Atenção, midiota do gênero masculino e, principalmente, midiota do gênero feminino: o inconcebível aconteceu.
Você foi para as ruas cheio de amor e patriotismo para dar. E agora começa a desconfiar de que o que você considerava ruim pode ficar pior.
Por exemplo, o número de ministros do governo enterino que podem estar envolvidos em corrupção é maior do que o total de suspeitos do governo interrompido.
Além disso, parece que vão mexer nos seus direitos trabalhistas, cortar os investimentos em cultura, saúde e educação, privatizar o BNDES, liberar a jogatina, reduzir o crédito habitacional, recriar o sistema de bisbilhotagem da vida privada, etc.
Outra coisa, que deve estar mexendo com aquela minha amiga publicitária feminista, que apoiou o impeachment por achar que o governo eleito era meio machista: esse transitório não tem mulheres.
(Atenção, revisão, é enterino com “e” mesmo, de enterologia, ou seja, o estudo dos intestinos e suas funções – conforme sugestão do jornalista S. Queiroz).
A troca do “i” pelo “e” se justifica pelas medidas tomadas ou anunciadas pelo governo transitório e que, na linguagem popular, seriam facilmente classificadas como produto da atividade intestinal.
Para não corrermos o risco de uma resvalada para o campo da escatologia, podemos recorrer às teorias da comunicação para observar que os midiotas costumam se sensibilizar mais com a versão midiatizada da vida do que com a própria vida.
Os dados e as imagens do inconcebível, tornadas palpáveis e palatáveis pela mídia, redefinem a compreensão do mundo. Assim, você passa a depender das caras e bocas daqueles apresentadores do telejornal para encontrar o seu lugar no condomínio dos seres humanos.
No entanto, por mais que a Rede Globo e os jornais e revistas que compõem a imprensa hegemônica do Brasil se esforcem para manter você animado e ludibriado, não há como evitar que a “consciência infeliz” venha a despertar sua mente desse torpor que se segue ao ardor patriótico e moralista.
Você tenta se enganar, repetindo que o presidente enterino pelo menos é sério, embora tenha ouvido dizer que também é poeta.
Desculpe estragar sua sonolência intelectual, mas o principal papel do sistema da mídia dominante tem sido o de impedir que você se concentre e venha a despertar desse torpor, como diria o velho Hegel.
Os portadores da “consciência infeliz”, aqueles que não entraram no jogo midiático, estão tristes por você, porque sabem que, no fim, você é que vai pagar aquele pato amarelo que ficou exposto na frente da Fiesp enquanto foi conveniente manter os midiotas agitadinhos.
Diante das evidências de que você contribuiu para colocar uma quadrilha no poder central, é possível que sua mente comece a sofrer comichões.
Mas o sistema da mídia precisa que você mantenha a consciência adormecida e alimente essa desconfiança visceral contra o intelecto, porque ele é o inimigo: o intelecto adora a dúvida.
Embora este seu amigo não concorde com a tese de que vivemos num mundo “pós-moderno”, seria o caso de dizer que você foi vítima de uma paralogia – expressão adotada pelo filósofo Jean-François Lyotard para definir os enganos que compõem o desenrolar dos diálogos.
Mas não vou exigir demais de você.
Se quiser correr o risco de cutucar sua “consciência infeliz”, clique no link abaixo:
Para ler: O pós-moderno, de Jean-François Lyotard, livro que depois passou a ser chamado de “A condição pós-moderna”.
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