Democracia não se impõe, se conquista

O jornalista brasileiro Andrei Netto, correspondente internacional do jornal O Estado de S. Paulo, passou oito dias preso e incomunicável na Líbia, norte da África. Netto cobria o conflito entre opositores e partidários do regime de Muammar Gaddafi, no poder há mais de quatro décadas. Libertado no dia 10 de março, o jornalista disse que as autoridades líbias “deixaram muito claro” que ele saiu da prisão “graças, em especial, à relação entre os dois países, Líbia e Brasil”.

O conflito na Líbia fazia parte da onda de protestos contra regimes ditatoriais que varreu o norte da África e Oriente Médio no início deste ano, na chamada Primavera Árabe. Além da Líbia, as maiores revoltas ocorreram na Tunísia e no Egito (veja página 116). O governante turco Zine El Abidine Ben Ali e o egípcio Hosni Mubarak, há 24 e 30 anos, respectivamente, no poder, renunciaram após intensas manifestações em seus países. No norte da África, manifestações também ocorreram na Argélia e no Marrocos. No Oriente Médio, a onda de protestos chegou a outros dez países.

Na Líbia, Netto estava acompanhado do jornalista iraquiano Ghaith Abdul-Ahad do jornal britânico The Guardian. Ambos não tinham visto para permanecer no país e foram capturados juntos por milicianos pró-Gaddafi. Mas Ahad não foi libertado com Netto. As boas relações com a Líbia, motivo da libertação do brasileiro, não se aplicam a ele, disse Netto. “O Reino Unido é visto como inimigo da Líbia.” O jornalista iraquiano foi libertado apenas seis dias depois.

As boas relações entre Brasil e Líbia que libertaram Netto com mais rapidez são consequência da política externa brasileira de não intervenção em assuntos internos dos países com quem se relaciona. Durante o governo Lula, o Brasil estabeleceu relações comerciais e de cooperação, inclusive em países acusados internacionalmente de violar direitos humanos e manter regimes ditatoriais.

Em 2009, o Brasil exportou US$ 200 milhões para a Líbia e importou US$ 835 milhões. De olho nos negócios, missões diplomáticas e comerciais brasileiras visitaram o país nos últimos anos sem fazer críticas ao regime de Gaddafi. Resultado: em 2010, o Brasil exportou US$ 460 milhões e importou US$ 100 milhões. Em 17 de março deste ano, o Brasil se absteve na decisão do Conselho de Segurança da ONU que autorizou intervenção militar na Líbia para conter as tropas de Gaddafi.

O ex-ministro das relações exteriores Celso Amorim resumiu o não intervencionismo brasileiro em julho de 2010, durante visita de delegação brasileira à Guiné Equatorial – o país é governado há mais de 30 anos pelo presidente Obiang Nguema, que chegou ao poder por meio de golpe de Estado. “Nós não estamos ajudando nem promovendo ditaduras. Quem resolve o problema de cada país é o povo de cada país. A democracia não se impõe, se conquista, se trabalha por ela. O exemplo tem muito mais força que a pregação moralista”, disse Amorim.


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