Um mergulho no céu

Estava em casa fazendo tudo o que uma dona de casa brasileira precisa – lavar louça, dar comida aos quatro gatos de minha filha, ir ao supermercado, ler e responder e-mails, escrever crônicas -, quando me liga o Renato Fernandes, coordenador de um cruzeiro temático, me convidando para ministrar uma palestra sobre a moda na década de 1950 – o cruzeiro chama-se Anos Dourados. Aceitei. Fui também convidada para apresentar eventos típicos da época, como o Concurso de Miss. A vencedora foi uma senhora de 78 anos, descolada e cheia de glamour, que desfilava bem e tinha até um namorado, em um tempo em que as senhoras se queixam da falta de homens no mundo e, não apenas na faixa etária delas, mas na das jovens também. Queixam-se tanto que, quando o navio parou em Punta del Este e nós, mulheres, tentamos ir ao banheiro, no porto da cidade, tivemos de desistir por causa da fila quilométrica que dava voltas em frente à porta onde estava escrito: “Señoras”. De repente, tive a ideia de usar o banheiro dos homens, que não tinha ninguém! Gente, mas nem no banheiro masculino tem mais homem?! Nos apoderamos do espaço deles e ficamos com dois banheiros. Para que se preocupar com os homens, se eles não existem mais? Paramos também em uma pequena igreja em San Isidro e disse para uma moça ao meu lado:

– Temos direito a três pedidos. Não vá se esquecer!

Ela respondeu:

– Quero casar, quero casar e quero casar.

– Que coisa, o que aconteceu no mundo, meu Deus?! Digo isso enquanto vejo passar por nós um cruzeiro gay, com travestis de saltos agulha e casais de homens abraçados.

Voltando ao navio Grand Mistral, da Ibero Cruceros, há muito tempo não me sentia tão alegre. Assisti ao show divino da Helen de Lima – cantando Maysa, Dolores Duran, Elizeth Cardoso e Dalva de Oliveira -, com seu filho Murilo Almeida, que também canta divinamente, tem um humor fantástico e ilustrou minha palestra de moda com músicas da época. Os dois shows do Antonio Negreiros, bastante sofisticados: em um deles, ele cantou Cole Porter e músicas francesas; no outro, Mário Reis. Também assistimos a palestras de Ruy Castro sobre Carmem Miranda, Garrincha e Bossa Nova.

Fomos a Puerto Madero, em Buenos Aires, com sua arquitetura requintadíssima e bares sofisticados, e também não resisti às compras na Calle Florida, na esplêndida Galeria Pacífico.

Meu Deus! Que gente bonita e bem vestida em Buenos Aires! Por que os brasileiros têm mania de chamá-los de cafonas, se são educados e gentis, além de lindos? Acho que é tudo por causa do futebol. Pensei em trazer uma camiseta para o meu neto, de 11 anos, mas todas elas se referiam a Maradona, ou traziam o nome Argentina ou Buenos Aires. Tudo o que o faria implicar com a camisa.

Fiz um passeio de barco até o bairro de Tigre, em uma ilha, que foi das coisas mais interessantes: uma fileira de casas datadas de 1891 e do outro lado do Rio da Plata, as pessoas têm lanchas em vez de carros. Muitos nem saem da ilha, vivendo no meio daquela vegetação magnífica, cheia de quaresmas brancas, rosas e amarelas, entre o verde da mata. O guia do barco nos contou que morou naquele paraíso e disse que Deus também morava em Buenos Aires, encarnado em Maradona. Os brasileiros do barco vaiaram, falando de Pelé, Ronaldinho, Garrincha, Ronaldo “Fenômeno” e outros deuses brasileiros.

Acho que desde minha adolescência não me divertia tanto a bordo de um navio. Muito menos para falar de coisas que tinham acontecido nessa década, como o Concurso de Miss, as duas polegadas a mais de Marta Rocha, os cremes para ficarem morenas e não para proteger a pele, como o Rayito de Sol, o nome dos esmaltes e batons e os anúncios de rádio que todos sabiam de cor. Não percam esses cruzeiros da Ibero, cuja única preocupação é proporcionar o máximo prazer a quem viaja, fazendo-nos esquecer do mundo que acabamos por reduzir à nossa própria casa, e contemplar coisas que estão logo ali, à nossa volta, nos dão alegria e afogam toda e qualquer preocupação.

É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries. Também é cronista do Jornal do Brasil – onde ainda tem uma coluna na versão on line. Seus textos foram compilados em O Quebra-Cabeças, publicado pela Imprensa Oficial, em 2005.


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