Exportar uma geladeira fabricada no Brasil não sai por menos de R$ 150, o triplo da média internacional. Para transportar sua lavoura até o porto de embarque, produtores de soja gastam US$ 85 (R$ 300) por tonelada, quatro vezes mais do que seus rivais argentinos e americanos. Essa diferença resume a falta de competitividade brasileira, resultado da desequilibrada matriz de transportes, cuja defasagem chega a 67% em comparação com as regiões mais avançadas do mundo. A boa notícia é que, embora a infraestrutura deficiente reduza a competitividade do País, ela cria oportunidades para a retomada do crescimento a partir da atração de investimentos em projetos de longo prazo.
O desinvestimento em infraestrutura nas últimas décadas criou gargalos que demandarão a atração de investidores para aplicar recursos em grandes projetos para viabilizar a retomada. É a aposta do presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) e da CPFL Energia, Wilson Ferreira Jr. “Esse é um capital ótimo porque é de muito longo prazo.” O programa de concessões de transportes do governo federal estima a aplicação de R$ 80 bilhões até 2018 e de outros R$ 120 bilhões depois disso. “Um real aplicado em infraestrutura rende outros R$ 3 na economia, cinco milhões de empregos e R$ 43 bilhões em salários. Ou seja, esses R$ 80 bilhões em três anos poderiam representar R$ 240 bilhões na economia brasileira.”
Além de manter o programa de concessões, existem outros desafios, como aumentar o protagonismo das agências reguladoras – cujo orçamento deve ficar livre de amarras e a nomeação de seus diretores, de influências políticas – e atualizar a lei de desapropriação, datada de 1941, a fim de evitar prejuízos para empreendedores e governo. “Os leilões devem ter também preços e retornos que atraiam os investidores. Isso sempre tem de estar balizado por critérios técnicos que possam ser avaliados economicamente.”
Para o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, além das exportações com o câmbio em um patamar mais competitivo, os investimentos em infraestrutura poderão ser o motor da retomada econômica, a partir da continuidade do programa de concessões do governo federal. “Há muitos projetos com retorno de 14% a 15% ao ano em um mundo com taxa de juros negativa ou zero. Haverá disposição para investimentos em infraestrutura no País se bons projetos forem concedidos. O governo aprendeu que não pode arbitrar retorno dos empreendimentos”, aponta o economista. Em 2012, foi anunciada a retomada das concessões na área de transportes. Passaram-se mais de 18 meses para o início das licitações. Na ocasião, o setor privado reclamava que critérios políticos resultavam em baixo retorno.
Há uma série deles que poderá ir a mercado nos próximos meses, com destaque para as áreas de transportes e energia na região Norte. No setor de transportes, o governo pretende licitar R$ 198,4 bilhões em rodovias, ferrovias, aeroportos e portos. Em rodovias, são sete mil quilômetros de trechos, que somariam pouco mais de R$ 50 bilhões em investimentos ao longo do período das concessões. Para comparação: entre 1995 e 2014, foram concedidos cerca de dez mil quilômetros de vias pela União. Neste ano, o governo trabalha com a expectativa de licitar seis lotes de rodovias, com destaque para obras na região Norte, como o trecho de 439,2 quilômetros da rodovia BR-364 (GO/MG) – na região que passa pelo coração da produção da soja em Rondonópolis, em Mato Grosso –, e outra de 976 quilômetros na BR-163 entre Mato Grosso e o porto de Miritituba, no Pará.
Para aumentar o apetite do mercado, os trechos rodoviários a serem concedidos pela União nos próximos meses terão, em média, 400 quilômetros de extensão, metade dos seis lotes transferidos à iniciativa privada em 2013. Em portos está programada para o dia 9 de junho a oferta de seis lotes de arrendamentos no chamado Arco Norte, também no Pará. “Há empresas nacionais e estrangeiras interessadas nessas áreas”, garante o presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli. A movimentação dos portos da região Norte cresceu 15% entre 2010 e 2015. Só no ano passado, 64 milhões de toneladas dos grãos foram enviadas para os portos de Santos e Paranaguá por falta de opções de escoamento entre o Centro-Oeste, principal fronteira produtora de grãos do País, e o Norte. A viabilização do escoamento da soja de Mato Grosso para os portos do Arco Norte renderia uma economia de US$ 46 por tonelada aos produtores de grãos que exportassem sua produção.
Há outra frente que poderá destravar investimentos: o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, discute com as atuais concessionárias de rodovias e ferrovias a retirada do papel de projetos que não estavam previstos quando as licitações foram feitas na década de 1990. Somados, esses investimentos superam R$ 30 bilhões. Além da tarifa, o governo pretende estender o prazo de concessão ou fazer um pagamento à empresa. Um dos projetos fica na Via Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, onde se preveem melhorias nas marginais de acesso e no trecho de subida da Serra das Araras, uma obra orçada em R$ 2,3 bilhões.
Na área de óleo e gás, os olhares estão voltados para a Petrobras, que responde por cerca de 10% dos investimentos no País. As dificuldades financeiras da empresa, a queda do preço do petróleo e os desdobramentos da Operação Lava Jato postergaram prazos de pagamentos, cancelaram encomendas e colocaram uma série de empresas contratadas por ela em situação conturbada. Há dúvidas se a empresa precisará de capitalização da União, mas existe uma certeza: a política de preços de combustíveis, que representa pouco mais de metade da sua receita, terá de manter a liberdade dos últimos meses, enquanto a estatal se prepara para se desfazer de US$ 57 bilhões (R$ 201 bilhões) em ativos (bens) e reduzir sua folha de pagamento. “A Petrobras precisará manter controle sobre a política de preços dos combustíveis para atravessar esse período turbulento”, aconselha o diretor comercial da empresa de consultoria Gas Energy, Ricardo Pinto.
A venda de nacos no setor de óleo e gás poderia atrair novas empresas, aposta o diretor. As transportadoras de gás, térmicas e terminais de regaseificação de Gás Natural Liquefeito (GNL) são os ativos com maior potencial de venda. A participação de 49% na Gaspetro (que reúne a participação acionária em 20 empresas de distribuição de gás natural) para a japonesa Mitsui foi a primeira a ser vendida pela estatal, no fim do ano passado. Os dutos de gás da TAG (Transportadora Associada de Gás) podem ser repassados pela Petrobras por até US$ 6 bilhões. “Há um movimento de muitos agentes buscando entender o mercado nacional. Esses grupos vão trabalhar para ampliar o mercado de gás, o que resultaria em mais investimentos.”
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