As discussões nos círculos econômicos sobre a retomada do crescimento brasileiro raramente projetam corte profundo na taxa de juros ou uso das reservas internacionais, dois palavrões para o mercado financeiro. Mas é exatamente essa a única receita possível, acredita Amir Khair, engenheiro e mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getulio Vargas e secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo entre 1989 e 1992, quando a prefeita era Luiza Erundina. Hoje consultor na área fiscal, orçamentária e tributária, Khair não vê razão para deixar de usar parte das reservas para diminuir o gasto anual de R$ 500 bilhões em juros, 82% do déficit público.
O economista defende uma ampla discussão na sociedade sobre a ampliação da concorrência bancária, o que resultaria em crédito mais barato a consumidores e empresas, cada vez mais endividados. Sem atacar esses três pontos, a economia continuaria sem poder de reação diante de um Congresso fragmentado e da baixa disposição das empresas em investir em meio à queda de consumo, inviabilizando medidas como o aumento de impostos ou reformas liberais, como a trabalhista.
Brasileiros – O PIB deve cair quanto no ano?
Amir Khair – Estamos caminhando para uma retração de 4%, com uma sensação de que não há piso, mesmo que a situação política, com a aprovação pela Câmara do processo de impeachment, tenha emitido sinais de melhoria para alguns agentes. Desde o segundo trimestre de 2015 a desaceleração tem se acentuado. Com os consumidores retraídos e a alta do desemprego, as indústrias pararam de investir, porque hoje trabalham com ociosidade superior a 40% em alguns setores. O empresário é pragmático. Mesmo com uma mudança de governo, ele continuará retraído. Hoje as empresas podem produzir mais sem investir em novos projetos e não há clareza sobre quando se dará a recuperação.
A desvalorização do real não tornou as empresas mais competitivas no exterior? Isso contribui para a recuperação?
O câmbio é uma variável importante. Desde o Plano Real, ele tem sido usado para controle de inflação. Um dólar a R$ 4,5 seria muito bom para a indústria. O câmbio incentiva a produção, mas os custos produtivos no Brasil são muito elevados: a infraestrutura é deficiente, a carga tributária é ruim, a burocracia pesa no bolso do empresário, o custo alfandegário é alto, assim como o seguro. Tudo isso joga contra. A discussão do processo de impeachment, com um governo mais pró-mercado, pode contribuir para a valorização do câmbio, atraindo investidores especulativos, mas isso não deve durar muito porque nossos problemas sociais têm alto grau de complexidade.
O mundo vive, desde 2008, um período de taxas de juros reais negativas ou próximas a zero, enquanto aqui a Selic continua elevada. A inflação alta impede a redução dos juros?
Acho que já teríamos condições de reduzir os juros e acredito que o governo Dilma cometeu um grande erro, em 2013, quando iniciou a alta deles, quando a Selic tinha chegado a inéditos 7,25% ao ano. Naquele momento, os preços ao consumidor aceleraram, influenciados pela disparada dos alimentos in natura. Na composição do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), os alimentos e bebidas pesam 25%. Caso fosse excluída sua participação, o IPCA nos últimos 12 meses, em 2013, giraria em torno de 3,5% ao ano. Ou seja, a inflação no Brasil teria ficado abaixo do centro da meta de 4,5% se não fosse pela inflação de alimentos e bebidas. Ali se iniciou o erro que levou a Selic ao patamar de 14,25%. Aumento de juros não tem impacto sobre preços de alimento por condição climática. No governo Lula, a inflação média ficou em 6%; no primeiro mandato de Dilma também ficou na casa dos 6%. O resultado mais recente são pontos fora da curva, choques de preço, seja por alimentos, seja por preços administrados. Mas isso mudou. A inflação já começou a ceder diante do cenário de desaceleração. O IPCA está em um dígito em 12 meses e o quadro se alterou: além da menor pressão da demanda, há um refluxo dos preços administrados, como energia elétrica, água, esgoto e transporte coletivo, com os prefeitos já tendo reajustado as tarifas de ônibus no ano passado. Em 2015, metade da inflação se originou dos preços administrados, com destaque para a energia. A seca de 2013 e 2014 teve um impacto de um terço da inflação em 2014 e 2015, mas ficou para trás. O câmbio tem se estabilizado na faixa de
R$ 3,5. As famílias estão consumindo menos, o que reduz a pressão por repasse de preços no setor de serviços. A inclusão social criou pressões sobre uma diversa cesta de serviços, que agora está absorvida. Nesse quadro muito mais favorável já seria possível reduzir os juros para 12% ao ano.
Reduzir os juros seria o primeiro passo para resolver a questão fiscal, considerada o maior entrave ao crescimento?
Não há decisões fáceis no Brasil de hoje. O eventual governo Temer não terá condições fáceis de governabilidade, com o PMDB sendo ameaçado pela Lava Jato e as dificuldades macroeconômicas. O programa do Temer, Uma Ponte para o Futuro, não trata da queda de despesas com juros para enfrentar o limite de recursos do setor público. Faz de conta que não há despesas com juros, responsáveis por 82% do déficit público. Reduzir esses juros, que alimentam os bancos, é essencial para abrir espaço para a retomada da economia. Sem mexer aí o Brasil não voltará a crescer porque a instabilidade política não permite aumentar impostos nem enxugar a máquina pública. Não acredito na viabilidade de voltar a CPMF nem acredito que seja possível uma reforma da Previdência que mexa com o andar de baixo.
Qual o caminho?
O governo tem de calibrar suas despesas. É fácil economizar. Nada a ver com redução de programa social. O dinheiro jogado fora é com juros: R$ 500 bilhões por ano. A derrubada com essa despesa tem um impacto maior e mais rápido que as propostas de redução de despesas ou aumento de impostos, que dependem do Congresso. Hoje 82% do déficit público são despesa com juros, 13% são queda de arrecadação e apenas 5% são aumento da despesa pública. Esse ponto é o mais discutido. Em recessão, aumentar imposto pode provocar queda ainda maior de arrecadação. Não vai se conseguir avançar em reforma tributária porque o ICMS financia o caixa dos Estados, que estão quebrados. Reduzir despesa ou aumentar imposto não vai resolver. É preciso mexer na conta dos juros. Isso não depende do Congresso: depende do Ministério da Fazenda, do Banco Central.
Como fazer isso?
Será que é necessário manter US$ 200 bilhões de excesso nas reservas internacionais? Será que não poderíamos usá-las, mesmo sem perder vulnerabilidade? Esses US$ 200 bilhões em excesso custam ao País R$ 110 bilhões em juros por ano, mesmo caminhando para o equilíbrio das contas externas. Naquele momento, o FMI sugeriu ao Brasil reservas de US$ 170 bilhões. Será que também é necessário manter essa Selic fora de lugar? São R$ 340 bilhões todos os anos financiados pelo contribuinte. Reduzir juros teria também impacto sobre o câmbio e reduziria a ação de investidores especulativos.
Sem reduzir juros, o Brasil não retoma o crescimento?
Vamos ver os juros ao consumidor: na pessoa física, eles superam 140% ao ano, na pessoa jurídica, 60%. Comprar um bem financiado pode custar duas vezes e meia o preço à vista. Mais da metade das compras no Brasil é feita a crédito. As famílias estão entupidas de dívidas. O mercado financeiro registrou, no ano passado, mais uma temporada de balanços recordes, enquanto outros setores sentiram a crise. Os bancos no Brasil têm três fontes de riqueza: os juros cobrados sobre os empréstimos, a Selic alta e as tarifas bancárias. A concentração em cinco instituições lhes permite cobrar o que quiserem. É preciso uma ampla discussão na sociedade: realizar campanhas publicitárias para ilustrar e criar audiências públicas com exemplos de outros países. A concorrência entre os bancos fará com que busquem reduzir as taxas de empréstimos.
E a reforma da Previdência? Ela pode ser aprovada?
Entre 2014 e 2015, as despesas com os benefícios previdenciários tiveram aumento de R$ 6 bilhões, enquanto os juros cresceram R$ 130 bilhões, 21 vezes mais. Mas vamos falar de Previdência: no Brasil não existem estudos sérios sobre o assunto. As projeções atuariais são defasadas e a discussão ocorre em um momento político e econômico adverso. O foco do debate está em idade mínima e fator previdenciário. A Previdência é uma proteção social. Quanto mais os anos passam, maior o tempo de sobrevida. Portanto, a cada ano cai o fator previdenciário, e disso quase ninguém fala. Em geral, o trabalhador é expulso do mercado de trabalho por volta dos 50 anos de idade e se apressa para conseguir se aposentar porque prefere ganhar um pouquinho em vez de esperar até os 65 anos, com cada vez menos chance de encontrar emprego e mais despesas com saúde. Portanto, há uma armadilha na exigência de idade mínima. Muito se fala da aposentadoria rural, que é deficitária, mas 99,5% desses benefícios estão atrelados ao salário mínimo: o campo está com 2,6% do gasto social com o segmento. Também é preciso falar de gestão da Previdência. Há cerca de 30% de inadimplência entre empresas e prefeituras que não recolhem. Não dá para projetar o futuro do setor com a gestão do sistema atual, que é péssima. A situação ruim da Previdência é reflexo da decisão de Dilma e de Guido Mantega, que desoneraram 56 setores na cota patronal em 2013, a principal arrecadação da Previdência. Fizeram caridade com o chapéu alheio.
Em aperto fiscal, como definir as prioridades do Orçamento?
Quando a gente pensa em despesa pública, 36% é gasto da União, o restante é de Estados e municípios, mas ninguém discute isso. O cobertor está curto. Sem mexer nos juros não vejo saída. Não vejo possibilidade de aumentar impostos, seja de grandes fortunas, que atingem o bolso dos congressistas, seja de CPMF, que atinge a todos em um momento de crise. Os Estados vivem uma situação difícil, já estão começando a atrasar salários. Quem paga o rombo é a União. Sem discutir a questão fiscal com seriedade não iremos avançar.
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