de suas declarações, ele recuou: “O SUS está estabelecido, estamos atendendo o máximo de pessoas possíveis, com o maior número de procedimentos que podemos autorizar e remédios, mas evidentemente que isso é insuficiente para a proposta constitucional do SUS, que é saúde universal para todos”, declarou o ministro na terça-feira (17).

Na opinião de Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP, o enfraquecimento do SU é uma péssima ideia: “A saída para melhorar a saúde brasileira é o contrário. Temos que expandir o SUS com novas fontes de recursos públicos e regular mais os planos privados”. Scheffer lembra que um aliado de Michel Temer,  o deputado Manoel Alves Júnior (PMDB-PB), foi o autor da emenda que abriu o setor hospitalar ao capital estrangeiro, que acabou foi incorporada à lei 13.097, de 2015: “A nova lei permite a participação direta e indireta de empresários estrangeiros em hospitais e clínicas públicos e até filantrópicos. Escancara de vez uma porta que estava entreaberta”.

Não é a primeira vez que Ricardo Barros defende cortes nos programas sociais. Em 2015, quando era relator do projeto de Orçamento da União, o ministro propôs um corte de R$ 10 bilhões nos recursos do programa Bolsa Família, o que equivalia a 36% das verbas do programa (R$ 28,1 bilhões). Na época, ele declarou: “Ninguém vai ficar na miséria se cortar um pouco do programa”. Ele achava natural as críticas dos parlamentares do PT: “São eles que politicamente se beneficiam da distribuição de recursos do Bolsa Família”. E acrescentou: “Minha base eleitoral é outra. Eu não tenho esse problema. Quando eu propus zero de reajuste para os servidores públicos, eu propus porque o governo simplesmente não tem como pagar”. A proposta de Barros, porém, foi derrubada na Comissão Mista do Orçamento, inclusive com o apoio do PSDB.

Embora se dissesse muito preocupado com o equilíbrio das contas públicas, Barros defendeu abertamente o aumento dos recursos destinados ao Fundo Partidário (verba repassada aos partidos), dos R$ 311 milhões propostos pelo governo Dilma para R$ 911 milhões. Tesoureiro nacional de seu partido, o PP, ele declarou na época:  “Não vejo nenhuma incoerência do Fundo Partidário [com o ajuste fiscal]. São mais de 500 propostas pedindo dinheiro para o Orçamento. Como não há verba para tudo, vamos aprovar o que for prioridade”, disse. Ao final, o fundo ficou só um pouco menor que o valor defendido por Barros: R$ 819,1 milhões.

Carreira

Ricardo Barros começou sua carreira política em 1988, pelo antigo PFL (atual DEM). Formado em engenharia civil, ele começou na política em 1986, num cargo de segundo escalão da Prefeitura de Maringá –como diretor técnico da Urbamar–, mas acabou sendo afastado pelo então prefeito Said Ferreira “quando surgiram denúncias de negociata com uma construtora responsável pelo projeto de construção do novo centro da cidade e da mudança do pátio ferroviário”, como escreve o sociólogo Sérgio Gini em seu livro Repensando Maringá. O caso chegou a provocar a  abertura de uma CPI na Câmara Muninicipal, mas ele acabou não sendo incriminado.

Barros rompeu com o prefeito e articulou sua candidatura ao cargo pelo PFL, beneficiando-se do fato de ser proprietário de duas emissoras de rádio na cidade. Eleito em 1988, fez campanha para Fernando Collor, que em 1991 foi à cidade inaugurar uma obra de Barros. Acusado de irregularidades em sua gestão, o então prefeito sofreu um processo de impeachment, mas sobreviveu. Contudo, não conseguiu eleger o sucessor.

Sua gestão na prefeitura foi marcada pela terceirização de serviços públicos. Em 1989 ele terceirizou a coleta de lixo. Em 1991  a terceirização atingiu as escolas públicas: Barros criou as chamadas “escolas-cooperativas”, transferindo a gestão das escolas municipais a empresas privadas, que eram remuneradas por aluno matriculado. A experiência fracassou, e houve um aumento do quadro de pessoal empregado nas atividades-meio. A privatização foi revertida em 1993, na gestão do sucessor de Barros.

Em 1994, Barros foi eleito deputado federal pelo PFL com mais de 54 mil votos. Na Câmara, opôs-se inicialmente a algumas medidas do governo Fernando Henrique Cardoso. Em 1997, votou contra a emenda que permitia a reeleição de FHC e deixou o partido, ingressando no PPB (atual PP), então controlado por Paulo Maluf.

Quando o PPB passou a integrar a base governista, Barros tornou-se vice-líder do governo FHC, em 1999, chegando a líder do governo no Congresso Nacional, em 2002. Reeleito nesse mesmo ano, tornou-se vice-líder do governo Lula na Câmara em 2007, depois que o PP se integrou à base governista. Em 2010 tentou o Senado, mas fracassou: ficou em quarto lugar, com 2.190.539 votos, atrás de Gleisi Hoffmann (PT), Roberto Requião (PMDB) –ambos eleitos—e Gustavo Fruet (PSDB).

No ano seguinte assumiu a Secretaria da Indústria e Comércio do Pananá, no governo de Beto Richa (PSDB), permanecendo no cargo até março de 2014, quando se licenciou para disputar novamente a Câmara. Durante sua gestão, passou a ser investigado pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) por suspeita de corrupção, improbidade, interferência administrativa e tráfico de influência. O MP suspeita que o secretário coordenou uma fraude numa licitação de R$ 7,5 milhões para contratar uma agência de publicidade na Prefeitura de Maringá na gestão de seu irmão Silvio Barros. Ofícios do MinMP-PR assinalam que Ricardo Barros exerce “alto grau de influência, comando e autoridade na administração de seu irmão Silvio Barros”.

Em um dos diálogos gravados, Barros reclama que a disputa deveria ter apenas um concorrente e orienta o então secretário de Saneamento Básico, Leopoldo Fiewski, atentar uma composição entre as empresas participantes, a Meta e a Trade. A licitação foi vencida pela Meta Propaganda; a Trade Marketing, segunda colocada, renunciou ao direito de recorrer da decisão. Barros negou a existência de fraudes e disse que as investigações refletem uma perseguição sistemática dos promotores de Maringá, José Aparecido Cruz e Laércio Januário contra seu grupo político: “Eles agem por má-fé, movidos por ideologia. Eles são nossos adversários políticos, ligados ao grupo que for nosso adversário”, afirmou. Em outubro do ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) manteve aberta a investigação sobre a suspeita de fraude na licitação.

Reeleito à Câmara em 2014, emplacou sua mulher, Cida Borghetti, como candidata a vice na chapa do governador Beto Richa (PSDB), reeleito em outubro. Enquanto isso, em Brasília, assumiu o cargo de vice-líder do governo Dilma Rousseff (PT). Em abril deste ano, declarou que ainda estava indeciso sobre o impeachment, embora seus colegas defendessem abertamente a destituição de Dilma. Na sessão da Câmara no dia 17 de abril, votou a favor do afastamento da presidenta.


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