A história recente do Brasil é marcada por seguidos tropeços na economia. De 1986 a 1994, o governo lançou mão dos planos Cruzado, Cruzado 2, Bresser, Verão, Collor 1, Collor 2 e Real, que finalmente deu início a um processo de estabilização e atingiu o seu auge nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva, aliando controle monetário, cambial e fiscal a um modelo de estímulo ao crescimento que logrou geração de empregos, valorização dos salários e distribuição de renda.
Mesmo quem viveu o fim da década de 1980, hoje se lembra incrédulo da figura do fiscal que alterava os preços dos produtos na gôndola do supermercado ao longo do dia, correndo atrás de uma inflação anual de quatro dígitos. De 1986 a 1990, a moeda trocou de nome três vezes.
A percepção geral, no entanto, é de que o País, sob a política econômica de Dilma Rousseff, nunca esteve tão mal. Se a inflação não preocupa como antes, a recessão já é a pior dos últimos 25 anos. O desemprego ameaça retornar ao patamar do início dos anos 2000 e a renda média do trabalhador voltou a crescer menos que o índice de inflação.
O pessimismo também vale para a política. Até para aqueles que passaram pela ditadura militar e o turbulento período de redemocratização, que envolveu a morte de Tancredo Neves e o impeachment de Fernando Collor de Mello, a crise que ameaça afastar a presidenta é percebida como um fenômeno sem precedentes. A seguir, depoimentos de três gerações de brasileiros sobre a atual situação do Brasil.
Momento de esperança
Para Marina Marani, de 24 anos, estudante de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, a votação pela admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff foi uma boa notícia. Ela diz não acreditar que a petista tenha cometido algum crime de responsabilidade que justifique legalmente sua saída, e seu afastamento pode ser uma ameaça à democracia. No entanto, defende a medida. “Dilma não consegue manter a economia. Também há incapacidade administrativa nos programas sociais. Talvez Michel Temer consiga fazer reformas que melhorem a economia. Mas, além disso, o impeachment vai mostrar para todo o cenário político essa dificuldade de manter regimes corruptos.” Em tempo integral na faculdade, Marina não tem tempo para trabalhar. Mas diz que a crise econômica não afeta tanto o seu dia a dia: “Meus pais me bancam. Só que tenho vários conhecidos perdendo o emprego. O desemprego e a inflação são os sintomas que mais percebo da crise”. Diante do que ela diz ser a mais profunda crise política pela qual já passou, Marina enxerga o futuro do País com preocupação: “Tenho medo de tudo que está acontecendo. Medo de que as coisas saiam do controle, que esse desrespeito à Constituição leve a consequências maiores do que simplesmente o impeachment, como a desvalorização do voto direto e a ascensão de ideologias de direita”.
Por reforma política
Camila Brückmann, de 20 anos, estudante de Jornalismo da PUC de São Paulo e garçonete
em um restaurante na região central da cidade, acredita que a abertura do processo de impeachment
da presidenta Dilma Rousseff serve apenas para amenizar uma situação que aconteceu há dois anos:
“uma eleição perdida e muita gente insatisfeita”. Ela não acredita na saída da presidenta como solução. “Existe uma crise econômica no mundo, que reflete no Brasil. A oposição aproveitou esse contexto para, antes mesmo de a crise econômica aparecer por aqui, tentar derrubar o governo.” Para Camila, a única solução para o País voltar a andar para a frente é a reforma política: “Não tem outra forma de recomeçar.
A política está totalmente estragada, podre”. Apesar de indignada com a votação de abertura do processo de impeachment, ocorrida em 17 de abril na Câmara dos Deputados, a estudante acredita que o episódio foi “bom para as pessoas conhecerem quem está nos representando”. Considera, sobretudo, inadmissível a atuação do deputado Eduardo Cunha, presidente da Casa. “Ele está envolvido em corrupção e, mesmo assim, conseguiu tocar o processo. Teve a cara de pau ainda de pedir anistia política.”
Medo de regressão
A primeira lembrança política do sociólogo José Guilherme, de 40 anos, é de 1982, quando, ainda menino, aconteceram as primeiras eleições diretas para governador desde o golpe
de 1964. Seus pais votaram em André Franco Montoro (PMDB) para governador de São Paulo. “Eu tinha 8 anos. A gente ia para o colégio com broches do Montoro e um colega arrancou
o meu no recreio. Deu briga”. Ainda nos anos de chumbo, o clima era de tensão social, diz ele, mas numa escala menor do que a intolerância política dos dias atuais. Com o fim da ditadura, Guilherme diz que o País viveu anos críticos, mas de esperança: “Havia a perspectiva de uma nova configuração política e ideológica, que terminou melancolicamente com a eleição de Collor. Pensávamos: ‘Passamos por tudo isso, lutamos contra a ditadura e deu nisso?’”. Para ele, a crise atual é especialmente grave: “Tem uma dimensão profundamente reativa e restauradora. O discurso no Congresso é explícito a esse respeito, querem controlar uma efervescência juvenil progressista, que é insubmissa e liberal com relação a sexo, drogas”. Com relação à economia, Guilherme, que dá aulas na Escola da Cidade, em São Paulo, diz que não foi afetado pela crise, mas que seus colegas arquitetos não tiveram a mesma sorte. Para o sociólogo, a crise econômica dos anos 1980 foi “muito mais radical” do que a de hoje, ainda que não queira diminuir a gravidade desta: “As pessoas têm muito medo de regredir àquele patamar, têm esse fantasma”.
Sem esperança
Dono de um salão de beleza no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, Riva Macedo, de 40 anos, está totalmente desiludido com o atual contexto político e econômico do País. Para ele, o Brasil enfrenta um dos piores momentos econômicos de sua história e o PT é um dos principais culpados por esse cenário. “A crise é resultado da corrupção que o PT deixou se instalar no Brasil.” Segundo Riva, o impeachment iniciaria um processo para “acabar com a roubalheira” no País e deixar as pessoas mais confiantes na economia. “Não adianta começar a limpar de baixo porque senão nunca vai chegar lá em cima.” Ele diz enfrentar no dia a dia as consequências da crise econômica e está “usando a imaginação” para se virar: “O número de pessoas gastando dinheiro diminuiu muito e a gente acaba sentindo isso. Tenho clientes com boa formação que estão desempregados”. Além do mau momento econômico, Riva não está otimista com relação à política e não vê esperança nos nomes que representam o povo brasileiro: “Eu não tenho esperança nesse governo nem nos outros que possam vir”. Ele acredita que o Brasil precisa de uma reforma política para conseguir projetar novos traços na política nacional.
Erros na economia
Ainda que insatisfeito com o governo Dilma Rousseff, no qual ele votou em 2014, o procurador municipal de São Paulo Joel Tessitore, de 59 anos, é contra o impeachment da presidenta. Para ele, as chamadas pedaladas fiscais são um argumento frágil demais para o afastamento. Crises econômicas e políticas não são novidade em sua vida, mas ele considera a de hoje a mais grave de todas. Na redemocratização, segundo o procurador, havia pelo menos um anseio de mudança, por mais instável que estivesse o cenário. “Com o Plano Cruzado, a decepção foi grande, as pessoas passavam dificuldade, mas tinham a esperança de que pudesse mudar. Foi a mesma coisa com relação ao Collor.” Para Tessitore, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva não fizeram as devidas reformas, mas “pactos pela metade”: “Alas de esquerda do PSDB e do PT deveriam ter feito uma aliança para realizar uma reforma política, em vez de se aliarem a partidos como PFL, hoje DEM, e PMDB. Agora temos esse Congresso trágico, mas que também espelha o que é o País”. O procurador reconhece os avanços sociais conquistados nos governos petistas, mas diz que o governo Dilma cometeu um grande erro ao desequilibrar as contas: “Hoje tem vantagens, não vamos negar. Esses benefícios atuais são o grande mérito dos governos no PT. Imagina se não tivesse o Bolsa Família… Se não tivesse nada disso, estaria um clima muito pior.
Mas não podia ter errado com a economia. Podia ter Lava Jato, toda essa crise moral na política, mas se a situação econômica não estivesse tão ruim, com desemprego e inflação, não haveria impeachment”.
Por mudanças
O dentista Ruy Chaves, de 62 anos, quer a saída da presidenta Dilma Rousseff e, se estivesse em suas mãos, a do vice-presidente Michel Temer também: “Por conta da irresponsabilidade fiscal e por ter mentido. Ela cometeu uma série de ações administrativas que contrariam a Constituição”. Dono de um consultório odontológico em um bairro nobre de São Paulo, ele fala que o País nunca esteve em uma situação pior do que atual: “Tenho 40 anos de profissão. Percebo a dificuldade das pessoas para irem ao dentista, não é a prioridade número 1 delas. É lamentável. Além disso, tenho vários clientes, principalmente engenheiros, que estão perdendo emprego”. Diz, no entanto, não ser o pior momento profissional pelo qual tenha passado, já que hoje tem uma clientela consolidada. “Diferentemente das outras muitas crises econômicas pelas quais já passei, esta tem o agravante da crise política, porque o País está parado, esperando uma ação: Dilma sai ou fica? Um grande investidor jamais colocaria dinheiro ou abriria uma empresa no Brasil agora. O País é o mais contraindicado do mundo hoje.” Apesar de não apoiar Temer, Chaves acredita que o atual vice consiga melhorar a situação do País: “Ele deve ter competência para exercer a Presidência, e os empresários devem acreditar mais nele, apesar de o PMDB ser um partido absolutamente fisiológico”.
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